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Viva aos povos do mundo!

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Viva aos povos do mundo!
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Por ANGELO CAVALCANTE* Em 27 de janeiro de 1945, o imponente e glorioso Exército Vermelho irrompe os portões de Auschwitz. O que se encontra, o que se vê ali, o que ao fim, se descobre é algo absolutamente inimaginável; nos pátios e alargados do Campo existem pilhas, amontoados e mesmo montanhas de cadáveres. Já não são humanos... São ossadas, carrancas e caveiras humanas com expressões de dor, angústia e muito, muito sofrimento! Todos foram assassinados! A maioria pereceu nas obscuras câmaras de gás, outros foram fuzilados e tantos outros morreram mesmo de frio, fome e desnutrição. São homens, são mulheres, são velhos, são jovens, crianças, pessoas especiais e até bebês de colo. Em assustador comunicado ao camarada Stalin, o líder soviético notadamente surpreso, questiona "se isso é mesmo possível"? A conferência desse morticinio, desses infinitos mortos, desses combalidos, é algo impossível; mesmo os mais veteranos e experimentados oficiais do Exército Vermelho, tocados, sensibilizados e com olhos marejados, se surpreenderam com o tamanho do ódio e da impiedade dos alemães. Não por acaso, esse é precisamente o Dia Mundial de Lembrança do Holocausto. Comunistas libertaram judeus! Afora desse fato, não há história! Vamos tentar situar um pouco dessa jornada absolutamente impressionante... Sob o Reich nazista, a Alemanha havia se convertido na principal potência militar do planeta; naquela altura não havia, de fato, força militar que se comparasse ao poderio alemão. Sem contar a disciplina, a capacidade de organização, a superioridade tática e formativa da tradicional escola militar prussiana e, sobretudo, o fundamental sentimento nacional e pátrio e que fora criado pelo nazismo. Orientado pelo lebensraum ( cf. Friedrich Ratzel ) ou a ampliação dos espaços vitais para o próprio desenvolvimento do império alemão, a wehrmacht, as mesmas forças armadas alemãs, não raro eram tidas como força incomparável. Lideradas e conduzidas pelo fanatismo ultra-nacionalista de Adolf Hitler ( 1889-1945 ), um cabo medíocre, inexpressivo e advindo das ruínas, flagelos e derrotas alemãs da Primeira Guerra Mundial ( 1914-1918 ), o nazismo como força política só pode ser compreendido e traduzido no contexto da pior crise econômica da história da Alemanha o que envolveu, inclusive, taxas e índices inflacionarios dos maiores da história econômica mundial. Em síntese, a Alemanha, no imediato fim da Primeira Guerra Mundial, é um desterro, um ambiente distópico de miséria, pobreza, mágoas, ressentimentos e muitas lacunas políticas ao dispor, inclusive, da extrema direita. Pois bem... É necessário somar a esse quadro, lutas e refregas políticas entre comunistas e sociais-democratas e que, desapercebidos, não identificaram ou conseguiram identificar, a serpente do nazismo avançando, se expandido pelos esgotos da política alemã. Quando a II Grande Guerra é por fim, eclodida e declarada como tal em primeiro de setembro de 1939, tem-se início o pior, mais brutal e desumano conflito militar da história humana. Em outros termos, não há guerra que se compare com o apetecido nos infames e desgraçados anos da Segunda Guerra Mundial. O conflito fora responsável pela morte de, pelo menos, setenta milhões de seres humanos. Nesse ambiente, a máquina de guerra alemã seguia vigorosa e destruindo tudo o que encontrava em sua frente; países como Polônia, Hungria, Checoslováquia, Bélgica e Holanda foram devastados pela tempestade de morte alemã. Algo, no entanto, estava no meio do caminho da ferocidade, da sanha nazista; justamente a única nação que conseguiu se industrializar fora do capitalismo: a União Soviética. Vejam só... Para Hitler, os povos eslavos, como de resto, todos os povos do mundo, eram necessariamente inferiores e "comprovadamente" incapazes se comparados com a superioridade genética e racial dos assim ditos arianos, logo, é natural e condição que essa "gentalha" seja dominada, submetida e escravizada. Esse, não por menos, é o essencial do Mein Kampf ( Minha Luta ) de Hitler e que virou uma doxa , uma espécie de bíblia da loucura extremista dos nazistas. Ocorre que as teorias de superioridade/inferioridade natural não se aplicaram, tampouco se revelaram nos efetivos campos de batalha de uma Europa devastada. A resistência aconteceu com firmeza e coragem, inclusive, em guetos dominados pelas forças do nazismo. Dentre os muitos equívocos da estratégia nazista estava a invasão da União Soviética perpetrada pela assim batizada Operação Barbarosa. Ocorre que a matança desmedida e sistematizada dos alemães contra, sobretudo, camponeses russos, era algo surpreendente pela violência, crueldade e perversão. Essa marcha seguia de vento em popa e é preciso lembrar e recordar que nenhuma nação sofreu ou perdeu tantos dos seus concidadãos como o povo russo. A estimativa geral é que, ao menos, vinte milhões de russos tenham sido mortos durante a Guerra. Ocorre que, bem sabemos disso, a história nunca e jamais é linear e muito menos se repete; sob o juízo esquemático e previsível de Hitler na invasão do território soviético, as hordas nazistas, contrariando aberta e frontalmente as recomendações do Estado-Maior alemão, se dividiram em três frentes. A primeira frente seguia em direção a Leningrado, a seguinte para a capital Moscou e a terceira para a cidade industrial de Stalingrado. Era, enfim, a deixa para que os "vermelhos" realizassem, vejam bem, a maior matança militar e que o mundo moderno havia presenciado. Sob a firme liderança de Stalin e sob o comando dos marechais Zukov, Chuikov, Tukhatchévsky, Yeremenko e Rokossovsky, as tropas soviéticas partiram firmes e decididas contra os alemães o que envolveu, inclusive, lutas corporais, rua por rua, prédio por prédio, casa por casa. Stalingrado se converteu em espécie de "caldeirão" de sangue e morte; dos cinco milhões de invasores alemães restaram pouco mais de cento e cinquenta mil soldados. Estavam famelicos, vestindo farrapos e andrajos e dura e penosamente açoitados pelo fatal frio russo, pela fome e pelo tifo. Nas margens do Rio Volga, milhares e milhares de cadáveres de jovens soldados alemães se espraiavam em seus contornos. Stalingrado virou uma necrópole! O drama dos soldados alemães atingiu um nível tal de sofrimento e degradação que tal quadro atingiu, inclusive, a moral e a compaixão dos soldados soviéticos e que, encarecidamente, pediam-lhes rendição; que poupassem suas vidas, posto que a batalha estava encerrada. Ao fim, lhes seria oferecido abrigo contra o frio com chá e sopa quente. Coube ao Marechal Paulus, líder da campanha alemã em solo russo, em aberta divergência às determinações de Hitler, o acerto e acordo da rendição, o que permitiu salvar milhares de vidas alemãs. Bom... Acerca da memorável Batalha de Stalingrado, o poeta brasileiro Carlos Drummond de Andrade fiou o poema "Stalingrado" onde diz: "Depois de Madri e de Londres, ainda há grandes cidades! O mundo não acabou, pois que entre as ruínas, outros homens surgem, a face negra de pó e de pólvora e o hálito selvagem da liberdade dilata os seus peitos, Stalingrado, seus peitos que estalam e caem, enquanto outros, vingadores, se elevam". (Rosa do Povo (1945). In Carlos Drummond de Andrade. Poesia e Prosa. Rio de janeiro, Editora Nova Aguilar, 1983). Pois bem... Em tempos de ascensão neofascista, em grave momento onde a extrema direita mostra suas unhas e dentes querendo, buscando barbarizar sobre os povos do mundo é necessário relembrar dessa história. Aliás, fascistas odeiam... Odeiam a história. Não passarão! Stalingrado vive! Viva a humanidade!     *Angelo Cavalcante_ – Economista, professor da Universidade Estadual de Goiás (UEG), Itumbiara. Foto de capa: Reprodução Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

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A problemática estrujuntura brasileira (segunda parte)

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A problemática estrujuntura brasileira (segunda parte)
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Por CARLOS ÁGUEDO PAIVA* Introdução: a quem se destina este texto?  A principal função do economista, seja no plano da iniciativa privada, seja no plano da esfera pública, é avaliar as tendências em curso e fazer prognósticos do futuro. No setor privado, ele é o sujeito que propõe ou avalia os projetos de investimento da empresa. Suas questões são: O mercado manterá o atual padrão de expansão (seja ele nulo, baixo ou acelerado)? Ou haverá alguma inflexão radical na dinâmica vigente? Caso a firma amplie sua capacidade produtiva atual, o mercado será capaz de absorvê-la? E, caso não ampliemos a capacidade, qual o risco de novos concorrentes ingressarem no setor, deprimindo nossa participação no mesmo e nosso poder de precificação? E qual é a rentabilidade prospectiva das demais alternativas de canalização dos lucros retidos? O que é mais arriscado: diversificar a produção (ingressando em novas searas produtivas) ou fazer aplicações financeiras? Se a opção for diversificar, qual o melhor setor para ingressarmos? Se a opção for financeira, que papéis escolher? Títulos da Dívida Governamental? Ações de empresas nacionais? Índice de empresas chinesas? Ou algum índice de empresas norte-americanas? E qual deles? S&P ou Dow Jones? Na esfera pública, nossas atribuições são similares. Nosso dever é projetar onde emergirá o gargalo capaz de afetar de forma perversa a dinâmica econômica global. Nos defrontaremos com uma escassez de oferta de mão de obra? E, em caso positivo, de que tipo? Engenheiros, mestres de obra ou pedreiros? Professores, pesquisadores ou administradores? Ou nosso gargalo será de ordem material? Máquinas e equipamentos? Insumos industriais? Insumos agrícolas? Ou serão de caráter estrutural? No plano da infraestrutura? Em qual setor? Logístico ou energético? Eventualmente, o gargalo pode ser de ordem financeira. Haverá ingresso ou fuga de capital estrangeiro? Qual será a taxa de câmbio entre o real e o dólar nos próximos anos? Qual será o ingresso de capital de risco? Quais serão as fontes principais? China, Europa ou EUA? Bueno, creio que o leitor não-economista já captou