Por SOLON SALDANHA*
Não são raros os relacionamentos amorosos que, depois de muitas juras eternas, terminam em uma separação nada amigável. Divórcios litigiosos surpreendem pelo volume de acusações trocadas e pela mesquinhez das reivindicações decorrentes. Nos tempos atuais, onde a insanidade tem se mostrado crescente, no processo judicial muitas vezes demorado, o antigo casal discute desde minúcias na partilha de bens e de valores de pensões até a posse de bebês reborn. Pois, se soube agora, o homem mais poderoso do planeta, política e militarmente falando; e o homem mais rico do mundo, depois de alguns meses de paixão ardente, estão rompidos. E fazendo isso de forma ruidosa. Acabou o amor, nasceu o ódio que os torna irreconciliáveis.
A tensão entre os dois bilionários vinha crescendo desde que Musk foi afastado do Departamento de Eficiência Governamental (DOGE, na sigla em inglês), uma excrescência criada tão logo Trump tomou posse, para que ele fosse incorporado ao governo. Além da sigla, deveriam ter ainda criado um logo, com uma guilhotina, pois a única coisa que fazia por lá era demitir pessoal. Foi tanta gente posta na rua que várias estruturas da administração pública passaram a ter sua continuidade ameaçada. Isso começou a criar uma forte indisposição interna, que passou a pressionar o presidente. Esse, por sua vez, atingiu diretamente os interesses de Musk ao taxar em índices absurdos importações vindas de países nos quais o sul-africano de nascimento instalara indústrias suas. Deste modo, perdas mútuas de prestígio e financeiras fragilizaram o casamento, que era tão perfeito na aparência.
As trocas de acusações não demoraram a começar, cada um usando as suas próprias redes: a X de Musk e a Truth Social de Trump, com tudo repercutindo depois na imprensa. Na semana passada o CEO da Tesla afirmou que o pacote fiscal do presidente era uma bomba, o qualificando de “abominação repugnante”. E fez questão de reafirmar que o atual ocupante da Casa Branca não teria chegado lá sem a sua ajuda e nem teriam os republicanos maioria no Congresso. Depois, subiu mais ainda o tom e colocou excrementos no ventilador ao afirmar que Trump era um dos envolvidos no escândalo sexual que ficou conhecido como Arquivos Epstein.
Jeffrey Epstein era um magnata e financista norte-americano condenado como criminoso sexual. Em uma ilha de sua propriedade, promovia uma série de festas e encontros onde políticos, empresários e convidados da elite do país todo eram recebidos e “atendidos” por menores de idade, incluindo crianças, eventos nos quais tudo era permitido. Isso também acontecia em propriedades suas na Flórida e em Nova Iorque. Ele tirou sua própria vida na prisão.
No contra-ataque, Trump acusou Musk de estar louco. E se aproveitou de notícias que dão conta de ele estar consumindo mais drogas do que nunca – é público e notório o seu vício, com histórias de consumo até mesmo em reuniões nas suas empresas. Além disso, ameaçou terminar com os subsídios governamentais que ele recebe, o que aumentaria o rombo de 150 bilhões de dólares que enfrenta desde o começo do ano.
A represália de Musk foi imediata. Pediu o impeachment do presidente e disse que determinaria que a SpaceX descomissionasse a nave espacial Dragon imediatamente. Tal medida seria devastadora para a Estação Espacial Internacional e para a Nasa, uma vez que se trata da única em operação com capacidade de retornar quantidades significativas de carga para a Terra, além de acomodar sete tripulantes. Agora, o mais interessante de tudo é que parece ambos terem razão. Ou seja, todas as acusações – que ainda podem crescer em número – têm tudo para corresponder à realidade.
Verdadeira e divertida foi uma postagem do Coronel Siqueira, sobre o fato. Este, para quem não sabe, se trata de uma personagem satírica que existe no meio digital e que simula o discurso de um “tiozão do zap”. O suposto militar se apresenta como um cidadão de bem, patriota, viúvo, cristão, conservador, hétero convicto, de ascendência europeia, que adora lasanha e frutas cristalizadas. Neste papel de um bolsonarista inabalável ele ironiza o tempo todo essa corrente ideológica insana. Pois, na postagem que refiro, usou de premissas como as adotadas no raciocínio lógico para trazer o atrito lá do centro do poder dos EUA para a realidade subserviente desse tal grupo. “Eu amo Bolsonaro, logo amo Trump. Se eu amo Trump, agora odeio Musk. Se eu odeio Musk, agora amo Xandão. Mas, se amo Xandão, tenho que odiar Bolsonaro”. E, ao final, o patriota que pensa isso tudo – uma falácia, pois é característica desta turma o não pensar – fica perdido diante do paradoxo onde se meteu.
*Solon Saldanha é jornalista e blogueiro.
Texto publicado originalmente no Blog Virtualidades.
Foto de capa: Elon Musk e Donald Trump na Casa Branca (Foto: Kevin Dietsch)
Respostas de 2
Muito bom!!! Não li, saborei-o. Parabéns!!!!🥰❤️
Muito bom 👏😄👏😄👏😄