De SOLON SALDANHA*
Luiz Gonzaga Pinto da Gama. Esse é um dos nomes que merecem muito ser referenciados, neste Dia Nacional da Consciência Negra. Entretanto, a narrativa branca da história brasileira nunca deu a ele a importância devida. E talvez até mesmo o movimento negro, mesmo fazendo isso fortemente, devesse dar ainda um maior destaque e reconhecimento, por sua estatura humana ímpar, por sua dignidade invejável.
Ele era um homem negro, que nasceu livre, na cidade de Salvador, mas terminou sendo vendido como escravo pelo seu próprio pai, um fidalgo português. Sua mãe era a africana Luísa Mahin, uma mulher altiva e corajosa, que participara da Revolta dos Malês e da Sabinada. Por esse seu envolvimento, ela precisou fugir e deixou o menino aos cuidados do pai, que o levou consigo para o Rio de Janeiro. Com índole que em nada lembrava a da mulher, o homem se envolveu em jogos de azar e, para pagar uma dívida, entregou o filho, que tinha dez anos.
Luiz terminou sendo revendido e levado, por esse novo proprietário, para a cidade de São Paulo. Esse, entendendo ser real a fama do menino, de insubordinado, optou por levá-lo para fazenda que possuía no município de Limeira. Sete anos depois, um hóspede que passou longo tempo na propriedade se tornou seu amigo e o ensinou a ler e escrever. Depois disso, com a capacidade argumentativa que desenvolveu, conseguiu ele próprio provar diante de um tribunal que não era originalmente um escravo, obtendo outra vez sua liberdade. Mais tarde, buscou ingressar na Faculdade de Direito, onde foi obviamente barrado pelo fato de ser negro e pobre. Mesmo assim, apesar de hostilizado por muitos dos seus professores e alunos da instituição, ele insistia em comparecer às aulas, na condição de simples ouvinte.
Sem conseguir realizar seu sonho naquele momento, a saída foi se alistar na Força Pública, vindo a trabalhar na Secretaria de Polícia. Essa foi a oportunidade para aprimorar sua escrita e conhecer de dentro toda a burocracia governamental. Deste momento em diante, passou a escrever também poesia, além de se dedicar ao jornalismo. Nele, sua “verve” produziu excelentes artigos de conteúdo tanto político quanto jurídico. E, com as relações e contatos que foi adquirindo no meio, ingressou em vários grupos que trabalhavam pela abolição da escravatura e defendiam outras causas de interesse social. Com o conhecimento adquirido, se especializou em casos que envolviam alforria, fazendo uso de leis aprovadas em 1831 e 1871, que lhes permitiram libertar mais de 500 escravizados em diferentes tribunais.
Como se aqueles tempos antecipassem os atuais, se tornou alvo de toda sorte de ameaças e alguns ataques – de onde se vê que a indecência é anterior e independe de redes sociais, apesar dessas a potencializarem. O que jamais o afastou de seus ideais. Talvez a única e justificadíssima mágoa que seu coração guardava era a relacionada ao pai. Pelo que se saiba, Luiz Gonzaga jamais referiu o nome dele ao longo de toda a vida. Morreu aos 52 anos, vitimado por problemas decorrentes do diabetes, quando recebeu de seus colegas da imprensa uma cobertura justa e destacada de seus feitos.
O bônus de hoje é com Martinho da Vila e sua música Zumbi dos Palmares, Zumbi. O clipe foi gravado ao vivo em 2020. Essa escolha é também uma forma de homenagear o grande líder negro que morreu em 20 de novembro de 1695, razão pela qual essa é desde 2003 a data identificada como o Dia Nacional da Consciência Negra.
*Jornalista e blogueiro. Apresentador do programa Espaço Plural – Debates e Entrevistas, da RED.
Texto publicado originalmente no Blog Virtualidades.
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