Por LENIO LUIZ STRECK*
Muita gente da comunidade jurídica sustenta que as penas aplicadas aos golpistas do 8/1 foram excessivas, Por isso é que se formou o movimento que propõe um acordão, para aliviar a barra das centenas de golpistas presos e condenados (claro que esse movimento quer, mesmo, aliviar Bolsonaro e os demais).
Estão usando o montante das penas para negociar com a anistia, como se isso fosse possível. Pode até ocorrer, mas será uma traição à Constituição.
Um erro jurídico é dizer que o STF não apontou em detalhes as condutas individuais da massa do 8 de janeiro. E o fato de os crimes terem sido cometidos em turba seria contraditória com a condenação por associação criminosa. Tem jurista propondo até indulto parcial.
Há problemas jurídicos nas críticas. A questão do indulto ou anistia é opção política e há precedente do STF sobre isso no caso Daniel Silveira, dizendo não caber graça ou indulto para esse tipo de crime por existir vedação implícita. Afinal, nenhuma democracia pode cometer haraquiri perdoando quem lhe quis destruir. É uma contradição insuperável e desvio de finalidade do instituto.
É equivocado dizer também que o STF foi contraditório ao condenar por associação criminosa quando se trata de turba. Até porque no caso concreto a ação dos golpistas não se desenvolve apenas no dia 8; há um ajuste prévio naqueles acampamentos que clamavam por intervenção militar. Portanto, havia uma programação. Não há espontaneidade.
É claro que a associação criminosa exige uma certa permanência, mas – atenção – pelo tempo de duração dos acampamentos já se pode ver que havia uma (longa) permanência. Não foi um acampamento de um ou dois dias. Não foi algo de passagem para os golpistas.
Ora, o conceito de associação criminosa não é incompatível com crime cometido por multidão. Aliás, os autores não foram condenados aos crimes de tentativa de golpe e abolição violenta pelo fato de estarem em multidão. Isso foi utilizado para os crimes de dano. Uma coisa importante: pessoas podem se associar e nem mesmo virem a cometer o crime.
Ademais, as penas – tidas por elevadas – foram aplicadas no modus operandi com que são aplicadas penas todos os dias no Brasil. Na verdade, aplicadas no mínimo. Brasil a fora os juízes pegam mais pesado. Ficaram altas porque as penas dos crimes são elevadas, aprovadas pelo legislador e sancionadas pelo então presidente Bolsonaro. E, veja-se: trata de tentativa e de golpe e abolição da democracia. As penas não poderiam ser do quilate de uma invasão de domicílio ou de furto. São crimes graves.
Lamentavelmente, o próprio governo Lula – vítima do golpe – não se portou como vítima e afrouxou. Deixou o STF sozinho. E isso tudo acabou dando vazão a um brasileiríssimo jeitinho de conciliar. Eis aí a possibilidade de um “acordão”. Ruim. Parece que não conseguimos concluir nada neste país. Nem mesmo a punição aos que quase nos tiraram a democracia. Triste.
*Lenio Luiz Streck é jurista e professor universitário.
Foto da capa: Débora Santos pichou ‘Perdeu, mané’ na estátua da Justiça, em frente ao STF/Gabriela Biló – 8.jan.2023/Folhapress
Respostas de 3
Continuamos amassando barro, não evoluímos como nação, vamos permitir que ocorra novamente.
Com toda a certeza, não deveria haver um dia de redução nas penas desses criminosos. Passaram muito tempo atormentando a população nos seus acampamentos golpistas, patrocinados por ricos e poderosos. Tudo foi divulgado na internet.
O professor Lênio sempre lúcido e certeiro. Não conseguimos nunca livrar o País dos sopros autoritários.