a mensagem que quero passar: PLISS, FRIENDS, TENHAM PIEDADE DE NÓS! Já estamos calejados de tanto recebermos críticas pelos nossos prognósticos equivocados. Só pedimos uma única gentileza: entendam que esta tarefa – que, em séculos anteriores foi outorgada a pitonisas, videntes, astrólogos, cartomantes, magos, bruxas e assemelhad@s – é uma tarefa tão relevante quanto complexa. Na verdade, é demasiado complexa. Acho que nem nos cabe pedir perdão pelos erros que cometemos. Prever o futuro é uma tarefa mais que árdua: é impossível. Porém, todavia, não obstante, contudo, cabe, sim, pedir perdão por um erro que é comum a muitos colegas de profissão: PRETENDER QUE PODÍAMOS PREVER O FUTURO E QUE TÍNHAMOS CERTEZA DO QUE VIRIA A OCORRER. Foi aí – e ainda é aí – que morou (e ainda mora) o perigo. Aparentemente, este grave equívoco começa a ser objeto de autocrítica pela elite da nata dos “compa de profissão”. Pelo menos é o que pretende James Galbraith – filho e herdeiro de um dos maiores economistas heterodoxos norte-americanos do século XX, o grande John Galbraith, e ele mesmo um economista de amplo reconhecimento internacional – em artigo recente, intitulado A saída dos economistas do deserto. De forma particularmente inteligente, James Galbraith NÃO iniciou seu texto apresentando sua própria avaliação do último encontro da American Economic Association, ocorrido na primeira semana de janeiro de 2025. Preferiu dar a palavra inicial ao jornalista Ben Casselman, que cobriu o evento para o The New York Times. Segundo Galbraith, Casselman teria listado aqueles problemas que os palestrantes das mesas centrais do Encontro de San Francisco reconheceram não haver sido resolvidos pela Economia moderna. Quais sejam:   A desindustrialização [dos países desenvolvidos], a crise de 2008 e a recessão subsequente, a desaceleração do crescimento a longo prazo; .... a crise financeira de 2007-09, o choque de preços de 2021-22 e a natureza transitória da inflação resultante. ... Casselman relatou [ainda] a visão de Jason Furman de que os economistas precisam “fazer um trabalho melhor… entendendo os problemas com os quais as pessoas se importam”, e a observação de Glenn Hubbard de que muitos no campo têm sido “desdenhosos e insensíveis” em relação a tais preocupações.   Admitindo que Galbraith reproduziu a leitura de Casselman de forma rigorosa e que o relato deste último foi fiel ao transcorrido, não podemos deixar de saudar a elite dos companheiros de profissão dos EUA. Como bem nos alertava Lord Keynes no Prefácio da Teoria Geral, a grande dificuldade do progresso científico NÃO se encontra na produção de novas ideias: encontra-se na dificuldade de escapar das ideias velhas, que se ramificam por todos os cantos de nossas mentes. Não há como avançar na compreensão da realidade e dos problemas atuais se não colocarmos em dúvida aquilo que nos parece indubitável. Como procuramos demonstrar na primeira parte deste trabalho a Economia Brasileira encontra-se em “estado de reme reme”. Mas não é só ela. A TEORIA ECONÔMICA NACIONAL TAMBÉM ESTÁ ESTAGNADA, presa a um debate do século passado entre liberais e desenvolvimentistas. Qual o problema da preservação dessa oposição teórica e programática que se mostrou tão profícua nos nossos “anos dourados”, entre 1932 e 1980? ... Simples: a realidade da economia brasileira e da economia mundial atual é muito distinta daquela dos “anos dourados”. E é preciso “reperspectivar” as alternativas REAIS, EFETIVAMENTE POSSÍVEIS, postas à frente. Vou me dar ao direito de deixar de lado qualquer tentativa de debate com a fração (neo e veo)liberal desse grupo. É preciso entender que o “pensamento liberal” em economia NÃO se estrutura sobre princípios lógicos e/ou empíricos. Ele se estrutura, de um lado, numa ontologia (ou, mais exatamente, teologia!) naturalista, segundo a qual as leis econômicas são tão naturais e imutáveis quanto as leis físicas, e, de outro lado, na defesa de intere$$es muito bem determinados (e muito bem pagos), que têm um único mantra: impostos são coisa do demo; lucros e juros são bençãos divinas dadas àqueles que as merecem. Acredito, sinceramente, que é mais fácil convencer um hindu ortodoxo do caráter ideológico e irracional da estratificação social em castas ou convencer ou um evangélico neopentecostal do caráter cristão do respeito à diversidade religiosa (e, por extensão, do valor moral do respeito às religiões politeístas) do que convencer um economista liberal de que há um papel construtivo na regulação, na tributação e nos investimentos público-estatais. O hinduísmo, o islamismo, as diversas formas de cristianismo e o liberalismo econômico são formas distintas de pensamento religioso, igualmente refratárias a qualquer argumentação científica. Não se trata de pretender que o pensamento baseado na fé, o pensamento de ordem religiosa, seja imutável. A história demonstra à exaustão que não é este o caso. Pelo contrário: as revoluções religiosas são recorrentes, refletindo e impactando as mais diversas dimensões da vida social. Mas elas NÃO DECORREM de debates científicos. Deixemos, pois, as teologias no seu devido campo e nos voltemos para o debate científico relevante em nossa área de interesse: o debate no interior da Economia Política Crítica. É COM OS ECONOMISTAS POLÍTICOS CRÍTICOS, COM OS HERDEIROS DE ROBERTO SIMONSEN E CELSO FURTADO, COM OS ECONOMISTAS DESENVOLVIMENTISTAS CONTEMPORÂNEOS, QUE QUEREMOS DIALOGAR. É A ELES QUE DEDICAMOS ESTE TRABALHO. E o recado que queremos dar é simples: o Brasil – e o Mundo – pós 1980 não é o mesmo dos nossos anos dourados, do período 1932-1980. Por quê? Procuramos apontar para aquela que nos parece ser a determinação central do problema em nosso texto inaugural: O ESTADO BRASILEIRO QUE EMERGE DA CRISE DA DITADURA MILITAR É ESTRUTURALMENTE DÉBIL. Vamos retomar este tema na próxima seção, pois ele é central em nossa crítica aos “desenvolvimentistas contemporâneos”. Mas, antes, permitam-nos anunciar de forma mais detalhada qual é, do nosso ponto de vista, o grande equívoco do desenvolvimentismo brasileiro (que se quer) moderno. Seu equívoco é contrário-idêntico do equívoco liberal. Para os liberais, tudo é da ordem da natureza, tudo é como pode ser. Ou, melhor, só é como pode ser se os governos não atrapalharem, tentando realizar o impossível, o que extrapola os estreitos limites definidos pela crônica escassez dos recursos produtivos disponíveis. Por oposição, os desenvolvimentistas defendem o ponto de vista de que a performance da economia brasileira só não é melhor porque a política econômica em curso é equivocada. É o típico caso de contrários idênticos: para os liberais, o governo interfere excessivamente; para os desenvolvimentistas, interfere insuficientemente. A diferença é evidente. Mas a igualdade também o é: os dois grupos mandam o mesmo recado para a sociedade: SE ME COLOCASSEM NA CONDUÇÃO DA POLÍTICA ECONÔMICA, TUDO SE RESOLVERIA. WE ARE THE BEST. FFFF... THE REST. Será mesmo?   Ai, que saudades do Getúlio!  Tal como vimos na primeira parte deste trabalho, é possível identificar dois padrões dinâmicos muito distintos da Economia Brasileira desde os anos 30 do século passado até os primeiros anos da década de 20 do século XXI. Nos 49 anos entre 1932 e 1980, o PIB do Brasil cresceu 2312,45%; de sorte que a economia crescia a uma taxa média anual de 6,71%. Nos 43 anos entre 1981 e 2023 a economia cresceu meros 149,16%; com uma taxa média anual de 2,15%[1]. É bem verdade que a dinâmica desse segundo período não foi uniforme. No Quadro 1, abaixo, discriminamos as duas “estrujunturas” nas décadas que as compõem. É fácil perceber que a primeira década do século XXI foi aquela em que a economia brasileira apresentou a melhor performance nesse segundo período, com um crescimento médio anual de 3,68%. De outro lado, essa performance “extraordinária” correspondeu a pouco mais da metade da taxa média anual de crescimento de todo o período 32-90: 6,71% ao ano. Logo, há que se admitir que há mais do que “conjunturas” e “políticas econômicas governamentais”: há uma diferença estrutural entre os dois períodos [1] O leitor atento terá percebido que a taxa de crescimento total e média entre 1981 e 2023 apresentadas acima diferem discretamente daquelas apresentadas no artigo anterior (161,57% e 2,21% aa ano). Na verdade, há outras diferenças, ainda que menos expressivas. Elas se devem a alguns ajustes introduzidos nessa versão. Em primeiro lugar, ao invés de compatibilizarmos nós mesmos as distintas séries temporais do IBGE, tentando torná-las encadeadas e comparáveis, optamos por tomar por referência as séries do IPEA, que já compatibilizaram os dados do IBGE, compondo uma série com início em1947. Para os anos anteriores, tomamos referência as informações do trabalho A Ordem do Progresso. O único ajuste que fizemos a estas duas fontes foi a introdução do           ajuste proposto por Paulo Morceiro com vistas a extrair o sobredimensionamento da Indústria de Transformação nos anos 60 e 70 do século passado. Por fim, retiramos de nossos cálculos a avaliação (ainda preliminar) da variação do PIB em 2024, uniformizando o cálculo da performance média de todas as variáveis para o mesmo período de 43 anos (1981-2023). Alguém poderia contra-argumentar que a diferença na performance da economia global e da indústria (total e de transformação) na segunda década do atual século (2011-2020) foi tão inferior à dinâmica da primeira década que não haveria como pretender englobar os dois períodos em uma mesma “estrujuntura”. Será mesmo? ... Desde logo, é preciso reconhecer que este argumento tem alguma potência. Não gratuitamente, foi (e ainda é) utilizado pelos mais diversos economistas do campo desenvolvimentista que pretendem haver uma diferença radical nas gestões econômicas de Lula e Dilma. Vamos tratar dessa questão com toda a atenção que ela merece em nosso próximo artigo. Mas, agora, vamos começar pela dimensão mais simples: avaliar a performance da economia por “décadas” é melhor do que avaliá-la por períodos muito longos, de 50 ou 40 anos. Mas uma análise decenal também pode ser ilusória. Senão vejamos.   [1] O leitor atento terá percebido que a taxa de crescimento total e média entre 1981 e 2023 apresentadas acima diferem discretamente daquelas apresentadas no artigo anterior (161,57% e 2,21% aa ano). Na verdade, há outras diferenças, ainda que menos expressivas. Elas se devem a alguns ajustes introduzidos nessa versão. Em primeiro lugar, ao invés de compatibilizarmos nós mesmos as distintas séries temporais do IBGE, tentando torná-las encadeadas e comparáveis, optamos por tomar por referência as séries do IPEA, que já compatibilizaram os dados do IBGE, compondo uma série com início em1947. Para os anos anteriores, tomamos referência as informações do trabalho A Ordem do Progresso. O único ajuste que fizemos a estas duas fontes foi a introdução do           ajuste proposto por Paulo Morceiro com vistas a extrair o sobredimensionamento da Indústria de Transformação nos anos 60 e 70 do século passado. Por fim, retiramos de nossos cálculos a avaliação (ainda preliminar) da variação do PIB em 2024, uniformizando o cálculo da performance média de todas as variáveis para o mesmo período de 43 anos (1981-2023).   Imaginemos que, ao invés de tomarmos a primeira década do século nos termos formalmente corretos (2001-2010), tomássemos por referência o período 2000-2009. E que, igualmente bem, tomássemos a segunda década como correspondendo ao período 2010-2019. Esse simples recuo de um ano em cada período determinaria uma grande depressão na performance média anual da economia brasileira na primeira das duas “décadas”, que passaria a ser de 2,94% a.a. e um crescimento da performance da “segunda década” que passaria a ser de 1,40% a.a. Por quê? Simplesmente porque a performance extraordinária do ano de 2010 (7,53% de crescimento) seria incorporado à “nova década de 10”. E a péssima performance do ano do Covid, em 2020 (-3,28%) seria retirada desse mesmo período. Em suma, o óbvio: AS MÉDIAS PODEM SER ENGANADORAS. Sim, é verdade que ao imputarmos o crescimento de 2010 à performance da segunda década do século XXI estamos imputando a performance do último ano de Lula 2 à performance de um período marcado pelas gestões de Dilma, Temer e Bolsonaro. Para muitos, isso seria uma manipulação de dados intolerável, pois haveria uma distância abissal entre as gestões econômicas de Lula e dos três gestores posteriores. Eu mesmo discordo dessa avaliação. Do meu ponto de vista, a gestão econômica de Lula 2 já se encontrava sob a coordenação de Dilma (na Casa Civil) e Guido Mantega (na Fazenda). E Dilma 1 não é mais do que a continuação da política econômica de Lula 2. Mas não será preciso fincar pé nessa leitura para que nosso ponto de vista seja bem entendido. Basta tomar a performance da economia nos três primeiros anos de Dilma 1. O que vemos é um crescimento médio anual de 2,96%; uma taxa bastante próxima do desempenho da primeira década do século (a década de Lula: 3,68% a.a.) e superior ao desempenho dos anos 80 (1,57% a.a.) e dos anos 90 (2,61% a.a.). O que isso significa? Que a primeira gestão de Dilma – com Mantega na Fazenda – foi uma gestão pelo menos tão “desenvolvimentista” quanto a de Lula 1 e 2? Sim? Então é preciso explicar por que, mesmo durante a gestão “desenvolvimentista” de Dilma a economia brasileira cresceu menos da metade que crescia ao longo dos nossos “anos dourados” (6,71% a.a.). E AINDA MAIS IMPORTANTE: É PRECISO EXPLICAR POR QUE NO ÚLTIMO ANO DE SEU PRIMEIRO (E AINDA “DESENVOLVIMENTISTA”) MANDATO A ECONOMIA BRASILEIRA CRESCEU APENAS 0,5%. MUITO ABAIXO DA MÉDIA DA “ESTRUJUNTURA” 1981-2023. Há uma outra alternativa de resposta. Podemos pretender que Dilma nunca foi desenvolvimentista, que seus “Programas de Aceleração do Crescimento” foram para “inglês ver” e que a Presidenta sempre adotou uma postura “neoliberal”. Quem sabe o próprio Lula em seus dois primeiros mandatos não teria sido neoliberal? Isto ajudaria a explicar a queda na performance na “segunda estrujuntura”: tudo foi fruto da maldade das pessoas humanas entreguistas fantasiadas de esquerda. E o PT é um partido do mal. Simples, né, gente? Não são poucos os economistas mais críticos (e radicalmente desenvolvimentistas) que esgrimem estas teses absolutamente ensandecidas! E contam com um argumento fortíssimo: Lula e Dilma “entregaram” a gestão da política monetária e cambial a economistas de inflexão neoliberal: Francisco Meirelles e Alexandre Tombini. E o fizeram porque quiseram. Claro. Se quisessem entregar para qualquer economista heterodoxo seria fácil fazê-lo. Afinal, eles foram eleitos presidentes da República. E são os presidentes da República que escolhem quem serão os Presidentes do Banco Central. Isso é tão óbvio e elementar como 2 + 2 são 225.  Ou pelo menos era óbvio nos tempos do saudoso Getúlio. Não é mais assim? Agora a indicação do Presidente da República precisa ser aprovada pelo Senado? E o sistema financeiro nacional ganhou uma musculatura que não tinha antes? Com apoio de setores produtivos (como o automotivo) e comerciais (como as lojas de departamento e as redes de supermercado) que também contam com sistemas de financiamento próprio e têm interesse na manutenção de taxas de juros elevadas? Mas não me conta esse pedaço que eu posso enfartar! Sorry, mas quem está morrendo de enfarto é a economia do país e o povo brasileiro com a incapacidade de tantos economistas “políticos” desenvolvimentistas de entender o óbvio sobre o país enquanto vociferam lições de O QUE FAZER com a certeza de que são um misto de Getúlio Vargas e Vladimir Lênin redivivos. Um verdadeiro economista político precisa entender um mínimo de ....  política. Vamos tentar outra vez? O Estado Brasileiro pós-80 Afirmei acima que o Estado brasileiro que emerge da crise da Ditadura Militar é estruturalmente débil. Será mesmo? ... É hora de dialetizar esta afirmação. Desde logo é preciso resgatar o básico: o Estado NÃO é o Executivo. Nem é apenas os três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário. Onde fica, nessa divisão tripartite, o Ministério Público dos nada saudosos lava-jatistas Deltan Dalagnol e Rodrigo Janot? Onde fica o Tribunal de Contas que – sob a presidência de Augusto Nardes – recusou as contas da Presidenta Dilma do ano de 2014? Na classificação de Montesquieu, em sendo uma organização com a função de julgar, o Tribunal de Contas faz parte do Judiciário. Na classificação formal, orçamentária e política o Tribunal de Contas é um órgão do Legislativo. E, como tal, foi corresponsável pelo golpe do impeachment. Mas, na classificação prática, da vida política brasileira, sabemos bem, ele é mais um pedaço relativamente autônomo da geringonça. E as Forças Armadas Brasileira, onde ficam? São meros braços do Executivo? Em caso afirmativo, foi o Exército e a Aeronáutica que deixaram de cumprir suas funções constitucionais ao NÃO se subordinarem ao Presidente Bolsonaro e acatarem seu projeto de golpe em 2022? Ou foi a Marinha que faltou com suas funções constitucionais ao apoiar o golpe urdido pelo Presidente em exercício? E como fica o Judiciário? O STF sancionou os grampos ilegais de Moro (e a divulgação dos mesmos para a imprensa), usando-os como argumento para impedir a nomeação de Lula para a Casa Civil às vésperas do julgamento do impeachment de Dilma pelo Congresso. Essa foi uma decisão imparcial, digna da deusa Têmis? Ou foi uma decisão política, orientada pelos interesses do MDB de Temer e Eduardo Cunha e do PSDB de Fernando Henrique Cardoso e Aécio Neves? E, por outro lado, quando o Tribunal Superior Eleitoral julgou o ex-Presidente Bolsonaro e o condenou à inelegibilidade – recebendo a reprovação de amplo segmento da sociedade – nosso Judiciário foi digno de Têmis ou agiu orientado por princípios políticos antirrepublicanos? ... E seria correto dizer que o Estado Brasileiro está se tornando mais débil quando o STF ordena e impõe a prisão de um General de quatro estrelas, ex-Chefe da Casa Civil e ex-candidato à Vice-Presidência na chapa do então presidente Jair Bolsonaro? .... E veja que as questões postas acima apenas tangenciam o tema extremamente complexo da evolução do “Estado” nacional. Pois ainda o estamos tomando em seu sentido formal, no sentido de Montesquieu, restrito ao que Althusser caracterizaria como o conjunto dos seus “aparelhos repressivos”. Se ingressarmos no plano de seus “aparelhos ideológicos” – escola, imprensa, meios de comunicação em geral (que, hoje, incluem as poderosas redes sociais) – a questão da expansão (ou depressão) do poder regulatório do Estado no Brasil a partir dos anos 80 torna-se ainda mais complexa. Não obstante, creio que o exercício maiêutico encetado acima já nos permite uma conclusão. NÃO É POSSÍVEL AFIRMAR QUE O ESTADO BRASILEIRO, HOJE, SEJA MAIS DÉBIL DO QUE NO PERÍODO ANTERIOR À DÉCADA DE 80. Na verdade, no sentido de Weber, enquanto uma estrutura impessoal e essencialmente burocrática, o Estado Brasileiro, hoje, é mais forte do que jamais foi. Não obstante (ou por isso mesmo!), ele é absolutamente distinto do que fora até a crise da ditadura. O ponto crucial é que O ESTADO BRASILEIRO ATUAL É FORTEMENTE PULVERIZADO. Não há mais um centro de poder. Ele não se encontra – como durante a ditadura militar – nas Forças Armadas. Ele não se encontra – como na República Velha – nas mãos da oligarquia terratenente (com hegemonia dos cafeicultores) e em seus conchavos no Congresso Federal. Ele não se encontra – como no Consulado Vargas – no Poder Executivo. O poder do Estado está disperso. E esta dispersão não é, nem gratuita, nem inconsequente. Senão vejamos. Creio que não há muito o que discutir acerca do papel das Forças Armadas (em geral, e do Exército em particular) como centro do poder durante a Ditadura Militar. Evidentemente, não se trata de negar as conexões civis (vale dizer: burguesas!) da Ditadura e, por extensão, do papel das Forças Armadas como serviçais do capital. Trata-se tão somente de reconhecer que os embates e conflitos impositivos entre distintos segmentos da burguesia tinham sua “solução política” avaliada, negociada e sancionada pelos escalões superiores da Forças Armadas durante a Ditadura. Tampouco me parece passível de questionamento o caráter oligárquico da República Velha; vale dizer, o fato de que a gestão pública estava a serviço dos grandes proprietários, dentre os quais havia uma hierarquia definida primariamente pela rentabilidade de suas atividades rurais (daí a hegemonia do café) e, secundariamente, pela extensão das terras (e dos eleitores mobilizáveis) dos grandes coronéis. O ponto complexo a