Por CELSO JAPIASSU*
Os partidos de esquerda na Europa têm perdido contato com suas bases históricas, especialmente em regiões tradicionalmente operárias e populares. Em países como Portugal, Romênia e Polónia, antigas zonas de força da esquerda, têm ocorrido expressivas vitórias da extrema-direita, evidenciando uma desconexão entre o discurso da esquerda e as preocupações concretas dos eleitores. Observadores apontam uma crise de identidade e falta de direção nos partidos de esquerda, que não conseguem apresentar projetos mobilizadores ou renovar suas agendas políticas.
A extrema-direita tem conseguido captar votos entre os setores com menos rendimentos e escolaridade, mobilizados por temas como imigração, soberania nacional e rejeição à globalização.
O discurso da direita, centrado em políticas de fechamento de fronteiras, recusa do internacionalismo e crítica à “agenda verde” e ao identitarismo, tem sido mais eficaz na criação de um imaginário político.
Os sucessos históricos da esquerda, como a construção do Estado Social, criaram expectativas que, ao não serem renovadas ou ampliadas, geram frustração. Muitos eleitores sentem que as melhorias sociais estagnaram e buscam alternativas políticas que prometam mudanças mais radicais.
A incapacidade de apresentar uma nova visão de futuro ou de responder à crise social e econômica pós-pandemia também contribuiu para o desgaste dos partidos de esquerda.
Em vários países, partidos de esquerda e verdes apoiaram políticas consideradas impopulares, como o ambientalismo rigoroso, a remilitarização da Europa e a gestão dos fluxos migratórios, o que decepcionou parte do seu eleitorado.
Alianças com partidos de centro ou centro-direita, como tem ocorrido em governos de coalizão, também diluíram a identidade da esquerda e afastaram seus eleitores tradicionais.
Estagnação
A globalização e a desindustrialização afetaram negativamente setores que tradicionalmente apoiavam a esquerda. O aumento da precarização do trabalho, estagnação salarial e desigualdades sociais alimentou o ressentimento contra partidos que, no passado, eram vistos como defensores das classes médias e trabalhadoras e hoje são percebidos como parte do establishment.
A falta de líderes carismáticos e de projetos mobilizadores são alguns motivos apontados como causas do declínio da esquerda europeia. Em contraste, partidos de direita e extrema-direita têm conseguido apresentar lideranças fortes e discursos claros.
A perda de contato da esquerda com seus eleitores resulta de fatores que vão desde mudanças sociais e econômicas até falhas de liderança e comunicação. Os partidos de esquerda sofrem crise de identidade, sem propostas claras ou projetos que inspirem o eleitorado histórico. A ausência de um “sonho” ou de um discurso forte faz com que a esquerda perca relevância nas zonas onde antes era dominante, como se vê em Portugal, Romênia e Polónia, antigas fortalezas da esquerda que estão sendo conquistadas pela extrema-direita.
A esquerda enfrenta uma crise de liderança, com poucos líderes capazes de mobilizar e inspirar confiança. A falta de figuras carismáticas e de ação decidida contrasta com o perfil de líderes populistas de direita, que prometem soluções concretas e rápidas para os problemas dos cidadãos.
Os partidos de esquerda têm dificuldade em expressar e canalizar o descontentamento social, especialmente em tempos de crise, como o aumento do custo de vida e a inflação. Muitos eleitores passaram a buscar alternativas fora da esquerda tradicional, sentindo que suas preocupações não estão sendo compreendidas. As tradicionais bases de apoio da esquerda, como sindicatos e organizações ligadas aos trabalhadores, estão em declínio ou mudaram de perfil, dificultando a mobilização e o contato direto com o eleitorado operário e popular.
Insatisfação
Em vários países, partidos à esquerda sofreram desgaste por sua associação com governos de centro-esquerda (como o PS em Portugal), sendo vistos como corresponsáveis por políticas impopulares e pela insatisfação generalizada com a governação.
