Por RUDOLFO LAGO*, do Correio da Manhã
Para além do próprio fato do que a esposa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a Janja, disse ou deixou de dizer para o presidente da China, Xi Jinping, o que ainda repercute e incomoda no governo é o quanto ele traz à tona dois problemas sérios. Problemas com os quais Lula vai precisar se envolver, porque eles de fato vêm comprometendo seriamente seu terceiro governo. O primeiro: qual é o papel de Janja no governo? O segundo: o enorme tamanho da intriga palaciana, quem são seus autores, com quais objetivos e para obter quais efeitos? Esse segundo, talvez um problema ainda maior e mais complicado de resolver que o primeiro. No intrincado jogo do poder, quem está de fato com Lula e é leal a ele? E não é só quem não é do PT.
China
Do ponto de vista das relações do Brasil com a China, a avaliação no governo é que o episódio não teve consequência nenhuma. Foram 20 acordos assinados e outros 17 documentos para fortalecer as relações nos próximos 50 anos. Viagem muito proveitosa, avalia-se.
Interno
O problema, então, não ficou na China. Viajou de volta com Lula no avião presidencial. São questões internas. Das relações entre os integrantes mais próximos do governo. E é preciso aceitar que envolvem o papel de Janja. Há aí algo que inegavelmente desgasta Lula.
Melhor “um bando de irmãos” do que “algo de podre”
Se é imitar Shakespeare, escolha-se melhor a peça | Foto: Reprodução
Toda vez que há uma intriga envolvendo Janja, invoca-se o preconceito. Que existe. Janja não está disposta ao figurino tradicional de primeira-dama. É uma socióloga, mulher moderna, e tem opiniões. O problema fica, então, na falta de clareza do seu papel. Janja não compõe o governo Lula. Não tem cargo. Mas sua posição garante a ele presença privilegiada. Como aconteceu na China. Quando ela, então, dá uma opinião em um encontro privado, quem fala é a cidadã Janja – que somente como cidadã ali não estaria – ou o que ela diz reflete uma posição do governo? O segundo problema é mais grave: qual foi o interesse de quem vazou?
Intriga
Intriga palaciana é algo que existe sempre em qualquer governo. Não fosse assim, Shakespeare não teria justamente aí o tempero principal para as peças que escreveu, ainda no século 16, especialmente as suas tragédias. Mas intriga demais termina em tragédia.
Rui Costa
Ele nega, e não há nenhuma prova. Mas suspeita-se do ministro da Casa Civil, Rui Costa. Juntam-se aí dois personagens do entorno de Lula, então, que não estão na preferência para concurso de Miss Simpatia. Não só no Palácio, mas na Esplanada, ouvem-se reclamações.
Conveniente
O dedo para Rui Costa, assim, pode, então, ser somente conveniente. Desgasta tanto Janja quando o ministro que é considerado seco, pouco simpático e pouco educado em muitos momentos. Talvez Lula deva, então, voltar às lições do velho bardo inglês.
Citações
O que não faltam são citações em Shakespeare. Se a Corte brasileira quer se comportar como as de suas peças, que tal trocar Hamlet por Henrique V? Bem melhor Lula poder citar que “somos um bando de irmãos” que repetir que “há algo de podre no reino”.
*Rudolfo Lago é jornalista do Correio da Manhã / Brasília, foi editor do site Congreso e é diretor da Consultoria Imagem e Credibilidade.
Publicado originalmente no Correio da Manhã.
Foto de capa: Problema mais grave na história de Janja é a intriga |Marcelo Camargo/Agência Brasil
Uma resposta
O governo, de fato, vem perdendo de lavada quando a questão é a ocorrência de algo que alimente a extrema direita. Quando fatos se dão, são alimento para a oposição e não são devidamente evitados ou enfrentados, dando mostra de que a comunicação não está alinhada e, portanto, longe de ser satisfatória. Nesse cenário de intriga interna tudo fica ainda pior! Há que corrigir isso sob pena de os feitos virtuosos sucumbiram ante os deslizes e percalços eventuais.