Por ANTONIO ALKMIM*
Resistência jurídica brasileira às Big Techs
O Brasil tem gerado, até o momento, uma significativa resistência jurídica através de suas Supremas Cortes sobre a importante questão da intervenção dos empresários bilionários das Big Techs. De forma geral, o mundo se defronta com o desafio de uma regulação efetiva e, ao mesmo tempo, flexível para novos desafios que afetam as relações entre os países e dentro dos países.
A revolução tecnológica e o poder político dos bilionários
A revolução tecnológica em curso promove a ascensão e extensão das redes sociais e múltiplas inovações da inteligência artificial. A riqueza e o poder dos bilionários os tornaram, explicitamente, atores políticos articulados aos ideais pós-globalização e ideologicamente ligados à extrema direita.
Esta cúpula das Big Techs controla também os fluxos financeiros, como o mercado de ações, assim como o fluxo virtual da moeda (as criptomoedas). Estes fenômenos marcam o início da década de 2020 e impactarão as próximas décadas. Os custos econômicos, sociais e ambientais são muito altos, aprofundando um apartheid geossocial global de acesso aos recursos econômicos e de conhecimento.
Regulação multifacetada e o caso brasileiro
Neste sentido, a regulação das Big Techs possivelmente será multifacetada de acordo com os interesses nacionais e de blocos econômicos. O caso do Brasil decorre de uma situação política onde o bolsonarismo foi um dos principais casos bem-sucedidos do poder crescente das redes sociais após os episódios decorrentes do Brexit e da primeira eleição de Trump. O Facebook e o Twitter entraram de forma impactante no mundo político e eleitoral.
O Brasil, com a vitória do presidente Lula, colocou o contraponto e continua sendo um ator internacional importante, principalmente ao vocalizar o combate a este momento. Mas, decorridos dois anos da vitória de Lula e do cancelamento da tentativa de golpe militar, encontram-se ao menos duas dificuldades.
Primeiro, uma indefinição de prioridade estratégica neste setor. Um dos motivos é o atual convívio com os dois países que lideram esta disputa tecnológica. China e Estados Unidos são os dois principais parceiros comerciais do país. Esta equidistância foi avalizada pela diplomacia que atravessou governos, inclusive o regime militar e mesmo o governo Bolsonaro. Trata-se de uma concepção pragmática. A própria localização no eixo sul global torna-se um problema para o país se tornar uma alternativa independente.
Segundo, há uma ausência de formulação estratégica por parte do atual governo brasileiro, incapaz de apontar para a criação de uma infraestrutura tecnológica robusta, o que exige investimento e custeio na ordem de dezenas de bilhões de dólares para sua implementação. Apenas a resistência jurídica não é, e não será, suficiente para impedir que o mercado e os usuários das redes sociais atuem na sua superfície e no seu submundo.
A futura eleição de 2026 e um eventual retorno da extrema direita ao poder provavelmente irão reformular as iniciativas regulamentárias e fiscalizatórias, mesmo com a resistência da Suprema Corte. Neste cenário, o alinhamento aos EUA e às Big Techs será o mais previsível. O caso argentino serve como ilustração.
Pontos cegos do governo atual
Portanto, para além das dificuldades jurídicas e regulatórias, existem pontos cegos, já que nos dois anos de governo Lula não foi apresentada uma linha de aproximação mais efetiva com os BRICS, uma articulação internacional contra a máquina de propaganda da extrema direita, além da referida baixa taxa de investimentos no setor de infraestrutura tecnológica.
Dificuldades para autonomia brasileira
Será muito difícil, a esta altura, que o Brasil tenha autonomia para essa formulação ou sirva como modelo internacional de regulação. As complicações com a recente chegada ao poder de Donald Trump, a divisão no Brasil entre uma oposição forte de extrema direita e um governo que tenta se equilibrar em uma coligação formada pela social-democracia, um segmento do centro conservador e uma esquerda frágil eleitoralmente no país são adversidades presentes. Sobretudo, com a perversa estrutura de divisão de classes desde o período colonial, que favorece a extrema direita.
