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Governo Bolsonaro teve pelo menos 26 militares da elite de combate do Exército, os kids pretos

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Governo Bolsonaro teve pelo menos 26 militares da elite de combate do Exército, os kids pretos
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Durante os quatro anos de mandato, Jair Bolsonaro convocou pelo menos 26 militares altamente treinados especialistas em operações especiais, chamados de kids pretos ou "forças especiais" (FE), que foram a elite de combate do Exército. A atuação do grupo antes das Eleições de 2018, durante o governo e na tentativa de golpe foi revelada pela reportagem da revista Piauí. A relação do ex-presidente com o grupo é antiga. Quando era do Exército, na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), Bolsonaro queria fazer parte da força especial. Fez o curso de paraquedismo, primeira etapa de formação, e duas provas de ingresso, mas foi reprovado em ambas. Expulso da corporação, Bolsonaro chegou ao poder três décadas depois e cercou-se dos integrantes dos kids pretos, afirmando serem os únicos em quem confia plenamente. Sua eleição já era chancelada pelo grupo em março de 2018. Segundo a reportagem, o general Luiz Eduardo Ramos - que viria a ser ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência e da Casa Civil - telefonou para Bolsonaro durante um jantar com outros militares. Após a conversa, ele afirmou: "Estão vendo? Esse cara está nas nossas mãos. Se ele for eleito, a gente vai governar por ele". E foi o que aconteceu. Pelos menos 26 militares da elite de combate do Exército estiveram presentes em seu governo. Além do general Ramos, estão: o general Marco Antônio Freire Gomes, comandante do Exército; o tenente-coronel Mauro Cid, ajudante de ordens; Cleiton Henrique Holzschuk que tentou retirar as joias apreendidas pela Receita Federal como bem pessoal de Bolsonaro; Marcelo da Costa Câmara, gerente do acervo particular do ex-presidente; o general Eduardo Pazuello, ministro da Saúde; o coronel Elcio Franco Filho, auxiliar no Ministério da Saúde; e o general da reserva Ridauto Lúcio Fernandes, chefe do setor de Logística do Ministério da Saúde. Outro kid preto que esteve presente no governo bolsonarista foi Mario Fernandes, general da reserva que atuou como assessor da Secretaria-Geral da Presidência. Após o resultado das Eleições de 2022, Fernandes mandou uma carta endereçada ao comandante do Exército, general Freire Gomes, exigindo uma ação para reverter a derrota. "É agora ou nunca mais comandante, temos que agir! E não existe motivação maior que a proteção e o futuro desta grande nação e de seus filhos... Os nossos filhos!", escreveu Fernandes. De acordo com a Piauí, o que ele queria era um "evento disparador", algo que deveria acontecer "a partir da ação das forças de segurança contra as massas populares, com o uso de artefatos como gás lacrimogêneo e granadas de efeito moral". Este suposto evento deveria acontecer "bem próximo ou em nossas áreas militares", detalhou o general da reserva. O comandante do Exército não atendeu o pedido, mas houve mais de um "evento disparador" com a participação dos kids pretos. O primeiro, em 12 dezembro, dia da diplomação do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. Bolsonaristas incendiaram cinco ônibus, três automóveis e uma viatura do Corpo de Bombeiros. Eles também tentaram invadir a sede da Polícia Federal em proposta contra a detenção de um indígena xavante. De acordo com relatórios da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), havia três kids pretos infiltrados entre os xavantes durante o ato. "Tudo indica que os militares usaram esses indígenas como massa de manobra. Isso porque, em alguns casos, o Estatuto do Povos Indígenas atenua a responsabilidade civil e criminal", afirmou um agente de forma anônima à reportagem. Outro evento foi os atos golpistas que invadiram e depredaram as sedes do Três Poderes, em Brasília, no dia 08 de janeiro. Desta vez, os militares não se esconderam. O general da reserva Ridauto Lúcio Fernandes se gravou durante os atos. Outros, como os coronéis José Placídio Matias dos Santos e Fernando de Galvão e Albuquerque Montenegro, usaram o Twitter para comemorar os atos. "Será que o pessoal sabe que na manifestação de ontem e, Brasília havia centenas de militares da ativa?", questionou o coronel Santos. Porém, a participação do grupo de elite de combate não ficou somente nisso. Conforme apurado pela revista, a forma que os golpistas se movimentaram mostra treinamento militar. Ação coordenadas, divisão em grupos, presença em diferentes lugares ao longo dos gradis para empurrar ao mesmo tempo e uso dos gradis como escadas indicam o planejamento dos atos. "A tendência natural de toda multidão é caminhar unida, numa única direção", disse um militar do Exército à reportagem. Sobre a atuação dos golpistas no Senado, houve uma organização em dois grupos, um de enfrentamento aos policiais e outro de apoio para minimizar os efeitos do gás lacrimogênio. "Enquanto expele o gás, esse dispositivo fica muito aquecido e só pode ser recolhido com luvas. Um civil sem treinamento dificilmente se prepararia para isso" apontou o militar para um indício de treinamento. Além do comportamento, os golpistas possuíam uma granada do tipo GL-310, que não tem no Senado, na Câmara ou na Polícia Militar do Distrito Federal, apenas no Exército em treinamentos militares, incluindo no curso dos kids pretos. A presença do artefato ainda não está sendo investigado pela Polícia Federal. Mas os investigadores suspeitam da participação dos kids pretos na série de sabotagens em torres de transmissão de energia elétrica. Foram quatro torres derrubadas, sendo 3 em Rondônia e 1 no Paraná. Outras 16 foram danificadas: 6 no Paraná, 6 em Rondônia, 3 em São Paulo e 1 em Mato Grosso. Com a troca de presidente, os kids pretos que aturam no governo Bolsonaro saíram, mas não todos. Um bolsonarista fiel e kid preto, o general Gustavo Henrique Dutra de Menezes, chefia o Comando Militar do Planalto no dia 08 de janeiro. Ele foi afastado em fevereiro e exonerado em abril. Mas não é próprio do governo Bolsonaro. O general Gonçalves Dias, também um kid preto, trabalhou na segurança do presidente Lula durante seus dois mandatos anteriores e foi nomeado como chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) em seu terceiro governo. Ele pediu demissão em abril após imagens do circuito interno do Palácio do Planalto mostrarem sua inação frente aos invasores. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil. Para receber os boletins e notícias direto no seu Whatsapp, adicione o número da Rede Estação Democracia por este link aqui e mande um alô.