entender é a centralização do poder no Executivo durante o “Consulado Vargas”. Vamos começar definindo esse período. Do nosso ponto de vista, ele vai de 1930 até 1964. Vale dizer: O CONSULADO VARGAS EXTRAPOLA A VIDA DE GETÚLIO EM DEZ ANOS. Como isso foi possível? Porque, como o próprio Vargas afirmou em sua Carta Testamento, com seu suicídio, ele saiu da vida para se perpetuar na História. E, como tudo na História, a “perpetuação” é relativa e tem efeitos distintos ao longo do tempo. O suicídio de Getúlio – como o assassinato de Júlio César – definiu os destinos do país por alguns (vários) anos. Mas seu impacto foi diminuindo com o passar do tempo. Getúlio esteve realmente “presente e atuante” na política nacional apenas nos primeiros dez anos após sua morte. Precisamos, agora, tentar entender os fundamentos dessa extraordinária concentração de poder no Executivo nesse período. Mas vamos começar pelo oposto: dialeticamente, o centro do poder no vasto período do Consulado Vargas padece de uma fragilidade crônica. AFINAL, O QUE MARCA, ACIMA DE TUDO, O CONSULADO VARGAS, É O PERMANENTE ESTADO DE INSTABILIDADE POLÍTICA, COM O GOVERNO NO PODER SUBMETIDO A UMA FORMA DE ESTADO DE SÍTIO POR PARTE DAS FORÇAS ARMADAS E PELO CONGRESSO. Desde logo, Getúlio assume o governo nacional em 1930 a partir de um golpe que só se viabilizou por uma conjunção de fatores muito peculiar: 1) o golpe de Washington Luiz sobre Antônio Carlos (Governador de Minas Gerais e pretendente ao cargo de Presidente da República na lógica do “café-com-leite”: uma vez São Paulo; outra vez Minas Gerais); 2)  a crise de 1929 nos EUA, com forte impacto sobre o complexo cafeeiro paulista, justamente no momento em que Washington Luiz havia decidido romper com o programa de valorização desta commodity; 3) a emergência do Partido Democrático Paulista, de base urbano-industrial em São Paulo (em oposição ao Partido Republicano, de base rural); 4) o assassinato de João Pessoa, na Paraíba, candidato a Vice-Presidente na chapa de Getúlio Vargas; 5) o apoio dos herdeiros do movimento tenentista dos anos 20 nas fileiras do Exército brasileiro. Já em 1932, Getúlio enfrenta a Revolução Constitucionalista. Vence a oposição com dificuldade, concedendo a principal exigência dos revoltosos: o chamamento de uma Constituinte. A nova Constituição é votada em 1934 e a eleição presidencial é realizada, nesse ano, de forma indireta: o opositor de Getúlio vem a ser o seu mentor político: Borges de Medeiros, ungido por paulistas, mineiros e parcela expressiva de gaúchos. Em 1935, Getúlio enfrenta a Intentona. .... E isto é só o início da longa história de tentativas de golpe: de 1930 a 1964 poucos são os anos em que não há algum movimento com vistas a destituir o Presidente em exercício. O período menos tumultuado foram os anos Dutra. E não será gratuito. Apesar de ter sido apoiado por Vargas (na última hora), Dutra participou do golpe contra Getúlio em 1945 e era sujeito de confiança dos liberais de Gudin. Em todos os governos subsequentes – Vargas, Juscelino e Jango (Jânio se auto-golpeou-se a si próprio!) a crise era permanente. Em suma: o “Consulado Vargas” NÃO FOI, DEFINITIVAMENTE, UM PERÍODO DE TRANQUILIDADE E EQUILÍBRIO. Não, obstante, foi um período de Executivo extraordinariamente Forte. Um Executivo que – como vimos antes – controlava o sistema financeiro (via Banco do Brasil), as políticas de crédito (com políticas setoriais preferenciais), as DIVERSAS taxas de câmbio (definindo, assim, a exposição competitiva de cada setor produtivo), os preços dos insumos produtivos fundamentais (energia elétrica, derivados de petróleo, insumos agropecuários, etc.), a taxa de salário mínimo, as tarifas de importação, os impostos impostos (com o perdão da cacofonia) aos mais diversos setores. Em suma: o Executivo definia todos os preços básicos da economia e, por extensão, a rentabilidade relativa de cada um dos setores produtivos. Na verdade, as recorrentes tentativas de golpe com vistas a afastar Vargas, Juscelino e Jango do poder advinham EXATAMENTE do poder extraordinário concentrado no Executivo. CONTROLAR O EXECUTIVO, NAQUELE PERÍODO, ERA CONTROLAR O ESTADO. Por quê? São inúmeras as determinações desse extraordinário – e, a princípio, irrecuperável! – poder do Executivo durante o Consulado Vargas. Mas algumas são mais importante do que outras e precisamos anunciá-las. Em primeiro lugar, este período tem início com uma CRISE SIMULTÂNEA do núcleo da burguesia nacional – o complexo cafeeiro – e das duas principais economias capitalistas e imperialistas do mundo: os EUA e o Reino-Unido. E esta crise se prolonga, na medida em que a superação de suas determinações iniciais – de ordem estritamente econômicas – se fazem acompanhar da emergência de determinações política e bélicas – que redundarão na Segunda Guerra Mundial. O término da Segunda Guerra corresponde – não gratuitamente – à queda de Getúlio e a ascensão de Dutra. Mas o fim da Segunda Guerra levará à emergência de uma nova polarização entre ocidente capitalista e oriente comunista. Na verdade, no imediato pós-Segunda Guerra essa distinção espacial sequer era muito clara: toda a resistência da Europa Ocidental ao nazismo foi capitaneada pela esquerda; e o esforço para excluir os Partidos Comunistas Francês, Italiano e Grego dos governos de reconstrução nacional foi muito árduo. Igualmente bem, o empenho para impedir que os socialistas tomassem o poder no Japão e em toda a Coreia foi enorme e custoso. E o apoio a Chiang Kai-Shek acabou por se mostrar infrutífero. Naquilo que nos importa: OS EUA NÃO TINHA OLHOS, TEMPO E RECURSOS PARA NÓS. A expressão maior dessa falta de olhos, tempo e recursos foi a criação da CEPAL. O que se faz quando não se sabe o que fazer? Cria-se uma Comissão para estudar o que, talvez, vir a fazer um dia. Como se isso não bastasse, a nova ordem mundial que foi se criando não abria um espaço simples e imediato para a inserção do Brasil a partir de suas “vantagens competitivas naturais”. Os EUA eram (e são) grandes produtores agrícolas. Importavam café e algum cacau. E basta. Nossas tentativas de recuperar a produção açucareira e algodoeira não encontravam uma demanda externa sólida nos EUA, eles mesmos produtores de algodão, de milho (e seu melado) e de alguma cana. A Europa em reconstrução logo tomou por princípio a segurança alimentar. E os países situados para além da cortina de ferro encontravam-se fora de nossa alçada diplomática. Ou, antes: só eram visados como meios de negociação (em geral, pouco produtivas) com Tio Sam. O que importa é que OS MERCADOS EXTERNOS PARA A PRODUÇÃO AGRÍCOLA NACIONAL ERAM LIMITADOS. Mas o Brasil era um país agrícola e agrário. Como resolver a equação? Que tal “pelo mercado interno”? Um país cuja “vantagem comparativa evidente” (nesse ponto, os liberais tinham TODA a razão!) era a agricultura, mas que não tem horizonte para expansão da produção agrícola, pois não encontra mercado para a mesma, precisa encontrar outra saída para “canalizar o excedente” (ou, se se quiser, a “mais-valia”). Lembremo-nos do início desse texto: o que faz o economista? Indica quais são os setores mais promissores de investimento. Bem, nessa quadra da nossa história era bem mais fácil ser economista. Bastava pensar assim: o mundo não quer (mais de) aquilo que podemos exportar (café, açúcar, algodão, milho, etc.). Como exportamos pouco, recebemos poucas divisas (leia-se, após 1945: dólar). Se temos poucos dólares, não podemos importar tudo o que queremos. Logo, teremos que produzir internamente. O que vamos ter que produzir? Móveis, tecidos, roupas, louças, panelas, baldes, utensílios domésticos, enxadas, arados? Mas esses bens são produzidos de forma mais adequada e barata em condições industriais, não é mesmo? Isso envolve urbanização, não é mesmo? De sorte que vai emergir uma população urbana que irá demandar arroz, feijão, carne de sol, charque, açúcar, rapadura, pinga, vinho, suco de uva, chuchu, camarão e etc. e tal? Não é mesmo? Amigo é coisa prá se guardar (Parte 2) Enviei o texto acima para a avaliação de um amigo. E obtive um retorno “supimpa”. O que ele entendeu, expressou em uma pergunta. Tu estás querendo dizer que, durante o Consulado Vargas, o apoio à industrialização interna era do interesse dos setores marginais (não exportadores) da agricultura nacional? Tu queres dizer que, com exceção dos cafeicultores, os demais proprietários agrícolas só teriam condições de ampliar o mercado (e a rentabilidade) para sua produção se o mercado interno se expandisse? E que a condição disso era a expansão da produção industrial?   Definitivamente, amigo é coisa prá se guardar. Conversamos longamente sobre sua leitura. E prometi cumprir com suas demandas no próximo texto. Lá explicarei algumas obviedades tão pouco percebidas pelos nossos desenvolvimentistas contemporâneos, que acreditam que tudo é uma questão de vontade política. Como, por exemplo, que, nos dias que correm, os interesses dos proprietários de terra na Metade Sul do Rio Grande Amado convergem com os interesses dos proprietários de terra do quadrângulo do MATOPIBA (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) e estes interesses se expressam numa palavra de ordem simples: TODO O APOIO AO AGRONEGÓCIO DE EXPORTAÇÃO; O MERCADO EXTERNO É TUDIBÃO, O MERCADO INTERNO É PAPO DE COMUNISTA. E, além de tudo, meu querido amigo é um baita piadista. E conclui seus comentários dizendo. Acho que a perda (gradual, lenta, mas seguríssima) de hegemonia por parte dos EUA e a ascensão da China (grande demandante de soja e demais commodities agrícolas e minerais) tem algo a ver com a perda de poder do Executivo no interior do Estado Brasileiro, certo Paiva? Acho que estou começando a entender as coisas. E é bom entender dessas relações entre política e economia. Se não fosse pela tua ajuda eu seria capaz de sair por aí dizendo a Dilma e o Lula só não adotaram políticas de taxas de câmbio múltipla e políticas monetárias e financeiras mais heterodoxas porque eram entreguistas e arregoes. Veja só como o mundo é complicado, né mesmo?   TO BE CONTINUED.     Leia A problemática estrujuntura brasileira (parte I).   *Carlos Águedo Paiva é Economista, Doutor em Economia e Diretor da Paradoxo Consultoria Econômica. Ilustração de capa: IA Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.      

