Desafio fiscal demanda ações firmes para restaurar a confiança

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Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA*

Uma narrativa satírica é capaz de simular uma reportagem típica da imprensa econômica de viés neoliberal. É inteiramente escrita com uma linguagem carregada de palavrinhas mágicas, jargões tecnocráticos e eufemismos corporativos, com o objetivo de escamotear os interesses de classe em jogo.

A sátira consiste em exagerar a forma e o conteúdo desse tipo de texto. Revela o tentado de se disfarçar: a defesa permanente dos interesses do topo da pirâmide social, sob uma fachada de neutralidade técnica.

TEXTO SATÍRICO: “Cenário Fiscal Exige Medidas Corajosas em Nome da Confiança”

Por nossa redação de macroeconomia performática. Amém.

Em meio a um ambiente desafiador, marcado por volatilidade geopolítica e pressões inflacionárias persistentes, analistas de mercado voltam a reforçar a importância de um compromisso robusto com a sustentabilidade das contas públicas, como forma de ancorar expectativas e preservar a credibilidade do país junto aos agentes econômicos.

Diante do avanço das despesas obrigatórias — especialmente nas áreas de seguridade social, saúde e educação —, economistas de perfil técnico (e não desenvolvimentistas) alertam para a necessidade de uma reavaliação estratégica dos gastos, priorizando políticas públicas com maior retorno fiscal e impacto positivo no longo prazo.

“É fundamental o país manter o foco na consolidação fiscal e em reformas estruturantes para melhorarem o ambiente de negócios, reduzirem ineficiências e aumentarem a produtividade da máquina pública”, pontuou um especialista ouvido pela reportagem, sob condição de anonimato para preservar sua posição no Conselho de Administração de uma gestora de ativos capaz de lhe pagar muito bem – e merecidamente por pregar sempre essa ladainha.

Apesar de pressões pontuais de setores mais sensíveis, como movimentos sociais e servidores públicos, o consenso técnico é indiscutível. Eventuais reequilíbrios orçamentários devem privilegiar a disciplina fiscal e o alinhamento com boas práticas internacionais. “A discussão sobre novas fontes de receita é legítima, mas deve ser conduzida com responsabilidade e sem comprometer a atratividade do país aos olhos do investidor estrangeiro”, afirmou um membro da iniciativa Gente com Entendimento de Economia, um think tank independente financiado por um consórcio de bancos.

No mesmo sentido, especialistas reforçam o atual arcabouço fiscal — embora aperfeiçoável — representar um avanço civilizatório em relação ao passado recente, quando a ausência de âncoras confiáveis minava a previsibilidade necessária à retomada sustentável do crescimento.

“Não se trata de cortar por cortar, mas de qualificar o gasto e reordenar prioridades. Precisamos focar em investimentos de alto impacto e garantir espaço fiscal para o futuro”, concluiu outro analista, com passagens por organismos multilaterais. Publica colunas de opinião neoliberal ou fiscalista, em jornal de prestígio, patrocinado por publicidades de empresas.

Em paralelo, O Mercado divino reage positivamente às sinalizações do governo de não haver espaço para aventuras fiscais ou retrocessos institucionais. O índice da bolsa subiu acima do 140 mil pontos e o dólar manteve firme tendência de baixa, refletindo a percepção de o país seguir comprometido com o ajuste. Ou devido ao desastre provocado pelo bilionário ao atuar como uma rei (king) da república norte-americana?

Tradução não-oficial: o realmente dito por esse texto.

Os ricos não querem pagar mais impostos. Os pobres devem aceitar cortes em saúde, educação e previdência social. Bancos, fundos e investidores de fato mandam muito mais comparado a um voto por eleitor.

“O Mercado” (onipresente, onipotente e onisciente) é um oráculo infalível e divino, por isso deve ser agradado a qualquer custo. Técnicos e analistas “neutros” são, na prática, porta-vozes do topo. Tudo isso é vendido como racionalidade, equilíbrio e modernização. Só.


*Fernando Nogueira da Costa é Professor Titular do IE-UNICAMP. Baixe seus livros digitais em “Obras (Quase) Completas”: http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ E-mail: fernandonogueiracosta@gmail.com

Foto de capa:  Lula Marques/ Agência Brasil

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