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Guerra e Paz

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Guerra e Paz
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De JOSÉ CARLOS DE ASSIS* O arquiteto e projetista Ernesto Timm me convidou para participar de um grande empreendimento econômico no Rio de Janeiro, denominado LatinRio / Cinturão de Comércio Internacional do BRICS. Aprendi com Timm que o comércio e as atividades a ele ligadas podem se tornar a base material para o fim das guerras. Parece um delírio, mas é o que resta para a Humanidade se salvar dos riscos da autodestruição na época dos grandes arsenais nucleares e de outras armas de destruição em massa.  Os fundamentos filosóficos de Timm são surpreendentemente simples. A guerra implica matanças, traumas físicos e psicológicos, e prejuízos materiais incalculáveis para Estados e povos que nela se envolvem – principalmente os perdedores, mas também os vitoriosos, cujas populações sofrem igualmente por causa de suas consequências internas. Já a economia e o comércio produzem ganhos recíprocos, de forma pacífica, ampliando contatos entre os povos e a criação comum de riquezas materiais. Tomada em si, a comparação entre guerra e comércio não deixa qualquer dúvida em relação ao que é melhor para os povos e os indivíduos do mundo. Então, por que a guerra tem prevalecido sobre o comércio, historicamente? E a resposta é óbvia: a razão se deve à ambição desmesurada de alguns líderes de povos que, em lugar de produzir e comerciar, preferem usar os instrumentos do poder militar para subjugar outros povos, explorá-los, humilhá-los e sugá-los economicamente.  A proposta de Timm, materializada no empreendimento que concebeu, é também simples: substituir a guerra pela paz nas relações entre os Estados. Isso parece outro delírio kantiano, mas tornou-se um caminho obrigatório para a sobrevivência da Humanidade na era nuclear. A questão que se coloca é se há nisso algum grau de objetividade e praticidade. E há, diz Timm. Esse grande arquiteto e projetista tem um plano concreto nesse sentido, na forma do LatinRio e do Cinturão de Comércio Internacional do BRICS, mencionados acima. O plano é criar, a partir do Estado do Rio, provavelmente em Maricá, o referido projeto do Cinturão de Comércio Internacional do BRICS, a ser derivado do LatinRio – Feira Permanente de Produtos, Serviços & Negócios da América Latina, ambos de caráter mundial. A LatinRio está sendo concebida como franquia para uso inicial dentro do bloco BRICS, podendo, posteriormente, replicar-se também fora dele. Nessa condição, a partir do Brasil, e uma vez replicada nos países do BRICS, terá potencial para formatar o mais poderoso conglomerado comercial do mundo em nossa Era. Como bases materiais para troca de produtos, serviços e negócios, as feiras permanentes nacionais, constituindo os elos do Cinturão de Comércio Internacional, formarão a base objetiva para a criação e intercâmbio de riquezas em nível mundial. Isso coloca em perspectiva o desenvolvimento socioeconômico de todo o planeta, inclusive dos atuais países pobres e de desenvolvimento médio, na medida em que esse intercâmbio envolve também aspectos de desenvolvimento social e cultural. O único obstáculo para isso é o espírito militarista que está no DNA da OTAN, ali colocado desde o fim da União Soviética. De fato, quando Moscou, no fim da era soviética, através de Mikhail Gorbachev, decidiu eliminar o Pacto de Varsóvia, aliança militar socialista, estava claro que o Ocidente também eliminaria a OTAN, a correspondente aliança militar ocidental. Aconteceu, porém, o oposto. Contrariando os acordos com Gorbachev, a belicista OTAN começou a avançar para o Leste até chegar à fronteira russa. Se o sonho de Ernesto Timm parece um delírio, teria sido melhor levá-lo a sério no momento em que a Rússia, ameaçada em suas fronteiras pelas forças da OTAN, decidiu reagir e atacar o território ucraniano antes de sofrer ela própria um ataque mediante mobilizações de massa articuladas do exterior e similares às que ocorreram em 2014 na Ucrânia. Estas, ignorando a prevalência ideal da paz sobre a guerra, levaram à derrubada de um governo legítimo que se havia colocado numa posição de equilíbrio entre ocidentais e orientais. Sem a reação russa, em algum momento, a prepotente aliança militar ocidental chegaria a Moscou, desencadeando uma guerra global. O fato é que o presidente da China, Xi Jinping, advertiu, antes das chamadas “operações especiais” na Ucrânia, que o Ocidente estava subestimando as advertências da Rússia sobre o risco para sua segurança de uma eventual entrada do país na OTAN, como insistia seu presidente inexperiente e vaidoso. Ninguém levou o presidente Putin a sério, inclusive quando seu país começou a acumular grande volume de tropas na fronteira ucraniana, não escondendo sua intenção de reagir às ameaças implícitas de Kiev.  