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Reparação Histórica

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Reparação Histórica
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Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA* Reparação histórica é um conjunto de ações para combater a discriminação e promover a igualdade social. São adotadas para diminuir as injustiças cometidas no passado contra determinados grupos sociais. Segundo Thomas Piketty, em seu livro “Uma Breve História da Igualdade”, lançado em 2021, “a herança escravocrata e colonial nos obriga a repensar a articulação entre justiça reparadora e justiça universalista em escala planetária”. Dadas as compensações financeiras pagas aos proprietários de escravizados (e não aos escravizados), suscita a questão das reparações. Os escravizados representavam cerca de um terço da população no sul dos Estados Unidos de 1800 a 1860. Essa proporção passou de cerca de 50% para menos de 20% no Brasil entre 1750 e 1880. Passava de 80% nas ilhas escravocratas das Antilhas Britânicas e Francesas em 1780-1830 e chegava até 90% em Santo Domingo (Haiti) em 1790. Quando a proporção chega a 80% ou 90% da população, os riscos de revoltas se tornam altíssimos, seja qual for o nível de ferocidade do aparelho repressivo em vigor. O caso do Haiti é emblemático, não apenas por se tratar da primeira abolição da Era Moderna, em seguida a uma revolta de escravizados vitoriosa, e da primeira independência conquistada por uma população negra contra uma potência europeia, mas também porque esse episódio termina com uma gigantesca dívida pública. Impediu o desenvolvimento do Haiti nos dois séculos seguintes. A França aceitou reconhecer a independência do país, em 1825, e pôr fim às ameaças de invasão da ilha pelas tropas francesas, somente porque o governo haitiano assumiu o compromisso de pagar à França uma dívida de 150 milhões de francos-ouro. Destinava-se a indenizar os proprietários de escravizados pela perda de propriedade. Esse tributo representava mais de 300% da renda nacional do Haiti, em 1825, ou seja, mais de três anos de sua produção! A dívida haitiana, impagável em curto prazo, foi objeto de múltiplas e caóticas renegociações. Foi basicamente quitada (capital e juros) com um depósito médio de cerca de 5% da renda nacional haitiana por ano, entre 1840 e 1915, embora com atrasos. Depois, com o apoio do governo francês, os bancos cederam o restante do financiamento aos Estados Unidos. Os norte-americanos, então, ocuparam o Haiti entre 1915 e 1934 a fim de restabelecer a ordem e salvaguardar seus interesses financeiros. A dívida de 1825, transferida de um credor a outro, foi oficialmente extinta e quitada em definitivo no início dos anos 1950. Comprometeu o desenvolvimento do Haiti até hoje. Substanciais compensações financeiras também foram pagas aos proprietários de escravizados após as abolições britânica e francesa de 1833 e 1848, respectivamente. A alegação era não ter como agir de outra maneira, porque a escravidão fora implementada dentro de um quadro legal [?!]. Retrospectivamente, uma abolição justa teria implicado uma compensação, sob a forma de um pedaço de terra ou uma pensão paga pelos antigos senhores, para os escravizados pelas décadas de maus-tratos e trabalho não remunerado (e não para os senhores), financiada por todos os enriquecidos, direta ou indiretamente, devido à escravidão, ou seja, por todos os proprietários abastados da época. Mas as elites dominantes exigiram o respeito absoluto ao direito de propriedade privada de outros seres humanos por causa da etnia [?!]. A escravidão desempenhou papel central no desenvolvimento dos Estados Unidos. Em sua criação, eram uma república escravocrata. Uma proposta de reparação foi transferir a maior parte das terras do Oeste para os escravocratas. Assim, eles se tornariam os grandes proprietários latifundiários ,nos novos territórios, mandando os escravizados de volta para a África [?!]. Sem acordo, houve o movimento de separação de 11 estados do Sul dos Estados Unidos da União, resultante na Guerra de Secessão, também conhecida como Guerra Civil Americana, entre 1861 e 1865. Foi um conflito armado entre os estados do Norte e do Sul, antagônicos diante a escravidão e a expansão territorial, com mais de 600 mil mortos, equivale ao total acumulado de mortos em todos os outros conflitos nos quais os Estados Unidos se envolveram no século seguinte. Depois, os nortistas não consideraram os negros preparados para se tornar cidadãos norte-americanos – e menos ainda proprietários. Deixaram os brancos retomarem o controle do Sul e imporem um rigoroso sistema de segregação racial, o qual lhes permitiu conservar o poder por mais um século, até 1965. Após os estragos causados pelos secessionistas, durante a Guerra Civil, seria incongruente pagar uma compensação aos proprietários de escravizados. Nos últimos meses da guerra, em janeiro de 1865, os nortistas prometeram aos escravizados emancipados, após a vitória, eles receberiam “uma mula e quarenta acres de terras” (cerca de dezesseis hectares). Até hoje os descendentes esperam. No Brasil, com a abolição da escravidão, em 13 de maio de 1888, pela a promulgação da Lei Áurea, não houve indenização aos trabalhadores escravizados. Pelo contrário, o Estado brasileiro não implementou políticas públicas de reparação ou assistência aos ex-escravizados. Eles foram libertos sem terra, trabalho ou condições para reconstruírem suas vidas, em uma sociedade estruturalmente racista. Tiveram de se submeter aos antigos senhores de escravos ao entregar trabalho em troca do nível mínimo de sobrevivência.   Em compensação, os ex-proprietários de escravos exigiram indenizações pela “perda de seus bens”, isto é, os escravizados tratados como propriedade. No entanto, a Lei Áurea não incluiu nenhuma compensação financeira para os senhores de escravos, apesar das intensas pressões por parte das elites econômicas e políticas da época. Isso gerou insatisfação entre a aristocracia rural. Foi um dos fatores para o desgaste da Monarquia e a Proclamação da República, no ano seguinte, em 1889. Desde então, para manter a ordem estabelecida pela classe dominante, em defesa do direito de propriedade, houve 16 presidentes militares! O país passou por duas ditaduras militares (1930-1945 e 1964-1984) e várias intervenções militares diretas (1930, 1937, 1945, 1964) ou indiretas (1955 e 2022) na política brasileira. Para lhes servir, o serviço militar obrigatório no Brasil foi instituído formalmente com a promulgação da Lei nº 1.860, em 4 de janeiro de 1908. Obrigou todos os homens jovens brasileiros a prestarem serviço militar! O serviço militar obrigatório inclui uma remuneração simbólica, geralmente muito inferior à evolução do mercado de trabalho, sendo considerada insuficiente para sustentar os recrutas. Esse aspecto levanta questionamentos éticos sobre a exploração do trabalho juvenil em um contexto de obrigatoriedade estatal. Em outras nações, aboliram a escravidão, como o Haiti e as colônias britânicas, houve indenizações, mas quase sempre destinadas aos proprietários de escravos, não às vítimas da escravidão. No caso do Brasil, a ausência de qualquer reparação aos ex-escravizados reforçou a marginalização econômica e social da população negra, cujos efeitos se perpetuam até hoje. Nas sociedades coloniais pós-escravocratas, os mecanismos de desigualdade tomam outras formas, em particular por meio de um sistema jurídico, social, tributário e educacional extremamente discriminatório. Os proprietários aceitavam progressivamente reduzir a prática dos castigos corporais, comum durante a escravidão, mas com a condição de as autoridades judiciais os ajudarem a impor sanções financeiras de modo a produzir os mesmos efeitos de submissão. Existe na prática um continuum entre a escravidão seguida à risca e as diferentes formas de trabalho mais ou menos forçado praticado sob forma legal. Por exemplo, o custo da viagem da migração para outras regiões e de alimentação é descontado por anos do salário de trabalhadores em condições similares à escravidão. No sul dos Estados Unidos, a proibição às crianças negras de frequentarem as mesmas escolas das brancas definia o regime de discriminação racial legal vigente até 1965. No Brasil, a chamada Lei de Cotas só foi aprovada em 2012 no governo social-desenvolvimentista. Com ela, todas as instituições de ensino superior federais do país precisaram, obrigatoriamente, reservar parte de suas vagas para alunos oriundos de escolas públicas, de baixa renda, e negros, pardos e índios. O acesso à educação de qualidade e o microempreendimento são vistos como o caminho para a reparação e a mobilidade social dos descendentes dos escravos.     *Professor Titular do Instituto de Economia da UNICAMP. Ex vice-presidente da Caixa Econômica Federal (2003-2007). Obras (Quase) Completas em livros digitais para download gratuito em: https://fernandonogueiracosta.wordpress.com/. Foto de capa: Matheus Pigozzi/Agência Pública Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia  

Bem Estar

Programas – de 24 a 31 de janeiro

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Programas – de 24 a 31 de janeiro