Pressões sobre o governo Lula
Esta complexidade torna-se maior com as pressões sobre o governo Lula: o pagamento anual dos juros da dívida pública; a permanência de um modelo que coloca a austeridade fiscal como central; pouca capacidade estatal de financiamento; um parlamento, especialmente a Câmara Federal dos Deputados, agressivamente clientelista e conservador, que amordaçou uma boa parte do orçamento; a presença incômoda das Forças Armadas; a capilaridade adquirida pelo movimento evangélico, capturado pelo bolsonarismo.
Apesar de bons indicadores de desempenho econômico, mercado de trabalho e o eficiente combate à pobreza e à miséria, o futuro é incerto.
Contexto global das eleições e democracia
Estima-se que mais da metade dos países realizaram eleições nacionais ou subnacionais. Essas eleições envolveram de 2 bilhões a 4 bilhões de eleitores. Infelizmente, a democracia no mundo não está se fortalecendo, pois a tendência autocrática se manifesta mais intensa. A hiperindividualização do acesso às redes sociais, sem freios, aparentemente com os seus usuários e suas vozes libertárias, chegando às bolhas e à política em geral, apresenta um contexto de domínio da força e algoritmos das Big Techs ou de regimes autoritários persistentes. A censura encontra-se presente nas máquinas de informações em uma batalha pela hegemonia global. Tanto os Estados Unidos como a China são exemplos reais de censura.
No caso das Big Techs, não se trata da garantia de valores democráticos de um liberalismo, mesmo de direita. Trata-se de uma biosfera em expansão, predominantemente monopolizada, antidemocrática e discriminatória. Ser racista, formular a imagem de imigrantes tratados como criminosos, posturas chauvinistas, xenófobas e machistas fere de morte a democracia. Este é o ponto principal. O conceito de bipolarização, presente na literatura e muitas vezes restrito aos costumes e valores, é insuficiente. Além da acentuação de extremidades, onde uma nova economia traz como resultado maior desigualdade econômica e maior número de autocracias. A moeda virtual não corresponde à produção, levando este extremo ao limite ambiental e às posições não humanistas.
Perspectivas futuras para o Brasil
O Brasil não seria um ator de referência internacional, ao menos nestes próximos anos. A Europa, talvez a Índia, tenham uma voz alternativa. O centro da disputa está entre o modelo chinês muito avançado e, igualmente, as Big Techs com a vitória de Trump.
A alternativa para o Brasil seria caminhar para uma situação de soberania tecnológica, de informações socioespaciais, com aplicações científicas. Leva tempo. Não cabe nos dois anos restantes ao governo Lula, que está cercado pelo Parlamento e por boa parte desta nova ordem colocada à opinião pública e ao voto. A questão fica adiada para 2026. A eleição presidencial e a parlamentar serão decisivas. Apesar de manter o funcionamento da democracia internamente e das políticas efetivas sociais e identitárias, o país parece sem respostas, pelo menos até o próximo pleito.
*Antonio Alkmim é Doutor em Ciência Política Professor da PUC-Rio.
Foto de capa: banco de imagem
Respostas de 2
Muito bom o artigo. É necessariamente pessimista quanto à possibilidade de o Brasil regularmentar as atividades das big techs e de, mesmo tendo uma regulamentação, torná-la efetiva. A famosa “correlação de forças ” na luta contra a extrema direita e os resultados eleitorais determinarão o caminho que o Brasil seguirá. Muito tempo já foi perdido nessa luta.
Excelente artigo. Toca de maneira clara numa questão fundamental para os dias de hoje. Sobretudo, é importantíssimo avaliar o impacto político das redes sociais, bem como da revolução operada pela IA. O Brasil sofre este impacto de forma grave devido à sua vulnerabilidade histórica.