Agora, porém, o que importa, como tem insistido o presidente Lula – mas não só ele, e também Xi Jinping, presidente da China, e até o Papa Francisco, com sua imensa autoridade moral – é acabar com a guerra na Ucrânia, como passo preliminar para eliminar todas as guerras. E a fórmula para isso, a meu juízo, é, sim, levar a sério a proposta de Ernesto Timm para que se construa o Cinturão de Comércio Internacional do BRICS, base material para ideais milenares das sociedades que, eventualmente contra seus próprios governos e seus Estados, preferem a paz à guerra.  Certamente que os acontecimentos contemporâneos se dão em circunstâncias históricas peculiares, que nos colocam frente a frente com a mais profunda mudança de hegemonia entre os países do globo. A hegemonia romana perdurou na era clássica, mas desde sua destruição militar por outras forças ocidentais sucessivas, os países colonizadores e por fim os Estados Unidos assumiram seu lugar. Agora chegou o momento de os Estados Unidos passarem a outros países o bastão da hegemonia no planeta.  Na era nuclear não há hegemonia militar propriamente dita: há risco de autodestruição. Portanto, a hegemonia real será disputada no campo econômico, entre Estados Unidos, que ainda se conservam à frente, e a China, que corre logo atrás. Quem vai ganhar, por fim, será quem melhor usar os instrumentos da economia e do comércio para gerar riquezas para si mesmo e para os povos parceiros com que interagem. Isso dá ao sonho visionário de Timm um caráter histórico sem precedentes.  A materialização de seu delírio, porém, depende de ações humanas que ocorrem no terreno político. A preliminar, não é muito repetir, é acabar com a guerra na Ucrânia, a tecla na qual tem batido o presidente Lula. A guerra na Ucrânia só existe por causa da insistência do presidente-palhaço Zelensky em entrar para a OTAN, e da ação preventiva da Rússia para proteção de sua segurança e soberania. Acabará no momento em que os europeus, deixando de ser cães de guarda da hegemonia norte-americana, deixarem de mandar armas para a guerra por procuração de Kiev.  Assim, o fim da guerra, que parece extremamente distante, pode estar próximo. Tão próximo como a viagem que o presidente Lula fará à França, a convite do presidente Macron, no fim deste mês. Lula poderá dizer a seu colega francês, que já afirmou publicamente: que quer ficar numa posição política intermediária entre China e Estados Unidos. Quiçá se junte, ao Brasil, Alemanha e Itália nesta posição, pois estes são os dois países da OTAN mais atingidos pelas consequências econômicas da guerra. Seria muito importante convencê-los a pararem de mandar armas para Kiev.  Com isso, Zelensky não terá alternativa a não ser sentar-se à mesa de negociações com os russos e estabelecer com eles um tratado perpétuo pelo qual a Ucrânia desiste de buscar sua adesão à OTAN, e ambos os países se comprometerão a jamais disponibilizarem seu território como espaço para agressão direta ou indireta ao outro. Subsequentemente, todas as restrições econômicas impostas à Rússia pelo Ocidente serão imediatamente suspensas. As demais relações internacionais voltarão ao normal, sendo que, na visão de Timm e na minha própria visão, poderão ser realizadas através do Cinturão de Comércio Internacional do BRICS, e inclusive fora dele. Há um único obstáculo: o governo atual dos Estados Unidos. Ninguém sabe para onde se inclinará, na campanha, o candidato que vier a suceder Joe Biden. Se for um belicista, poderá se prometer a sustentar sozinho a ajuda militar a Kiev, hoje prestada junto com os outros governos europeus que dispõem de armas modernas. Se for um pacifista, poderá somar-se aos demais parceiros da OTAN e até aceitar a ideia de sua dissolução, em favor de um compromisso global de paz no mundo. Nessa perspectiva, serão realizados os ideais de Lula, de Xi e do Papa Francisco. Os americanos são tradicionalmente pragmáticos. Hoje, ganham mais com a guerra do que com a paz, já que a guerra ainda governa as relações internacionais no mundo. Numa perspectiva futura, eles poderão inclusive juntar-se ao Cinturão de Comércio Internacional do BRICS, caso este ofereça maiores perspectivas de lucro. A própria Ucrânia, uma vez restaurada a paz, seria convidada a participar do bloco pela China e pelo Brasil, sem resistência da Rússia, da Índia e da África do Sul - todos num esforço comum de garantir a estabilidade mundial contra a guerra. *Economista, Mestre e Doutor em Engenharia de Produção, professor aposentado de Economia Internacional e de Relações Internacionais da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB).  Foto: Pixabay. As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia. Para receber os boletins e notícias direto no seu Whatsapp, adicione o número da Rede Estação Democracia por este link aqui e mande um alô.