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Por LÉA MARIA AARÃO REIS* *Nem uma palavra, nem uma imagem do isolamento, da perseguição aos palestinos, de bombardeio, mortes e feridos pelas forças militares do estado de Israel na cobertura da mídia corporativa ‘ocidental’ (des)informando sobre ações na Cisjordânia após o cessar-fogo em Gaza. Vergonha. *”Mas será que isso significa o fim da violência ou é mais um intervalo em meio ao genocídio do povo palestino?”, indaga Ualid Rabah, presidente da FEPAL, a Federação Árabe Palestina do Brasil, em entrevista à Revista Diálogos do Sul Global. Ele destaca, com razão: “Não adianta falar em cessar-fogo sem o fim da ocupação. É preciso garantir o reconhecimento do Estado Palestino e a liberdade do povo palestino”. *Dia 20 de março, domingo de carnaval, todos nós estaremos torcendo para Ainda Estou Aqui ganhar o Oscar pelas suas indicações ao prêmio maior e mais popular da indústria cinematográfica. Se não receber um deles, que receba dois prêmios. Se não receber dois, que receba estes três Oscars: Melhor Filme do Ano, Melhor Filme em Língua Estrangeira e, sem dúvida, o prêmio de Melhor Atriz, para Fernanda Torres. *De tanto e de tudo que vem sendo publicado sobre o belo filme de Walter Salles, com o roteiro de Murilo Hauser e Heitor Lorega e trilha sonora e musical perfeitas, uma pequena e singela frase do ator mineiro Selton Mello (que faz Rubens Paiva), em entrevista na TV, diz tudo sobre a comoção que o terremoto do filme está provocando entre nós todos: “Estava na hora de limparmos o lixo que ficou debaixo do tapete”. Selton se referia ao esquecimento fácil e frívolo do que foi a ditadura civil-militar vivida neste país a partir de 1964. *Para lembrar: a trilha sonora de Ainda Estou Aqui conta com sucessos de época. Entre eles, “A Festa do Santo Reis”, com Tim Maia; “Falsa Baiana”, de Gal Costa; com destaque de “É Preciso Dar Um Jeito, Meu Amigo”, de Erasmo Carlos; “Fora da Ordem”, de Caetano Veloso; “As Curvas da Estrada de Santos”, com Roberto Carlos; “Take Me Back to Piaui”, com Juca Chaves; e “Baby”, de Os Mutantes. *A corajosa bispa Mariann Edgar Budde, da Catedral Nacional de Washington, diante da repercussão mundial de sua recente fala, com calma e civilidade, olho no olho e se dirigindo a Donald Trump, sentado diante dela, pedindo clemência aos imigrantes: “Não sinto que haja necessidade de me desculpar por um pedido de misericórdia. Decidi pedir a ele o mais gentilmente possível que tivesse misericórdia”, afirmou. *Leitura para o momento atual: o livro clássico de Sinclair Lewis, Não Vai Acontecer Aqui (It Can’t Happen Here), com tradução de Cássio de Arantes Leite, cenário da época da Grande Depressão e do ascenso de Hitler ao poder. O tema é mais do que oportuno: um presidente eleito nos EUA com o voto dos que sentiam medo, ódio e anunciavam soluções patrióticas, de repente, em um autogolpe, se vê instalado um regime totalitário. (Ed. Alafaguara, 2017/Cia. das Letras). *”Existe sempre um lugar, na Praça Loreto, para você, Elon”, bradava o grupo do coletivo de estudantes italianos Cambiare Rotta, em protesto contra Elon Musk, na Itália. Ilustrando seu protesto da semana passada, um boneco do empresário sul-africano foi pendurado de cabeça para baixo no mesmo local em que foi suspenso, em 1945, o corpo do ditador fascista Benito Mussolini, com os pés para cima. *Leitura indispensável: Multilateralismo na Mira – a Direita Radical no Brasil e na América Latina, do pesquisador ítalo-brasileiro, jornalista e especialista em comunicação, Giancarlo Summa. Em entrevista publicada no jornal Tiempo Argentino, Summa destaca: “O único direito que os conservadoristas sociais agressivos reivindicam é a propriedade; e o que importa para eles é a liberdade econômica. Eu analisei 30 mil tweets de Milei, um exemplo de manual, e as palavras que mais aparecem são ‘liberdade do caralho’. Mas que liberdade? A de fazer qualquer coisa sem o controle do estado”. (Ed. Hucitec/PUC-RJ, 2024). *Outra leitura necessária é o livro de autoria do jornalista Marco Aurélio Weissheimer, falecido semana passada, deixando saudade entre os muitos amigos e um lastro jornalístico cultural/político importante. O título do seu livro é Bolsa Família: Avanços, Limites e Possibilidades do Programa que Está Transformando a Vida de Milhões de Famílias no Brasil. O trabalho é uma profunda análise do resultado dessa iniciativa na sociedade brasileira, que perdura até hoje. (Ed. Fundação Perseu Abramo, 2006). *E mais uma sugestão de leitura para as novas gerações em tempo de resgate de memórias da ditadura civil-militar de 1964: Tirando o Capuz, do jornalista Álvaro Caldas. (Ed. Editora Garamond, 1981). *Um dos livros mais vendidos na França, La Nakba Ne Sera Jamais Legitime (Editions Acratie), de Pierre Stambul, sindicalista e ativista político e um dos porta-vozes da UJFP (União Judia Francesa pela Paz), explica a história da Palestina e desmistifica notícias falsas e fábulas baseadas na Bíblia. Há também análise da evolução do antijudaísmo cristão, da escalada do sionismo, dos métodos terroristas usados desde o início da ocupação da Palestina, da colonização, do racismo, apartheid, dos crimes de guerra contra a humanidade na região. *Segundo Stambul, um dos clichês da mídia ocidental é este: “Gaza é uma ditadura implacável onde toda a população é aterrorizada pelo Hamas”. Com frequência, ele viaja à Palestina. Lá, tem amigos e se identifica sempre como judeu. Seus parentes foram assassinados durante o Holocausto. (CAPJPO-Europalestine). *Exposição para ser visitada no Rio de Janeiro: Rua da Relação 40, do dia 26, às 10 horas, até 04 de fevereiro. No pátio interno do Museu da República e organizada pelo Coletivo RJ Memória, Verdade, Justiça e Reparação, é uma mostra de “testemunho material da violência de estado”. Apoios do Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, Campanha Ocupa Dops, Museu da República e Secretaria Estadual de Cultura e Economia Criativa do RJ. Construído no início do século XX, o edifício abrigou instituições policiais que antecederam o Dops. Durante a mostra serão realizadas duas mesas de debate: dia 29/01, às 15h, sobre a história do prédio, e dia 4/02, mesmo horário, onde será discutida a luta pela construção de um Museu dos Direitos Humanos no local. *Anunciado como um livro “explosivo e super atual”, O Triunfo da Persuasão, de Alexandre Busko Valim, aborda Brasil, Estados Unidos e o cinema da política de boa vizinhança durante a Segunda Guerra Mundial. O autor explora a máquina de propaganda que os EUA criaram para manter a América Latina em sua esfera de influência. “Uma vasta programação de filmes de ficção e documentários foi montada para formar uma opinião pública favorável aos interesses estadunidenses”, diz o livro. Valim é professor de História do Cinema na Universidade Federal de Santa Catarina e autor de Imagens Vigiadas: Cinema e Guerra Fria no Brasil, 1945-1954 (EDUEM/Fundação Araucária, 2010). *Vitória, filme protagonizado por Fernanda Montenegro e dirigido pelo seu genro, Andrucha Waddington, já está programado. O longa retrata a história, excelente e real, de uma mulher corajosa que, diante da sua sensação de insegurança, decide filmar da janela do apartamento onde mora, em Copacabana, o tráfico de drogas. O caso acabou chamando a atenção do jornalista Flávio Godoy e ganhou forte repercussão. Estreia dia 13 de março. *A obra semi-documental Iracema – Uma transa amazônica, de Jorge Bodanzky e Orlando Senna, será exibida na Berlinale 2025, o Festival Internacional de Cinema de Berlim, que já tem data: de 13 a 23 de fevereiro. Essa versão de Iracema foi restaurada na Alemanha e será mostrada na seção Forum Special do festival. *Continuamos aqui, pelo menos até agora, o registro das dezenas de produções da excepcional e inédita safra de filmes brasileiros que serão entregues ao público em 2025. É o nosso cinema a todo vapor, apesar das dificuldades financeiras e de serem exibidos como merecem. Um pacote que abrange excepcional diversidade e os mais variados temas: ficção, docs, dramas, musicais, comédias, gêneros e localidades. *Os títulos: Ainda não é amanhã, Centro Ilusão, Suçuarana, Nada, Salomé, Os enforcados, Ato noturno, A natureza das coisas invisíveis, O deserto de Akin, A melhor mãe do mundo, Mãe fora da caixa e Mamãe saiu de férias. Além da comédia O rei da feira, Barba ensopada de sangue, Um dia antes de todos os outros, Manas, Onda nova, Eros, Enterre seus mortos. *De Luiz Eduardo Soares, autor de Elite da Tropa e Cabeça de Porco, o seu novo livro, lançado em dezembro último, é anunciado como uma elegia à “liberdade da imaginação”. O sugestivo título, Crânio de vidro do selvagem digital, apresenta a nossa história recente a partir de uma perspectiva “decolonial, multidisciplinar e corajosa”, como diz Letícia Núñez Almeida, professora da Universidad de la República del Uruguay. Nesse novo trabalho, o autor, antropólogo e cientista político, envereda pelo campo da ficção, em uma “narrativa marcada pela liberdade criativa e pela experimentação literária”. (Braza Editora).     *Léa Maria Aarão Reis é jornalista. lustração de capa: Marcos Diniz Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. 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Estão chegando!

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Estão chegando!
