Por J. CARLOS DE ASSIS*
O mandato e a reeleição de Lula estão em risco. Ele seequilibrou no Governo transformando a administração federal numa colcha deretalhos de partidos políticos sem projeto para o Brasil, cada um delesconcentrado em interesses próprios. Mais do que isso. A atual administraçãofederal só entra em acordo com oCongresso para atacarem, juntos, os interesse do povo, e em favor das demandasdas classes dominantes, principalmente as das oligarquias financeiras e doagronegócio.
Com essa agenda, seria uma surpresa que o Presidenteestivesse bem nas pesquisas eleitorais e em condições favoráveis de disputa. Eque não se culpe Haddad por isso. A Haddad é apenas um pau mandado. É Lula quemmanda na política econômica, com as convicções neoliberais que adquiriu naconvivência com Fernando Henrique Cardoso e com as orientações neoliberais deMargareth Thatcher e Reagan, às quais aderiu, como ele próprio confessou, nosanos de 1980.
Entretanto, do meu ponto de vista, ainda há tempo parao Presidente mudar de curso e evitar que a direita, a extrema direita e ocentrão se juntem para assaltar o Planalto no próximo ano. Não seria, porém,através do discurso demagógico ou da “comunicação” palaciana, como muitos deseus asseclas mais próximos alegam. Terá de ser “de baixo para cima”, a partirdo povo mobilizado e consciente. Portanto, mobilizado não pelo blablablá político convencional, maspela ação concreta de suporte às comunidades locais e regionais.
Se continuar vagando entre o Planalto e o Alvorada,com eventuais volteios internacionais, Lula não terá acesso ao povo, como tinhanos tempos em que era líder sindical. E isso será mortal para seu mandato. Defato, longe da população, sequer poderá sentir os lamentos das donas de casacontra os aumentos seguidos do custo de vida, que não é exatamente uma culpadele ou de Haddad, mas da doutrina econômica absurda que os domina, com o nomede neoliberalismo, esmagando a produção.
Sua salvação é reconhecer o Brasil como um territóriocom amplas possibilidades de desenvolvimento sustentável, que só não sãoaproveitadas “de cima para baixo” por causa da obsessão com estabilidade fiscale a estúpida taxa Selic. Esta, já partindo do patamar absurdo de 14,75%,alcança agora o inacreditável nível de 15%. Isso atrapalha o desenvolvimento e aprodução no plano geral. Em compensação, cria condições para a expansãoeconômica no plano local e regional, que o Presidente pode endossar, casoqueira alterar, por baixo, o rumo de sua política.
Estamos, portanto, num momento crucial para o País.Lula pode, perfeitamente, assumir aspropostas que temos feito de promover o desenvolvimento “de baixo para cima”,rompendo com sua própria política atual e arregimentando milhões de trabalhadores parauma causa em proveito deles próprios. Não é uma questão de adotar um palavróriovazio de conteúdo, em comícios, mas de mostrar, em comícios, sim, as vias deacesso dos trabalhadores e suas famílias aos avanços materiais concretos devida a seu alcance, através dos APLs.
Como temos proposto, os Arranjos são a pedrafundamental da sociedade do futuro, que estamos chamando de Sociocapitalismo.Constituem a junção ente o que há de melhor no mundo do Trabalho, a açãocooperativa, com o que ainda sobra de melhor no mundo do Capital degenerado, aSociedade Anônima. Na estrutura básica desses dois sistemas, que estão setornando anacrônicos, surge uma síntese em nível superior, como previram Hegele Marx no século XIX. E mesmo que surja um Donald Trump, não há como voltar pratrás, como já está se vendo pelas contradições internas na Casa Branca.
É preciso entender o que é um APL para rompermos asbarreiras ideológicas que obscurecem a visão nesse campo, principalmente dosjovens. Estes, inspirados nas lutas das classes trabalhadoras contra os capitalistaspredatórios no século XIX e XX, pensavam que a doutrina trazida à luz pelogenial Karl Marx iria salvar o mundo. Não salvou. Em muitos aspectos, asituação mundial piorou, como se vê na terrível degradação ambiental que semanifesta em índices extremos de poluição, e nos desastres climáticosincontroláveis.