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‘Não se pode permitir que o Marco Temporal seja aprovado’, diz médico que atendeu aos Yanomami

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‘Não se pode permitir que o Marco Temporal seja aprovado’, diz médico que atendeu aos Yanomami
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Alexandre Bublitz avisa que está na hora dos brasileiros se perguntarem se querem exterminar os indígenas e a natureza O pediatra e emergencista Alexandre Bublitz atuou no atendimento aos Yanomami em Roraima como voluntário da Força Nacional do SUS. Professor na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e médico da Prefeitura de Porto Alegre e do Hospital Presidente Vargas, ele antes se uniu à organização Médicos Sem Fronteiras para enfrentar uma emergência sanitária na África, onde medicava ouvindo o pipocar das metralhadoras. Nesta conversa com Brasil de Fato RS ele compara as duas experiências, mas fala especialmente sobre o que viu nos rincões remotos da Amazônia. Conta sobre o estado terrível em que encontrou as crianças Yanomami, vítimas da devastação do garimpo criminoso e das doenças que os brancos levam, sobre a medicina dos xamãs e a dura tarefa de recuperar a estrutura de atendimento na região. Acompanhe: [caption id="attachment_8177" align="aligncenter" width="800"] Povo Yanomami (foto de Adriana Hubert/ Cimi Regional Norte 1) / www.cimi.org.br (2020)[/caption] Brasil de Fato RS - Como foi tua experiência de 20 dias trabalhando em uma missão do SUS junto ao povo Yanomami. O que você viu lá? Alexandre Bublitz - Sou pediatra, e já trabalhei em missões humanitárias dos Médicos Sem Fronteiras na Nigéria e fui convidado para a missão com a Força Nacional do SUS, que foi criada já tem mais ou menos dez anos para dar respostas a problemas de saúde maiores, certos desastres. Desde a época das missões no Haiti, onde começou. O que se tem vivido com a população Yanomami é uma nova crise humanitária. Quando houve a mudança do governo é que se viu o que acontecia lá com crianças com quadro de desnutrição importante. A partir dali, o governo federal começou a tentar reorganizar o sistema de atenção aos Yanomami. Inicialmente, tentou-se fazer algumas melhorias através da Sesai, que é a Secretaria de Saúde Indígena, mas era necessário mais. Então foi montado um Centro de Operações Especiais que é o COE, com o caráter de missão humanitária naquela região que pega tanto o Amazonas como Roraima. O local onde fui fica na região de Surucucu, em Roraima, bem dentro da mata. Ali é onde se vê o maior problema com o garimpo. Um pouquinho antes de eu viajar, no início de maio, foi assassinado um agente de saúde indígena e outros dois indígenas foram também baleados. Esses pacientes foram atendidos naquele polo onde fui trabalhar. Já havia lá um posto de atendimento de saúde indígena. "O mercúrio entra no organismo da pessoa não sai mais" Só essa região tinha sido sucateada no último governo com corte de gastos e redução de pessoal. Ficou muito tempo sem ter médico. E teve um grande aumento do garimpo. E o garimpo, para que todo mundo entenda bem, trabalha sobretudo nas regiões próximas aos rios. A terra, junto com os minerais, é colocada para peneirar. E a água tira a terra e sobra só o ouro ou os outros minérios. Junto com isso é utilizado mercúrio. Para que utilizam o mercúrio? É utilizado para purificar os metais. Então, se tenho uma pepita, mas tem algumas outras pedrinhas junto, coloca-se o mercúrio, ele se liga a essas impurezas e fica o ouro puro. E esse mercúrio contamina as águas. Uma vez que entra no organismo da pessoa não sai mais. O que acaba contaminando também os peixes e matando a natureza. Os Yanomami, naquela região, tem pouco contato com o mundo branco. Conhecem, mas ainda estão um pouco afastados. Tem muito da sua sobrevivência a partir de plantação em pequenas roças de mandioca, banana, milho. Mas muito também da pesca, da caça e da coleta de plantas. Se o rio está poluído, perdem um local para poder pescar. E isso acabou agravando a situação. Junto com a violência sofrida pelo garimpo, em que os próprios garimpeiros entravam em conflito com os indígenas, tirando eles das suas terras para poder explorar, acabou dando esses diversos problemas de saúde como desnutrição infantil, muitos casos de malária e muita mortalidade. "As costelinhas aparecendo profundas, os braços fininhos, o abdômen grande por causa dos vermes" BdFRS - E como está hoje a situação das crianças? As fotos que vieram no início do ano foram muito chocantes. E muitas pessoas até diziam "Ah, isso é mentira. Isso é invenção"... Bublitz - Os quadros de desnutrição infantil continuam. Eu atendia nesse polo montado e aperfeiçoado pelo governo. Havia uma equipe grande, a gente estava entre cinco médicos. Todos os dias eu via cinco crianças com desnutrição. Crianças de um ou dois anos, bem emagrecidas, com aquela face caveiresca que a gente fala. As costelinhas aparecendo bem profundas, os braços bem fininhos, mas com o abdômen bem grande por causa dos vermes. Muitos casos de verminose lá. Eu internava todos os dias crianças com desnutrição. Muitas com desnutrição moderada e muitas com desnutrição grave, severa, aguda também. [caption id="attachment_8176" align="aligncenter" width="800"] "Eu internava todos os dias crianças com desnutrição. Muitas com desnutrição moderada e muitas com desnutrição grave, severa, aguda também", afirma médico / Arquivo pessoal[/caption] Os casos de malária eram diversos. Malária é uma doença que não existia antes naquela região. Foi trazida pelos brancos. Pensem nesses locais de garimpo, próximos à água. Eles (os garimpeiros) desviam um rio e ali fica água parada que começa a ser local de replicação de mosquitos da malária. E a população adoece. A situação hoje não está mais tanto na mídia como antes. O governo está dando uma resposta, mas existe ainda um longo caminho pela frente. As ações que o governo tem feito são fundamentais para a melhoria. Mas o garimpo continua lá. Quando teve a entrada da Força Nacional, quando o Exército foi para a região, boa parte dos garimpeiros foi embora. Mas aqueles que foram embora eram os que não tinham tanto poder. Agora, as facções, aqueles que tinham mais poder, esses permaneceram. Que são aqueles que estão armados, esses seguem lá. A situação ainda não está resolvida. "Muitos dos problemas de sáude que se vê no Norte são base para aqueles da população indígena do Brasil" Os casos de malária eram diversos. Malária é uma doença que não existia antes naquela região. Foi trazida pelos brancos. Pensem nesses locais de garimpo, próximos à água. Eles (os garimpeiros) desviam um rio e ali fica água parada que começa a ser local de replicação de mosquitos da malária. E a população adoece. A situação hoje não está mais tanto na mídia como antes. O governo está dando uma resposta, mas existe ainda um longo caminho pela frente. As ações que o governo tem feito são fundamentais para a melhoria. Mas o garimpo continua lá. Quando teve a entrada da Força Nacional, quando o Exército foi para a região, boa parte dos garimpeiros foi embora. Mas aqueles que foram embora eram os que não tinham