Bastidores do poder dificultam avanço dos Arranjos Produtivos Locais e Regionais no Brasil

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Por J. CARLOS DE ASSIS*

Tomei conhecimento de que uma pessoa muito próxima do Presidente Lula, assumindo objetivamente as teses da direita e da extrema direita, tem atacado as universidades federais como um sorvedouro de dinheiro público inútil, e um poço de absorção de recursos incontrolável pelo orçamento do Estado. Não vou dizer o nome porque não tive informação direta, nem frequento os bastidores intrigantes do Planalto para uma confirmação pessoal.  Mas fiquei preocupado.

É que Lula é extremamente susceptível a conselhos de pessoas em quem confia, mesmo que desprovidos de base em assuntos que não lhes dizem respeito. A tese de que as universidades federais gastam dinheiro demais foi assumida pelo jornal Folha de S. Paulo, e contestada vigorosamente pelo professor João Carlos Salles, ex-Reitor da UFBA. Apoiei Salles decididamente, no artigo “Arranjos Produtivos para Superação da Crise Universitária”, na série que estou publicando na Tribuna da Imprensa e em outros sites e blogs associados.

Entre as opiniões de Salles, da Folha e da pessoa em quem tem confiança, Lula poderá pender para o que quer grande parte da oligarquia paulista, ou seja, a privatização das universidades públicas. Foi assim que começou a campanha de privatização comandada por Fernando Henrique Cardoso no início dos anos 90 do século passado: um movimento inicial quase imperceptível, inspirado dos Estados Unidos, que desaguou na virtual destruição da infraestrutura pública do País.

Essa foi uma das razões pelas quais lançamos o movimento “Vamos Fazer o Brasil Grande de Vez”, ancorado na proposta de construção em larga escala no Brasil de APLs, ou Arranjos Produtivos Locais, Regionais e Vocacionais. É uma linha de defesa contra a voracidade privada em seu objetivo de engolir o Estado Social, como fez com o Estado Empresarial. A ideologia da privatização do Estado Social já domina grande parte da imprensa brasileira, que está abrindo espaço para sua aplicação em termos práticos.

Por isso estou convencido, com o grupo nacional-desenvolvimentista a que pertenço – junto com nacionalistas históricos como o ex-governador e ex-senador Roberto Requião, do Paraná -, que o modelo de APL, aplicado às universidades públicas, pode contribuir objetivamente para a superação da crise financeira a que foram levadas pela política econômica de Fernando Haddad, respaldada por Lula.

É que, sob o estrangulamento do “arcabouço fiscal” de 2023, replicado neste ano, e da Lei de Responsabilidade Fiscal do entreguista Fernando Henrique Cardoso, editada em 1990, mesmo que o Presidente quisesse não poderia atender às justas demandas dos reitores que foram procurá-lo em busca de recursos financeiros de sobrevivência. O que lhes está sendo dado são migalhas e cortes de gastos e mais gastos, sempre que o Congresso discute o orçamento anual com o Executivo.

Já a transformação das universidades federais em Arranjos Produtivos, e a transformação dos Arranjos em Sociedades Anônimas controladas por seus próprios trabalhadores, como temos sugerido, lhes garantiria, além da sobrevivência financeira, resultados econômicos capazes de cobrir todos os seus custos, manter o ensino gratuito, aumentar os salários de seus integrantes-acionistas e financiar seus investimentos.

A Sociedade Anônima é uma máquina capitalista de fazer dinheiro. É só observar o balanço de algumas delas, com resultados líquidos anuais de bilhões de reais. Seu lado negativo é que o dinheiro resultante da mais valia do trabalho coletivo é apropriado apenas por um ou por poucos capitalistas, sem efeitos diretos para a remuneração do trabalhador em geral. Na reforma que propomos, o trabalhador, como acionista, torna-se ele próprio um capitalista, com direito aos dividendos devidos às ações representativas do capital do empreendimento onde trabalha.

Conceitualmente, é o Trabalho controlando o Capital, em lugar do sistema convencional do capitalismo, onde o Capital controla o trabalhador,  às vezes até o limite da exaustão. O modelo de Sociedade Anônima, portanto, vai além do que propõem as cooperativas tradicionais e as diversas formas de economia solidária. Sua essência é que não visa apenas à sobrevivência do trabalhador, mas também à geração de lucro a ser distribuído na forma de dividendos das ações.

Mais do que um processo produtivo, a S.A., derivada de um Arranjo Produtivo Local, regional ou Vocacional, aponta para uma nova sociedade, que chamamos de Sociocapitalismo. Muita gente não gosta da palavra, porque os socialistas detestam o capitalismo, enquanto os capitalistas odeiam o socialismo. Parecem inconciliáveis, especialmente nas épocas de radicalização política, como a que estamos vivenciando hoje. Contudo, quando se juntam, essas palavras criam um novo conceito de sociedade, que supera inequivocamente os dois sistemas. Por isso a adotamos.