A extrema-direita tem conseguido usar as redes sociais de forma mais eficaz, beneficiando-se de algoritmos que favorecem discursos radicais e mobilizam especialmente os jovens. A esquerda, por outro lado, tem dificuldade em adaptar sua comunicação aos novos meios digitais, perdendo espaço no debate público.
Crises financeiras e políticas aumentaram a polarização e a desconfiança nas instituições tradicionais, levando muitos eleitores a rejeitarem partidos estabelecidos, inclusive os de esquerda, em favor de opções consideradas “antissistema” ou radicais.
Muitos eleitores de classe média sentem que seu status social está ameaçado, não necessariamente por uma piora real de suas condições, mas pela percepção de que podem perder privilégios ou segurança conquistada. Partidos populistas de direita oferecem a promessa de proteger esse status, através de uma distinção clara entre nacionais e estrangeiros. O crescente descontentamento com as elites políticas e a sensação de que partidos tradicionais não respondem às preocupações dos cidadãos levam moderados a buscar alternativas consideradas “anti-establishment”. Os populistas de direita capitalizam esse sentimento de traição e prometem devolver o poder “ao povo”. Muitos sentem que suas tradições, modos de vida e identidades locais estão ameaçados por pautas universais e cosmopolitas defendidas pela esquerda, levando-os a buscar representação em partidos que prometem defender o “povo comum” e suas raízes culturais. O tema da imigração tornou-se central no discurso populista de direita. A chegada de migrantes é apresentada como uma ameaça à economia, à segurança e à identidade nacional, o que repercute entre eleitores preocupados com mudanças culturais e competição no mercado de trabalho. A associação entre imigração e aumento da criminalidade, pressão sobre serviços públicos e perda de coesão social é explorada para angariar apoio em períodos de crise econômica.
O crescimento da polarização política e a falta de respostas convincentes dos partidos tradicionais às novas ansiedades deixam espaço para os populistas de direita preencherem com propostas simples e radicais.
Os pobres de direita
Historicamente, partidos de esquerda eram associados à defesa dos interesses das classes trabalhadoras e dos mais pobres, priorizando pautas econômicas e distributivas. Nas últimas décadas, muitos desses partidos passaram a atrair eleitores de maior escolaridade e renda, deslocando o eixo do debate para temas socioculturais e identitários (como direitos das minorias, meio ambiente e igualdade de gênero).
Esse deslocamento fez com que as demandas materiais dos mais pobres se tornassem menos visíveis nas plataformas da esquerda tradicional, gerando uma sensação de abandono entre antigos eleitores.
Para parte significativa dos eleitores de baixa renda, questões morais e religiosas — como defesa da família tradicional, ordem e segurança — têm mais peso do que propostas de redistribuição de renda ou políticas sociais. Igrejas, especialmente as pentecostais, exercem forte influência, orientando o voto por valores conservadores e minimizando a importância das políticas sociais defendidas pela esquerda.
Muitos eleitores pobres veem as pautas progressistas da esquerda como uma ameaça à “normalidade” social, à sua fé e à estrutura familiar. O discurso de inclusão e igualdade, quando percebido como distante da realidade cotidiana, pode gerar resistência e até hostilidade.
Lideranças políticas e religiosas conservadoras têm conseguido criar uma ligação emocional com os mais pobres ao se apresentarem como defensores da “gente comum” contra elites culturais e políticas. O uso de desinformação e fake news reforça a ideia de que a esquerda representa uma ameaça à moralidade e à ordem social. Muitos eleitores de baixa renda rejeitam a associação com políticas assistencialistas, preferindo se identificar com discursos de mérito, trabalho honesto e dignidade pessoal. Votar à direita pode ser visto como uma afirmação de independência e de valores próprios, e não como um voto contra os próprios interesses.
*Celso Japiassu é autor de Poente (Editora Glaciar, Lisboa, 2022), Dezessete Poemas Noturnos (Alhambra, 1992), O Último Número (Alhambra, 1986), O Itinerário dos Emigrantes (Massao Ohno, 1980), A Região dos Mitos (Folhetim, 1975), A Legião dos Suicidas (Artenova, 1972), Processo Penal (Artenova, 1969) e Texto e a Palha (Edições MP, 1965).