tanto poder. Agora, as facções, aqueles que tinham mais poder, esses permaneceram. Que são aqueles que estão armados, esses seguem lá. A situação ainda não está resolvida. Na Nigéria, eu sabia que podia ajudar. Mas não era o meu país. E quem tem que tomar as rédeas para fazer as mudanças necessárias na Nigéria é a população nigeriana. Aqui, quem tem a responsabilidade somos nós. É uma coisa que é fundamental e que todo cidadão brasileiro precisa entender. A gente precisa fazer a nossa parte, seja trazendo informações corretas, seja dando apoio a esse tipo de movimento e, sobretudo, apoiando os movimentos indígenas. Um paralelo que é importante fazer: eu estava lá no Norte do Brasil buscando ajudar a população Yanomami, mas muitos dos problemas de saúde que a gente vê lá são base para problemas de saúde da população indígena do Brasil inteiro. Não é diferente aqui no Rio Grande do Sul. Aqui, nós temos os Kaingang, nós temos os Guarani. Uma das formas que a gente tem para fazer isso é ajudar a dar voz a essa população. Não (para) a gente ir lá e dizer como é que tem que fazer. Mas a partir deles, tomando as rédeas da situação e propondo as suas próprias intervenções. Nosso papel é de escuta, de apoio. Eles têm que ser os agentes principais dessa mudança. "Eu fazia o atendimento com o conhecimento branco e a xamã fazia pela parte da cultura Yanomami" BdFRS - Os Yanomami têm uma sabedoria milenar. É um povo muito respeitado entre os indígenas. Como estão lidando com essa situação? Como se utilizam da sua sabedoria, sua cultura para conseguirem estar vivos no meio dessa situação toda, que não é só o garimpo, são várias, a questão dos madeireiros... São vários ataques que sofrem... Bublitz - Respeito muito a cultura Yanomami. Pude conhecer dois xamãs. Um é o João, que era o chefe, o tuxaua de uma das comunidades, a comunidade Xokori. Pude ir até a comunidade, dormi com eles na maloca. Fiquei quatro dias lá. Fizemos um trabalho de atendimento de toda a comunidade, mais vacinação e tratamento de verminose. Fizemos triagem dos pacientes. O João faz o processo de cura a partir da religião dele, através do Xapiri, que são os espíritos da floresta. Invocam os espíritos. Conheci uma outra xamã, uma mulher, a Simone. São poucas xamãs mulheres. Muitas existem pelo fato de muitos dos homens estarem morrendo. Então, algumas das mulheres tomaram a frente. A Simone é um desses casos. Ficava no polo base de Surucucu e, por várias vezes, a gente fez o atendimento em conjunto. Eu fazia o atendimento da parte médica com conhecimento ocidental, branco, digamos assim, e ela fazia pela parte da cultura Yanomami. E isso foi muito enriquecedor. A cultura indígena é muito forte. Graças a ela eles conseguem se manter unidos e lutar contra esses agravos. Eu quero dar uma dica: tenho aqui um livro que se chama "A Queda do Céu". É um livro do Davi Kopenawa, uma das mais importantes lideranças do movimento indígena. Ele é também um xamã. Tem também o domínio sobre a cultura, sobre a cura. Nesse livro ele traz um pouquinho da história dos Yanomami. Traz a chegada do homem branco, que traz as doenças, a força do aculturamento. E traz agora essa parte da luta contra o garimpo. O que a gente tem visto é um genocídio. Temos levantamento do censo no passado (sobre a presença) de 35 mil indígenas naquela região. O último censo levantou só 25 mil. Se esses números estiverem corretos - e é difícil fazer censo naquela região - a gente pode ter chegado a 10 mil mortos. [caption id="attachment_8175" align="aligncenter" width="800"] "O que se tem vivido com a população Yanomami é uma nova crise humanitária" / Arquivo pessoal[/caption] BdFRS - Estamos na iminência de ser aprovado o PL 490 e a questão do marco temporal ainda vai piorar a situação... Bublitz - O marco temporal é um grande problema para a população indígena. Para quem serve? Quem é que está apoiando? Os garimpeiros? Os madeireiros? Quem está depredando a natureza? São essas as pessoas que o marco temporal está ajudando. Queremos o extermínio dos indígenas? Queremos a depredação da natureza? Parte da culpa do que tem acontecido lá é nossa, é da população branca. E a gente precisa agir de uma forma diferente. Ser contra o marco temporal é necessário. Unir-se à luta da população indígena é necessário. Não se pode permitir com que esse marco seja aprovado. BdFRS - A Força Nacional do SUS continua com outros profissionais? Bublitz - Ela continua. Sou um voluntário, trabalhador voluntário da Força Nacional do SUS. Não represento a Força Nacional e o que falo aqui não são as palavras da Força Nacional. São apenas de um médico que foi lá trabalhar de forma gratuita. A ideia da Força Nacional é de fazer intervenções emergenciais. Não é a ideia que ela fique lá para sempre. O que acontece hoje é uma reestruturação do Serviço de Saúde Indígena. O que se quer é que o Sesai consiga tomar conta daquela situação sozinho, sem ter a necessidade de uma missão emergencial. O que se precisa é de continuidade do processo de cuidado. Precisamos ter profissionais que não fiquem só 20 dias lá, mas sim que fiquem anos. Que conheçam a comunidade e que possam estar junto dela. É preciso haver maior incentivo para a contratação de profissionais. Hoje, há cinco profissionais contratados pela Sesai lá e são cinco (que vieram) pelo programa Mais Médicos. Então, é o Mais Médicos que está conseguindo levar profissionais para aquela região. "É o Mais Médicos que está conseguindo levar profissionais para aquela região" BdFRS - Enquanto se enfrenta uma crise humanitária entre os Yanomamis, no resto do país temos um outro problema que são os baixíssimos índices de vacinação, o que expõe também as crianças. Tua formação é de pediatria e gostaria da tua opinião. Bublitz - Claro, sou pediatra e emergencista. Trabalho para a Prefeitura de Porto Alegre e no Hospital Presidente Vargas. O que vejo após sair da Amazônia é que a gente está vivendo um caos nas emergências pediátricas com superlotação e um alto número de crianças com problemas respiratórios. E a maior parte desses problemas poderia ser evitada com a vacina. São muitos casos de gripe, a maioria causados por influenza. A vacina da gripe hoje pega tanto o H1N1, a influenza do tipo A, a influenza do tipo B. Previne boa parte das infecções respiratórias mais importantes. Mas os pais pararam de levar as crianças para vacinar. "As vacinas não são perigosas, elas salvam" Antes, tínhamos índices de até 98% da população alvo sendo vacinada. Hoje, estão em torno de 50 a 60%. Na vacina da gripe, apenas 20% das crianças foram vacinadas. É um reflexo de toda aquela paranóia dos últimos anos sobre as vacinas. As vacinas não são perigosas, elas salvam. Hoje tem vacina também para pneumonia. Tem vacinação para meningite. Os mais velhos lembram que a gente já teve epidemias de meningite aqui em Porto Alegre, com muitas pessoas morrendo. E com vacina, hoje a gente consegue evitar boa parte dessas infecções. [embed]https://youtu.be/Aie_vVaA2GY[/embed] Matéria do Brasil de Fato RS. Foto: Arquivo pessoal. Para receber os boletins e notícias direto no seu Whatsapp, adicione o número da Rede Estação Democracia por este link aqui e mande um alô.