A frustração diante desses sistemas que se defrontaramao longo de dois séculos levou a juventude a uma descrença no futuro. Só emcondições especiais, como nas Diretas Já, nos anos 1980, quase esquecidos, era possível ver nas ruas epraças públicas brasileiras, principalmente na Cinelândia – como vi -, lindasjovens vestidas de branco saudando líderes sindicais como Lula, em suasdiatribes contra a ditadura. Na política, era uma era de inocência. Queríamosderrubar o regime militar, mas não sabíamos direito o que era democracia.
Hoje sabemos. E sabemos que ela, supostamente, garante,pela Constituição, liberdade de expressão e de imprensa, direitos humanosfundamentais e direito de ir e vir. Tudo isso, porém, serve antes de maisninguém aos ricos e poderosos, especialmente, no nosso caso, quando temos umCongresso em sua grande parte vendido aos grandes oligarcas e senhores dodinheiro que manipulam a seu favor a mídia e a aristocracia pública. Esses sãocapazes de vender também o povo, mesmo quando advertidos para o risco de atacardiretamente a saúde pública, como no caso dos agrotóxicos na agricultura.
É por não enfrentar essa situação que o Presidentecaiu nas pesquisas de opinião, tanto pelo lado da baixa aprovação quando pelolado da desaprovação. Trata-se de uma condição mortal para qualquer pré-candidatopresidencial. Nesse contexto, só lhe resta uma saída, que ele, manifestamente,sobretudo até aqui, não quer fazer: dar um “cavalo de pau” na políticaeconômica, invertendo literalmente a política fiscal de equilíbrio orçamentárioa qualquer custo – inclusive ao custo da destruição do Estado Social -, e apolítica monetária de juros extravagantes de seu pupilo Gabriel Galípolo, queele pôs no Bacen para baixar os juros, mas que está fazendo exatamente o oposto.
Não tenho nada pessoalmente contra Lula, mas acho queele deveria ouvir mais a rua e jogar-se nela numa batalha mais concreta contraa direita e a extrema direita. Sempre digo que passou o tempo da demagogiabarata dos políticos. É preciso apontar caminhos objetivos, que as pessoaspercebam como viáveis. Daí nosso conselho ao Presidente para que reúna a forçados bancos públicos, que são o que lhe resta de poder, no sentido de ampliar arede de Arranjos Produtivos no País.
Com um mínimo de financiamento bancário a jurossubsidiados (e não essa indecente Selic), pode-se dobrar nossa produçãoagrícola em muito pouco tempo e contribuir decisivamente para reduzir o custode vida e a inflação com a ampliação a curto prazo da oferta de bensalimentares e de consumo geral.
Em paralelo, os APLs ocuparão gradativamente oterritório brasileiro, formando redes interconectadas pela internet e usandooutras altas tecnologias, como o sistema blockchaintoken e a própria economia circular. Com a eficiência derivada do usodesses sistemas, a produtividade do trabalho aumentará consistentemente, e comela virão o aumento do lucro total e daremuneração dos trabalhadores individuais, assim como a redução dos custos edos preços para o consumidor – nesse caso, através da eliminação deintermediários na comercialização, ao final dos processos produtivos.
Um APL típico é um ecossistema que integra não apenaso setor produtivo, em economia circular, mas um empreendimento que pode desenvolveratividades mais amplas de interesse comum de seus participantes, como asesportivas, culturais e artísticas. Isso abre espaço para a realização dessasatividades também na forma de competições entre APLs, concorrendo para umamelhor qualidade de vida para todos os participantes.
Uma multidão de trabalhadores satisfeitos comresultados materiais dos Arranjos onde ela vive é infensa ao ataque dos demagogos e sensível ao discurso propositivo ehonesto. Portanto, para Lula, fomentar através de crédito público subsidiado osArranjos Produtivos Locais, Regionais e Vocacionais é ancorar suas pretensões àreeleição num porto seguro, sem que venha a ser acusado de ferir o “arcabouçofiscal”. De fato, com a devida regulamentação pelo Banco Central, o “arcabouço”não limita o crédito dos bancos federais ao setor produtivo, em especial quandodestinado a uma Sociedade Anônima bem estruturada, controlada pelos própriostrabalhadores.
*J. Carlos de Assis é jornalista, economista, doutor em Engenharia de Produção, professor aposentado de Economia Política da UEPB, e atualmente economista chefe do Grupo Videirainvest-Agroviva e editor chefe do jornal online “Tribuna da Imprensa”, a ser relançado brevemente.
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