Por J. CARLOS DE ASSIS*
Já comentei exaustivamente as razões pelas quais considero um fetiche a obsessão do governo em equilibrar o orçamento primário ou limitar-se a fazer um pequeno déficit, como estabelecido no “arcabouço fiscal” (0,25% do PIB), para não pressionar a inflação. Vou tratar, agora, de um fetiche ainda maior que, por meio da manipulação ideológica conservadora, se propõe, no Brasil, a realização de superávits primários.
Primeiro, convém entender que o superávit primário é uma situação na qual as despesas primárias do governo – isto é, todas as despesas, menos as financeiras – são inferiores a suas receitas. Assim, quando me falam em fazer superávit primário, a primeira coisa que me ocorre é: o que fazem com esse dinheiro extra? A alegação dos conservadores é que ele serve para pagar o serviço da Dívida Pública.
Isso, contudo, coloca imediatamente duas questões. Esse dinheiro extra vem de alguns setores sociais, ou seja, da parte da sociedade que efetivamente paga impostos. Esses, em geral, não são os ricos. Os ricos detestam pagar impostos e em geral se beneficiam de subsídios e incentivos governamentais que os compensam. Portanto, o serviço da Dívida Pública, no País, está sendo financiado objetivamente pelos pobres.
A outra questão está relacionada ao fato de que esse imenso esforço que a parte pobre da sociedade está fazendo para pagar o serviço da Dívida Pública é inútil. Como a Dívida Pública cresce anualmente a taxas de juros monumentais, representadas pela Selic, crescem junto os serviços correspondentes a ela – além dos juros, a correção monetária e amortizações. Só em 2024 esses serviços atingiram quase R$ 1 trilhão.
O superávit primário lembraria, assim, um cabo de guerra entre as camadas mais pobres da população e os privilegiados que são os donos da Dívida Pública, onde os pobres sempre perdem. Mas eles não perderiam só nisso. Para se chegar ao superávit primário, o Governo teria que percorrer um longo caminho de cortes no orçamento primário, onde estão inscritas as principais despesas de interesse do povo.
Deixando de lado as despesas constitucionalmente obrigatórias (não discricionárias), como saúde, educação e Previdência, são de extrema importância para o povo investimentos em infraestrutura, como o PAC; em projetos como Minha Casa Minha Vida; em saneamento básico; em assistência social, como o Bolsa Família, todos representando funções essenciais do Estado que em geral refletem compromissos do Executivo nas campanhas eleitorais.
Contudo, ainda não é nesse ponto que a realização de superávits primários constitui um passo significativo para a regressão da economia e da sociedade em termos absolutos. É no seu efeito na queda do PIB. Quando retira recursos (meio circulante) da economia mais do que lhe devolve mediante a criação de moeda nova, a fim de fazer superávit primário, o Governo na verdade está reduzindo o potencial de crescimento do PIB.
De fato, a economia só funciona de forma eficiente se houver meio circulante disponível. Se o Governo, através da política fiscal, retirar parte do meio circulante para fazer superávit primário, ele dará uma trava na economia, por falta de liquidez. Com isso, todos os setores, exceto o dos especuladores do mercado financeiro, serão afetados. Esses, na verdade, serão beneficiados, pois a liquidez mais baixa contribui para o aumento da taxa de juros.
Publicado originalmente na “Tribuna da Imprensa” online.
*J. Carlos de Assis é jornalista, economista, doutor em Engenharia de Produção, professor aposentado de Economia Política da UEPB, e atualmente economista chefe do Grupo Videirainvest-Agroviva e editor chefe do jornal online “Tribuna da Imprensa”, a ser relançado brevemente.
Foto de capa: Reprodução
Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.