Educação

MEC divulga cronogramas do Sisu, Prouni e Fies

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MEC divulga cronogramas do Sisu, Prouni e Fies
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O Ministério da Educação (MEC) divulgou na quarta-feira, 07, os editais dos processos seletivos do Sistema de Seleção Unificado (Sisu), do Programa Universidade para Todos (Prouni) e do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) para ingressar no ensino superior no segundo semestre de 2023. As notas obtidas no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) da edição de 2022 são usadas nas seletivas. No caso do Prouni, as notas do Enem de 2021 também estão valendo. Para o Fies, serão válidas as notas no exame a partir de 2010. Os candidatos não podem ter zerado a redação. As inscrições são gratuitas e devem ser efetuadas no Portal Único de Acesso ao Ensino Superior. A quantidade de vagas a serem ofertadas em cada processo será divulgada em datas próximas ao início das inscrições também no portal. Confira os cronogramas: Sisu Inscrições: 19 a 22 de junho Resultado: 27 de junho Matrícula dos selecionados: 29 de junho a 4 de julho Lista de espera: 27 de junho a 4 de julho Divulgação da lista de espera: 7 de julho Convocação da lista de espera: a partir de 10 de julho Prouni Inscrições: 27 a 30 de junho Resultado da 1ª chamada: 4 de julho Resultado da 2ª chamada: 24 de julho Lista de espera: 14 e 15 de agosto Divulgação da lista de espera: 18 de agosto Fies Inscrições: 4 a 7 de julho Resultado: 11 de julho Complementação da inscrição dos pré-selecionados em chamada única: 12 a 14 de julho Convocação da lista de espera: 18 de julho a 29 de agosto Os estudantes que tiveram a inscrição de processos seletivos do Fies anteriores postergadas para o segundo semestre de 2023, devem fazer a complementação da inscrição entre os dia 14 e 16 de junho. Segundo o MEC, a complementação estará condicionada ao atendimento dos demais requisitos, prazos e procedimentos necessários para o financiamento. Enem As inscrições para o Enem estão abertas desde segunda-feira, 05, e vão até o próximo dia 16. A taxa de inscrição é R$ 85 e deve ser quitada até o dia 21 de junho. As provas irão acontecer nos dias 05 e 12 de novembro. Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil. As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.

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O que resta da Lava Jato após Tony Garcia?

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O que resta da Lava Jato após Tony Garcia?
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De CARLOS ÁGUEDO PAIVA* Nos últimos dias, insisti bastante com meu querido amigo Benedito Tadeu Cesar sobre a importância de termos, nas páginas da RED, alguma avaliação sobre a entrevista concedida por Tony Garcia na TV 247 na sexta-feira última (02/06/2023) aos jornalistas Joaquim de Carvalho e Leonardo Attuch. Afinal – argumentava eu – os articulistas e jornalistas da TV 247 vinham reclamando, com razão, da baixa repercussão que a mídia oficial – os grandes jornalões e, em especial, o grupo GAFE (Globo, Abril, Folha e Estadão) – havia dado às revelações bombásticas de Tony Garcia. Ao fim e ao cabo, Benedito César pediu que eu escrevesse algo sobre o tema. Porém, ao me deparar com esta nova responsabilidade, passei o dia olhando para a tela branca do “word” no meu computador sem saber o que colocar no “papel”. Por quê? Porque me dei conta de que qualquer um que quisesse, de fato, saber sobre o escândalo, tinha fontes de sobra para se informar na internet. A entrevista como um todo havia durado em torno de 4 horas. Mas houve inúmeras edições da mesma, em que os distintos highlights eram apresentados e comentados. Posteriormente, Breno Altman fez uma bela entrevista com Reinaldo de Azevedo sobre as declarações de Garcia e, do meu ponto de vista, ficou pouco a acrescentar à análise primorosa dos fatos oferecida pelo entrevistado. O que eu poderia dizer que trouxesse alguma atratividade a este texto? O ponto para o qual quero chamar a atenção aqui não se encontra, de forma alguma, na subestimação da importância dos fatos revelados por Tony Garcia. Muito antes pelo contrário. Garcia trouxe à luz elementos cruciais para o entendimento da “capacidade de influência” de Moro sobre e TRF-4. Ele nos informou – por exemplo – que alguns dos desembargadores da segunda instância haviam sido filmados em uma “festa da cueca” realizada em Curitiba em 2003. Segundo Tony, que esteve presente na tal festa, foi ele quem informou a Moro o local mais provável onde a gravação estaria sendo guardada pelo advogado Sergio Bertoldo, responsável pela realização da festa e do vídeo. Esta gravação, na verdade, teria sido realizada por um sócio de Bertoldo, o advogado Sérgio Costa com uma câmera localizada em seu prendedor de gravata. E a festa teria ocorrido na suíte presidencial do Hotel Bourbon, em Curitiba, na noite de 19/11/2003, após o jogo Brasil x Uruguai, no Pinheirão. Aparentemente, há uma relação entre o roubo da gravação realizada por ordens de Moro e a briga violenta dos dois sócios em fevereiro de 2005 (um ano e 3 meses após a referida festa), que foi parar nas páginas policiais dos jornais do Paraná. E isto é apenas uma pequena parte da