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Por ELIOT WEINBERGER* A composição do governo Donald Trump II é mais bizarra e perigosa que a do Trump I. Eles vieram da Flórida, da Fox News e da Fox Business, homens e mulheres de queixo quadrado com cabelo grande e lábios de colágeno. Eles vieram do futebol americano profissional e do World Wrestling Entertainment. Eles vieram dos talk shows diurnos e da reality television. Eles saíram “diretamente do elenco central”, como disse o futuro presidente. Algumas mulheres pareciam com sua filha e outras com sua mulher. Nenhum dos homens parecia com ele. Um grupo deles foi com o futuro presidente ao Madison Square Garden para assistir aos combates do Ultimate Fighting. O futuro secretário da defesa está enfeitado com tatuagens supremacistas brancas de uma cruz de Jerusalém, o grito de guerra dos Cruzados “Deus vult” e um rifle de assalto AR-15 ao lado de uma bandeira americana. A futura secretária de segurança interna uma vez matou seu cão de caça, Cricket, numa cascalheira porque não conseguia caçar, e depois matou sua cabra de estimação porque estava ficando velha e “nojenta”. O futuro secretário da saúde e dos serviços humanos uma vez cortou a cabeça de uma baleia encalhada com uma serra elétrica, colocou-a no teto de seu carro e foi para casa. Ele gaba-se de ter um frigorífico cheio de animais mortos na estrada. Menos da metade dos eleitores votaram no futuro presidente, mas sua equipe declarou que foi uma “avalanche”, um “mandato” para “drenar o pântano” e agitar a capital. O futuro diretor de comunicação da Casa Branca chama a oposição de “flocos de neve” cuja “existência triste e miserável será esmagada” quando o futuro presidente voltar ao poder. O futuro diretor do FBI promete uma “caçada aos gangsters do governo” e vingança contra jornalistas desleais. O futuro diretor da Comissão Federal de Comunicações ameaça penalizar as redes de televisão que criticarem o futuro presidente. Eles prometem demissões em massa e a deportação de milhões de pessoas. Eles prometem cortar dois trilhões de dólares do orçamento federal – cinco vezes mais do que os salários anuais combinados de todos os funcionários públicos federais. Eles prometem o fim da “onda woke” em todas as suas formas imaginadas e o retorno da grandeza americana. Mas eles não têm qualquer ligação com o trabalho que vão gerenciar, ou não têm experiência no trabalho que vão gerenciar, ou não têm experiência em gerenciar grandes burocracias como as burocracias que eles vão gerenciar. O futuro secretário do comércio é um bilionário. O futuro secretário do tesouro é um bilionário. O futuro secretário do interior é um bilionário. A futura secretária da educação é uma bilionária. O futuro enviado especial para o Oriente Médio é um bilionário. O futuro diretor da Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço (Nasa) é um bilionário. A futura cirurgiã-geral, frequentadora habitual da Fox News, e o futuro administrador do Medicare e do Medicaid, um apresentador de televisão diurno, vendem na internet suplementos duvidosos para saúde e perda de peso. O futuro diretor do FBI promove um suplemento para reverter os efeitos da vacina contra a Covid. O futuro assistente adjunto do presidente e diretor sênior para o contraterrorismo é o porta-voz de um suplemento de óleo de peixe. A futura secretária de segurança interna é a estrela de um anúncio publicitário de uma empresa de estética odontológica, no qual ela exclama: “Adoro minha nova família da Smile Texas!” A futura secretária da educação opõe-se ao Departamento de Educação. Cofundadora da World Wrestling Entertainment, doou 21 milhões de dólares para a campanha do futuro presidente. Atualmente ela está sendo processada por ter permitido o abuso sexual de crianças recrutadas para serem “ring boys” em eventos de luta livre. O futuro administrador da Agência de Proteção Ambiental opõe-se à legislação sobre ar limpo e água limpa e não acredita que o clima do mundo esteja mudando. O futuro secretário da energia, chefe de uma empresa de fracking, insiste que “não há crise climática e também não estamos no meio de uma transição energética”. O futuro secretário da saúde e dos serviços humanos e o futuro diretor dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças acreditam que as vacinas causam autismo. O futuro comissário da Administração Federal de Medicamentos, frequentador habitual da Fox News, e o futuro diretor dos Institutos Nacionais de Saúde não acreditam que as vacinas causem autismo, mas se opuseram à vacinação em massa contra a Covid. O futuro secretário da saúde e dos serviços humanos prometeu demitir seiscentos funcionários dos Institutos Nacionais de Saúde para que o foco deixe de ser as doenças infecciosas e passe a ser as dietas saudáveis. Ele opõe-se à fluoretação da água e à pasteurização do leite e acredita que os comprimidos para desparasitação dos cavalos são mais eficazes contra a Covid do que a vacinação. A futura procuradora-geral, frequentadora habitual da Fox News, fez parte da equipe jurídica do futuro presidente em seu primeiro processo de impeachment. Como procuradora-geral da Flórida, ela defendeu a proibição do casamento entre pessoas do mesmo sexo e tentou uma ação judicial para anular a Lei de Cuidados Acessíveis que proíbe a recusa de seguros para pessoas com condições pré-existentes. Ela abandonou um caso de fraude contra a universidade online do futuro presidente depois de ter recebido uma doação dele e, certa vez, persuadiu o governador da Flórida a adiar uma execução por ela estar em conflito com seu evento de arrecadação de fundos. Ela participou ativamente da negação dos resultados das eleições de 2020 e foi lobista registrada do Qatar. O futuro procurador-geral adjunto, o futuro advogado-geral dos EUA e o futuro principal procurador-geral adjunto associado fizeram parte da equipe jurídica do futuro presidente em seus recentes processos judiciais. A equipe continuará agora como o Departamento de Justiça. O futuro advogado-geral dos EUA, ao defender o futuro presidente perante a Suprema Corte, afirmou que há casos em que seria legal um presidente assassinar um rival político interno. O futuro diretor da CIA é mais conhecido por promover teorias da conspiração e divulgar informações falsas em defesa do futuro presidente em seus variados escândalos. Ele afirmou que existe uma “sociedade secreta” no Departamento de Justiça e no FBI “trabalhando contra” o futuro presidente. O futuro diretor do FBI quer transformar a sede em Washington num museu dos horrores do Estado profundo. A futura diretora de inteligência nacional, frequentadora habitual da Fox News, é conhecida como “nossa namorada” quando ela aparece na televisão russa manifestando apoio a Putin e a Bashar al-Assad e condenando a OTAN. Ela foi criada, e continua ligada à Science of Identity Foundation, uma seita derivada do hinduísmo, conhecida por sua islamofobia e homofobia, cujo líder vive numa casa coberta de papel de alumínio. O futuro assistente adjunto do presidente e diretor sênior para o contraterrorismo é um antigo frequentador da Fox News e está banido do YouTube. Ele acredita que a violência é intrínseca ao Islã. Ele usa a medalha da neonazista Ordem Húngara de Vitéz e apoiou o Magyar Gárda, um grupo paramilitar. O futuro secretário da marinha nunca foi militar, mas angariou 12 milhões de dólares para a campanha do futuro presidente num evento em sua casa em Aspen, onde o futuro presidente advertiu que essa “pode ser a última eleição que teremos” se os “lunáticos da esquerda radical” ganharem. O futuro embaixador em Israel é um ministro batista e ex-apresentador da Fox News. Ele afirmou que “os palestinos realmente não existem”. O futuro conselheiro sênior para assuntos árabes e do Oriente Médio é o sogro da filha do futuro presidente. O futuro enviado especial para o Oriente Médio é um parceiro frequente de golfe do futuro presidente e doou quase 2 milhões de dólares para suas campanhas. Ele possui laços estreitos com o Qatar. O futuro embaixador na França, sogro de outra filha do futuro presidente, também doou 2 milhões de dólares para a campanha. Ele passou dois anos na prisão por vários crimes, incluindo o de contratar uma prostituta para seduzir seu cunhado e gravá-los em vídeo, o qual testemunharia contra ele. Ele viverá no luxuoso Hôtel de Pontalba, em Paris. A futura embaixadora na Grécia é a agora presumível ex-namorada do filho do futuro presidente. No dia de sua nomeação, os tabloides revelaram que o filho tinha encontrado uma nova companheira. O futuro conselheiro de segurança nacional, frequentador habitual da Fox News, opõe-se a mais ajuda à Ucrânia, mas apoia o envio de tropas para o México para combater os cartéis de droga. O futuro enviado especial para a Ucrânia e a Rússia, frequentador habitual da Fox News, advertiu para que não se coloque “as agendas idealistas da elite global à frente de uma relação de trabalho com a Rússia”. O futuro secretário de Estado é o autor de Decades of Decadence: How Our Spoiled Elites Blew America’s Inheritance of Liberty, Security and Prosperity. A futura secretária de segurança interna, governadora de Dakota do Sul, está proibida pelas nove tribos do estado de entrar em terras indígenas. Durante a epidemia de Covid, opôs-se a todas as formas de proteção, incluindo as máscaras e a obrigatoriedade da vacinação. Opõe-se ao aborto em qualquer circunstância, à fertilização in vitro, à pesquisa com células-tronco, à Lei dos Cuidados Acessíveis, ao Medicaid, ao trem de alta velocidade, aos impostos sobre as propriedades, ao casamento entre pessoas do mesmo sexo e a qualquer forma de controle de armas. Durante a última campanha, ofereceu ao futuro presidente um busto de 1.100 dólares do Monte Rushmore, com seu rosto esculpido ao lado dos de Washington, Jefferson, Lincoln e Roosevelt. O futuro secretário do comércio doou pessoalmente 10 milhões de dólares – e arrecadou outros 75 milhões de dólares – para a campanha do futuro presidente. Ele acredita que podemos “tornar a América grande de novo” regressando a 1900, quando havia tarifas elevadas e não havia imposto sobre a renda. O futuro secretário dos transportes, apresentador da Fox Business e ex-estrela de reality shows, apoiou o banimento dos muçulmanos e, como congressista, introduziu uma legislação para por fim à proteção dos lobos cinzentos como espécie ameaçada. O futuro secretário da habitação e do desenvolvimento urbano é um ex-jogador de futebol americano profissional, ex-membro do legislativo do Estado do Texas, ex-diretor de inspiração de uma empresa de software, ex-diretor visionário de um empreendedor imobiliário e ex-proprietário de uma empresa de roupas masculinas. Ele é a única pessoa negra na equipe do futuro presidente. A futura secretária da agricultura promove os combustíveis fósseis e faz campanha contra a energia eólica e solar. Ela não acredita nas mudanças climáticas. Ela é diretora executiva do America First Policy Institute, de onde procede uma dúzia de membros da equipe do futuro presidente e sua base ideológica. O AFPI já redigiu cerca de trezentas ordens executivas para o futuro presidente assinar em seu primeiro dia de mandato. O futuro diretor do gabinete de gestão e orçamento escreveu que “os muçulmanos não têm simplesmente uma teologia deficiente. Eles não conhecem Deus porque rejeitaram Jesus Cristo, Seu Filho, e encontram-se condenados”. Ele é o fundador do Centre for Renewing America, que se dedica em grande parte a combater a “teoria racial crítica” e a “onda woke”. Ele pretende destruir o FBI, eliminar