Existe, também, uma resistência ao Sociocapitalismo, do lado das esquerdas. É que ele contribuiria objetivamente para o fim da luta de classes, um jargão que vem como destino inevitável das sociedades desde o século XIX. Entretanto, se o trabalhador é ele próprio um capitalista, contra que classe ele vai lutar? À dele mesmo? Na verdade, a razão dessa resistência está uma espécie de acomodação do trabalhador ao status quo. Muita gente prefere ser empregado a assumir a responsabilidade coletiva pela condução de um empreendimento empresarial compartilhado com outros trabalhadores.

Há ainda outro aspecto em que um Arranjo Local ou Regional difere de uma cooperativa comum. Ele admite aplicações financeiras como acionistas independentes de pessoas fora de seu território, e principalmente no seu entorno. Isso possibilita a captação aprovada pela CVM de recursos externos, fora do sistema bancário, para financiamentos de investimentos de infraestrutura, sempre que bem planejados e com comprovação de bom gerenciamento dos projetos respectivos.

No próximo ano teremos eleições gerais. Isso terá efeitos sobre a organização dos Arranjos. Nada garante que Lula, tendo anunciado sua candidatura, vá reconstruir sua base de apoio político no “andar de cima”, como tem feito, e ignorando o “andar de baixo”, como temos criticado.  De fato, em cima, ele está perdendo apoio com a deserção de vários ministros. Sob pressão da direita, da extrema direita e do próprio centrão, esses ministros, virtuais traidores, se comportam como ratos dos navios condenados a afundar. Estão saltando fora do barco e se preparando para fazer conluios financiados pelos bilionários do sistema financeiro e do agronegócio a fim de pôr o Presidente fora do Planalto.

Bolsonaro, apoiado pela extrema direita mundial, fez acertos inclusive com as bigtechs da informação para assegurar apoio a seus asseclas. O acordo, que já é público, não esconde o objetivo de assegurar novamente maioria no Congresso para a direita e extrema direita, a fim de soltar o ex-presidente da cadeia e manter a política fiscal estúpida e a política de juros extravagante que estãp estrangulando o País e suas possibilidades de desenvolvimento sustentável acelerado.

Nessa situação, Lula tem pouco raio de manobra para adotar iniciativas construtivas que lhe permitam recuperar o antigo prestígio eleitoral. Só lhe resta, portanto, recorrer a medidas inovadoras, como a campanha para organização acelerada de APLs em todo o território nacional. Temos defendido isso não porque somos lulistas, mas porque não queremos ver o Brasil novamente sob o comando de um psicopata descontrolado, que em 8 de janeiro comandou a mais surrealista, e felizmente fracassada, tentativa de golpe militar na história brasileira.

Se decidir agir, Lula não tem muito tempo para fazê-lo. Com a hostilidade do Congresso, sua opção é ir para a rua, como fazia na condição de líder sindical que se moveu contra a ditadura militar, sendo que agora terá de confrontar a ditadura parlamentar a que estamos sendo submetidos.

Contudo, com toda a simpatia que tenho por sua causa, não estou disposto a acompanhá-lo nas ruas e praças apenas cantando lulalá, nem vou pedir aos trabalhadores que façam isso. Ele tem que mostrar serviço concreto e, no caso, o concreto é  apoiar a liberação de financiamentos generosos, baratos e a longo prazo dos bancos públicos para organização dos Arranjos Produtivos.

Isso levará, objetivamente, à melhoria da vida material dos trabalhadores e de suas famílias, independentemente de ideologias e de partidos políticos. Não adianta que três bigtechs reunidas por Bolsonaro para assegurar uma maioria qualificada no Congresso, no próximo ano, tenham se reunido no Nordeste para criar um esquema supostamente infalível, pela força da tecnologia, para atrair os trabalhadores para a extrema direita. Ninguém come computador. Um programa de produção de alimentos num APL agrícola terá uma força de atração maior.

Em relação às universidades federais, a que me referi no início deste artigo, o que posso dizer é que seu corpo docente não deve temer qualquer prejuízo em sua transformação num Arranjo Produtivo. O que importa, num Arranjo, é o trabalho coletivo controlando o capital, independentemente da natureza da produção local ou regional, que pode ser física ou intelectual. Os lucros advindos desse processo poderão ser tão grandes ou mesmo maiores do que os lucros em grandes S.A. E seu corpo docente, como os demais trabalhadores transformados em acionistas, usufruirão de seus dividendos mesmo depois de pararem de trabalhar.


*J. Carlos de Assis é jornalista, economista, doutor em Engenharia de Produção, professor aposentado de Economia Política da UEPB, e atualmente economista chefe do Grupo Videirainvest-Agroviva e editor chefe do jornal online “Tribuna da Imprensa”, a ser relançado brevemente.

Foto de capa: Reprodução

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