confissão de Tony Garcia. Ele conta – dentre outras coisas – que: foi obrigado pela Polícia Federal do Paraná a rever seu primeiro depoimento (e, portanto, a mentir) sobre ter vista a implantação de escutas ilegais nas celas da carceragem da PF para gravar conversas do doleiro Youssef com outros apenados; operava como espião infiltrado de Sérgio Moro em diversas operações comandadas por este “juiz” juntamente com o Ministério Público e que teria gravado políticos e empresários por ordens de Moro; que, por ser amigo pessoal de Eduardo Cunha e de outras lideranças do Congresso, atuou, a mando de Moro, como espião para se informar sobre os grupos econômicos que seriam financiadores das campanhas do PT, pois o verdadeiro interesse de Moro seria manchar a reputação do PT, e não combater a corrupção; que participou, a mando de Moro, juntamente com Eduardo Cunha, da promoção do impeachment da Presidenta Dilma (a quem pede desculpas na entrevista), bem como da tentativa de salvar o mandato do segundo. Esta tarefa, contudo, teria sido inviabilizada pela traição do PSDB (que exigiu 5 milhões para que os deputados da sigla votassem alinhados com Cunha na Comissão de Ética); que, mais uma vez, ordenado por Sérgio Moro, prestou falso testemunho contra Sergio Bertoldo, seu ex-advogado, assim como deu entrevistas com informações falsas e sem provas para revistas de circulação nacional – em especial à Veja – para forjar provas de envolvimento de José Dirceu no caso do Mensalão; que havia denunciado todos estes em 2021 à juíza Gabriela Hardt – “a juíza recorta e cola” -, mas que ela teria ignorado sua delação e engavetado as denúncias, em claro conluio com o “juiz-promotor” Sérgio Moro. E há muito mais para relatar. Sem sombra de dúvida, a entrevista de Tony Garcia é tão cheia de escândalos e revelações que vale muito a pena ouvi-la na íntegra, a despeito da empreitada envolver 4 horas em frente à tela. Mas, se é assim, como explicar a dificuldade que se abateu sobre mim em tratar de um tema tão candente e tão recente? O ponto é que não há mais nada que possa surpreender a respeito das equipes e aliados de Sérgio Moro na Décima Terceira Vara da Justiça Federal de Curitiba e no TRF-4 e de seus conluios com a MPF curitibana com vistas a perseguir politicamente as lideranças nacionais do Partido dos Trabalhadores, enlamear seus nomes, coloca-las na prisão e trabalhar pela derrubada de seus governos. Mesmo antes da descoberta e divulgação dos áudios e mensagens trocadas entre membros da Força Tarefa da Lava-Jato e o “juiz-promotor” no escândalo da “Vaza-Jato” (coordenado pelo internacionalmente renomado jornalista Glenn Greenwald) era preciso ser cego para não ver o viés político de operações tais como o Mensalão e o Petrolão. Como dizia o apresentador Ratinho em seus programas de auditório ainda em 2018 - 6 meses antes da Vaza-Jato dar publicidade às conversas entre Deltan Dalagnol, Sergio Moro e demais membros da “República de Curitiba”: “O que se pode esperar de um país em que o político mais honesto está preso?” E, vale notar: Ratinho não tem qualquer identidade política com o PT ou com a esquerda em geral. Seu alinhamento político é o mesmo de seu filho, reeleito para governar o Paraná pelo PDS, partido do Centrão que se manteve “neutro” na disputa entre Lula e Bolsonaro nas eleições de 2022, mas que, na prática, como se viu pela pequena vantagem de Lula no segundo turno, canalizou a maior parte de seus votos para Bolsonaro. Vale dizer: não era preciso ter qualquer alinhamento à esquerda, antes mesmo da Vaza-Jato, para entender que o Judiciário no Brasil, e não apenas em Curitiba ou no TRF-4, havia se tornado um agente político voltado à perpetração de golpes contra a esquerda. Esta foi a perplexidade que se abateu sobre mim quando tentei começar este artigo. Eu próprio havia alegado, em defesa do texto, que era necessário divulgar as “novas informações”. E elas são, de fato, novas. Só que, simultaneamente, não são! Os fatos são novos. As informações relevantes já eram de domínio público. Não obstante, uma grande parte do Brasil ainda se nega a enxergar o óbvio (L)ululante. E, esta é uma parte do Brasil que não lê a RED e também não ouve o 247. Lê – quando e se o faz – apenas os jornalões. Justamente aqueles veículos que – sem qualquer surpresa – vêm se negando a divulgar o novo escândalo. E o fazem com a mesma intensidade (mas sentido contrário!) em que se esforçavam por ver chifre em cabeça de cavalo a cada novo factoide produzido pela República de Curitiba com apoio de seus agentes infiltrados – como Tony Garcia -, sempre prontos e ávidos por darem falsos testemunhos e fazerem delações sem provas. A questão que fica, agora, é a velha questão de Lênin: O que fazer? Mais do que nunca, urge passar a limpo a história recente do Brasil, desde o início do século XXI. Mais especificamente, desde o Mensalão até a tentativa de golpe de 8 de janeiro. E, no centro de todos estes eventos, está uma organização criminosa que se auto-denominou de “República de Curitiba”. Passar a limpo esta história envolve, do meu ponto de vista, a criação de uma CPMI da Lava-Jato. Mais: ainda do meu ponto de vista, é preciso que ela se apresente, originalmente, como focada na República de Curitiba (ou as resistências à mesma serão