a Agência de Proteção do Ambiente, despedir dezenas de milhares de funcionários públicos por falta de lealdade com o futuro presidente, utilizar as forças armadas contra os manifestantes e instituir um “constitucionalismo radical” de base cristã que dará mais poder ao futuro presidente. O futuro chefe de gabinete adjunto da Casa Branca para a política e conselheiro de segurança interna é aliado de vários grupos de supremacistas brancos e é o membro mais raivoso e anti-imigração da equipe. Ele acredita que “a América é para os americanos e só para os americanos”, o que significa banir, entre outros, os muçulmanos, os refugiados e os estudantes universitários da China, assim como deportar onze milhões de imigrantes sem documentos. Ele foi o arquiteto da política de separação das crianças migrantes de seus pais e foi visto vangloriando-se diante de fotografias de crianças em jaulas. Ele afirmou que o poema de Emma Lazarus (“Give me your tired, your poor,/Your huddled masses yearning to breathe free”) na base da Estátua da Liberdade foi uma adição “woke” posterior que nada tem a ver com a liberdade americana. Ele considera o futuro presidente “um gênio político”. O futuro czar das fronteiras, frequentador habitual da Fox News, implementou a política de separação das famílias durante a anterior administração do futuro presidente. Ele iniciou um projeto chamado “Defender a fronteira e salvar vidas” em colaboração com um grupo antimuçulmano, o United West. Ele afirmou: “Eu vou dirigir a maior força de deportação que este país alguma vez já viu. Eles ainda não viram nada. Esperem até 2025”. O futuro secretário da defesa, apresentador da Fox News, apelou para uma “cruzada americana”, “uma guerra santa pela causa justa da liberdade humana”, porque as “diferenças irreconciliáveis entre a esquerda e a direita na América… não podem ser resolvidas através do processo político”. Ele alega que há uma “revolução cultural marxista invadindo o Pentágono”, sintetizada pelo slogan militar dos EUA “Nossa diversidade é a nossa força”, que ele diz ser a “frase mais estúpida do planeta Terra”. Adverte que a invasão da Ucrânia “é insignificante em comparação” com a ameaça da “onda woke”, pois “esta aliança profana de ideólogos políticos e maricas do Pentágono deixou nossos guerreiros sem verdadeiros defensores em Washington”. “O próximo presidente dos Estados Unidos tem que demitir todos”. Ele opõe-se à OTAN e às Nações Unidas. Ele é conhecido por suas manifestações de embriaguez em que se exalta contra os muçulmanos. Acusado de estupro, pagou à vítima para que ela se mantivesse em silêncio. Uma vez, sua mãe enviou-lhe um e-mail em que dizia que ele era “desprezível e abusivo” e perguntava: “Ainda existe algum senso de decência em você? O futuro chefe de gabinete adjunto da Casa Branca para a política e conselheiro de segurança interna escreveu num discurso para o futuro presidente que “a questão fundamental de nosso tempo é saber se o Ocidente tem vontade de sobreviver… Temos o desejo e a coragem de preservar nossa civilização diante daqueles que a querem subverter e destruir?” O futuro presidente atualmente vende bonés, papel de embrulho, cobertores, uniformes de futebol, bandeiras de barco, raquetes de pickleball, colares, brincos, gravatas de seda, tábuas de cortar, decorações de Natal, chinelos, prendedores de gravata, tapetes, aventais, pijamas, meias, calendários do Advento, meias de Natal, canecas, chaveiros, agasalhos, blocos de anotação, pulseiras, velas perfumadas, sacos de praia, chinelos de dedo, roupões de banho, toalhas, óculos de sol, saca-rolhas, garrafas d’água, adesivos, calças de jogging, copos de vinho e champanhe, fones de ouvido, casacos, doces, biscoitos, chocolates, mel, caixas de jóias, decantadores de uísque, tabuleiros, carteiras, frascos, vinhos, bases para copos, guarda-chuvas, sacos de golfe, pratos, cinzeiros, sutiãs para esportes e guias para cães – tudo com seu nome. Também estão disponíveis um relógio de ouro por 100.000 dólares, uma guitarra autografada por 11.000 dólares, cartões digitais NFTs com o futuro presidente em cenas históricas heróicas, Bíblias “God Bless the USA” [Deus abençoe os EUA”], tênis de cano alto “Never Surrender” [“Nunca se renda”], colônia para homens “Fight Fight Fight” [“Lute, lute, lute”] (“Para patriotas que nunca recuam”) e uma colônia comemorativa “Victory Cologne” [“Colônia da vitória”], que vem num frasco com o formato da cabeça do futuro presidente. O futuro secretário de Estado tinha chamado anteriormente o futuro presidente de “vigarista”, um “homem forte do Terceiro Mundo”, “a pessoa mais vulgar que alguma vez aspirou à presidência”, “uma pessoa que não tem ideias de qualquer substância” e um “cara com o pior bronzeado de spray da América” que molha as calças. Ele agora diz: “Não o conhecia como pessoa”.     *Eliot Weinberger é escritor, editor e tradutor. Autor, entre outros livros de Angels & Saints (New Directions). Tradução: Fernando Lima das Neves. Publicado originalmente no London Review of Books. Foto de capa: Magda Ehlers Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.  

Crônica

Vergonhosos gestos nazistas

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Vergonhosos gestos nazistas
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Por SOLON SALDANHA* Que Elon Musk não passa de um menino rico, mimado e desequilibrado, com uma mente perversa, que se alimenta do seu poder econômico e de sua ânsia incontrolável por se impor a tudo e a todos, não existe ninguém que desconheça. Não entre as pessoas que sejam minimamente bem informadas. Pois agora que passou a integrar o novo governo de Donald Trump, como forma de agradecimento deste pelo apoio incondicional e criminoso que recebeu das redes sociais que o psicopata controla, nas eleições, parece que levará para limites mais distantes todas as suas características negativas. Já no primeiro discurso que proferiu, durante a celebração da posse, fez um repugnante gesto nazista para sublinhar o quanto ele e seus iguais desprezam a vida, a liberdade, a convivência e o necessário respeito entre os seres humanos. Ele agradeceu ao público presente por “fazer isso acontecer”, colocando a mão direita sobre o coração e, em seguida, estendendo o braço direito para a frente, em linha reta. Depois repetiu o gesto – o que comprova ter sido algo pensado, premeditado – para as pessoas que estavam atrás dele. Esta saudação, que hoje os alemães chamam simplesmente de “saudação de Hitler” (Hitlergruß), de forma envergonhada, e que antes era conhecida como “saudação alemã” (Deutscher Gruß), se trata de algo copiado de uma antiga saudação romana e passou a ser utilizada como um sinal de lealdade e culto à personalidade de Adolf Hitler, com a ascensão do nazismo. Ela também expressa uma adaptação de “Sieg Heil” (Salve a Vitória), que foi proposta por Joseph Goebbels, o ministro da propaganda da Alemanha Nazista. Mais ainda: isso foi associado ao número 88, uma vez que junto ao gesto havia a exaltação “Heil Hitler” (Salve Hitler), um duplo “h”, que é a oitava letra do alfabeto. A bem da verdade, o Brasil também foi pródigo em manifestações de estupidez semelhante, durante o governo de Jair Bolsonaro. Alguns exemplos mais conhecidos podem ser lembrados com facilidade. Em 17 de maio de 2020, ex-companheiros de armas do ex-presidente, na época anterior à sua expulsão do Exército, foram até o Palácio do Planalto para saudar o então mandatário. No momento do cumprimento, coletivamente estenderam os braços direitos para o alto, gritando “Bolsonaro somos nós”. Dias depois, o atual inelegível e seu filho Eduardo, que é deputado federal, beberam um copo de leite puro, durante transmissão ao vivo em perfil do Facebook. Depois da repercussão negativa, o blogueiro Allan dos Santos, que sempre fez parte de uma “linha auxiliar” a serviço da extrema-direita nacional, repetiu o gesto e bebeu leite ao vivo em seu canal. Aqui uma explicação necessária: o leite se tornou um símbolo, um código adotado por supremacistas brancos. Há uma cena emblemática no filme Bastardos Inglórios (2009), de Quentin Tarantino, na qual o oficial nazista Hans Landa – uma interpretação magistral do ator Christoph Waltz – pede leite para uma família de judeus e o degusta calmamente antes de matá-los. Bem antes disso, em 1971, outro filme icônico trouxe citação semelhante. Foi em Laranja Mecânica, de Stanley Kubrick. Nele o protagonista é um sociopata ultraviolento, que bebe leite juntamente com seus seguidores, com uma expressão doentia na face. Voltando às lamentáveis ocasiões nas quais o governo anterior pareceu fazer questão de demonstrar sua simpatia e proximidade com o nazismo, vamos citar mais alguns exemplos. O então assessor internacional da Presidência da República, Filipe Martins, apareceu em transmissão na TV Senado, atrás do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco, fazendo o gesto “OK” com as mãos, mantendo três dedos retos em formato da letra “W”. Ele é conhecido e classificado pela Liga Antidifamação (ADL), uma entidade com sede nos EUA que combate o antissemitismo, como forma de identificação de supremacistas brancos. Roberto Alvim, ex-secretário especial de Cultura, durante manifestação feita em rede nacional de televisão, para divulgar o lançamento do Prêmio Nacional das Artes, copiou e repetiu fielmente um bom trecho de discurso do nazista Joseph Goebbels. Com uma expressão facial de absoluta severidade e com a foto de Bolsonaro ao fundo, ele apenas trocou a palavra “alemã” por “brasileira”, ao citar como a arte deveria passar a ser feita, doutrinadora. “Ou assim, ou não será nada”, ameaçou. Um quinto exemplo, este de apoiadores, foi dado por Sara Geromini. Ela passou a usar o sobrenome “Winter”, em homenagem a Sarah Winter, uma inglesa que se tornou espiã nazista e integrou a União Britânica de Fascistas, durante a Segunda Guerra Mundial. A brasileira organizou um grupo que chamou de “300 do Brasil”, com o objetivo de combater “a corrupção e a esquerda no mundo” – assim, grandiloquente, indo além das nossas fronteiras. A camarilha manteve, com a devida conivência do governo federal, um acampamento na Esplanada dos Ministérios. E fazia uma série de marchas carregando tochas e vestindo roupa branca, numa clara alusão à estética da Ku Klux Klan (KKK), movimento supremacista branco dos EUA que foi responsável por inúmeros crimes bárbaros. É impossível esquecer que os nazistas foram responsáveis pela morte de aproximadamente seis milhões de judeus. Perseguiram e mataram ainda ciganos, negros, homossexuais e pessoas com deficiências. Isso tudo torna quase que incompreensível a retomada desta ideologia extremista em todo o planeta. Presente ao Fórum Econômico Mundial, que está acontecendo na Suíça, o chanceler alemão Olaf Scholz reagiu ao gesto tresloucado de Musk – que havia manifestado recente apoio ao partido de extrema-direita da Alemanha, AfD – afirmando que todos na Europa têm direito à liberdade de expressão. Mas, acrescentou, isso não pode ser confundido com permissão para defender essa ideologia. As críticas da imprensa foram praticamente unânimes no mundo todo. E a jornalista estadunidense Anne Bagamery, falando à France 24, questionou se os americanos que apoiam isso alguma vez na vida pegaram sequer um único livro de história. Particularmente, eu duvido.     *Solon Saldanha é jornalista e blogueiro. Texto publicado originalmente no Blog  Virtualidades. Foto de capa: ANGELA WEISS / AFP Os artios expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

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