grandes demais para serem superadas!). Mas é fundamental que ela não fique restrita apenas à investigação das irregularidades e ilegalidades cometidas por Moro e seus asseclas. Ela tem que chegar no braço carioca da operação (comandado por Bretas); tem que chegar no TRF-4 e em seu julgamento relâmpago de Lula, bem como nas intromissões sobre o trabalho do juiz Appio; e tem, inclusive, que chegar no STF, que realizou um julgamento midiático do (pretenso) escândalo do Mensalão (onde Sergio Moro operou como assessor de Rosa Weber, defendendo a condenação sem provas de Dirceu), em sua participação no impeachment de Dilma, assim como na proibição do acesso de jornalistas a Lula durante sua prisão no ano eleitoral de 2018. O que precisamos, de fato, é colocar o Judiciário Brasileiro no banco dos réus. E, com ele, colocar a grande mídia no banco dos réus. Pois ela também é um órgão de Estado: trata-se de concessões públicas e/ou atividades que devem ser fiscalizadas pelo sistema de Justiça, para impedir a divulgação de fake News. Mas, de 2003 a 2022, a grande mídia se tornou um órgão uníssono e orquestrado de oposição aos governos do PT. Governos que, como gosta de lembrar Reinaldo de Azevedo, sequer podem ser pensados como rigorosamente de esquerda. Que são meras frente amplas de combate à ultra direita e que submetem seu programa e realizações à mediação de um Congresso cronicamente reacionário e cada vez menos orientado por princípios republicanos. Se ela vier a ser constituída, uma tal CPMI não vai mudar a (triste) cara do nosso país do nosso país da noite para o dia. Infelizmente, a transição para uma sociedade democrática e civilizada é longa e cheia de percalços, com idas e vindas. E, nossos “estamentos burocráticos” (como Raymundo Faoro se referia aos órgãos e lideranças do Estado à serviço do capital) são muito sólidos resistentes a quaisquer mudanças. Mas é preciso persistir na luta pela transformação. E temos uma oportunidade única para dar visibilidade aos acontecimentos recentes a partir de uma outra perspectiva e lógica. E usando o poder do Estado para revelar os segredos do próprio Estado. Importa lembrar, acima de tudo, que “água mole, em pedra dura, tanto bate, até que fura”; mas um jato de água, sob pressão, pode provocar rapidamente uma bela rachadura. A CPI da Lava-Jato pode ser o jato sob pressão de que estamos precisando para passar a limpo este país e abrir fissuras nas pedras e estruturas mais resistentes à transformação social. A CPMI do 8 de janeiro está realizando esta varredura e exposição da hegemonia conservadora e golpista nas Forças Armadas e demais Forças de Segurança. Uma CPMI da Lava-Jato poderia estar fazendo o mesmo, focando em uma outro “trio” que vem se mostrando igualmente perigoso à sustentação da democracia no país: Judiciário, Ministério Público e Grande Imprensa. *Doutor em economia e professor do mestrado em desenvolvimento da Faccat (Faculdades Integradas de Taquara). Foto: Reprodução. As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia. 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Politica

Appio envia nova petição ao CNJ para reassumir a 13ª Vara Federal de Curitiba após reportagem revelar plano de Malucelli para a sucessão de Moro

Curtas

Appio envia nova petição ao CNJ para reassumir a 13ª Vara Federal de Curitiba após reportagem revelar plano de Malucelli para a sucessão de Moro
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O juiz Eduardo Appio enviou uma nova petição ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) na quarta-feira, 07, para reassumir seu cargo na 13ª Vara Federal de Curitiba após reportagem do Jornal GGN mostrar o plano do desembargador Marcelo Malucelli para a vaga deixada pelo ex-juiz Sergio Moro. A Vara é responsável pelos processos oriundos da Operação Lava Jato. A reportagem releva que o desembargador Marcelo Malucelli, da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), articulava para que a vaga do ex-juiz Sérgio Moro fosse ocupada pelo juiz Luiz Antonio Bonat. As conversas foram registradas em 2019 e publicadas pelo jornal através da Operação Spoofing. "A referida veiculação jornalística corrobora a constatação de que o Peticionário foi afastado do exercício da função jurisdicional não por ter, em tese, praticado qualquer infração disciplinar, mas por representar um contraponto crítico à pretendida sucessão na 13ª Vara Federal de Curitiba-PR", diz o novo pedido de liminar enviado pela defesa da Appio. O pedido foi encaminhado ao corregedor-nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão. No final de maio, ele atendeu ao pedido da defesa da Appio e determinou a auditoria nos gabinetes relacionadas a Lava Jato na 13ª Vara Federal de Curitiba e no TRF-4. Eduardo Appio foi afastado pelo TRF-4 por ter supostamente ameaçado o filho de Marcelo Malucelli, João Malucelli, em uma ligação telefônica. A conversa foi gravada por um vídeo. Na semana passada, a defesa do juiz enviou um parecer a CNJ que compara a voz de Appio com a voz do vídeo. Com informações do Jornal GGN. Foto: Reprodução/Justiça Federal. Para receber os boletins e notícias direto no seu Whatsapp, adicione o número da Rede Estação Democracia por este link aqui e mande um alô.

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