Por HENRIQUE PEREIRA*
A fumaça branca subiu, e com ela o mundo assistiu ao improvável: o primeiro papa norte-americano da história. Um homem vindo da terra dos magnatas da tecnologia, da pátria dos bilionários — como dizemos aqui na Interlig — que comandam as engrenagens da Inteligência Artificial, das fortunas acumuladas sem empatia e da política agressiva de Donald Trump. Mas também um homem que, antes de chegar ao Vaticano, pisou o chão da América Latina, viveu no Peru, ouviu as vozes dos povos invisibilizados e se deixou tocar pelas dores e esperanças do Sul global.
Inspirado em Leão XIII, o pontífice que, no final do século XIX, ousou falar de justiça social, salário justo e organização dos trabalhadores, este novo Papa carrega um desafio hercúleo: ser ponte entre mundos que parecem intransponíveis.
De um lado, os gigantes da tecnologia, prontos a explorar cada byte de nossas vidas, dispostos a transformar dados em ouro, humanos em algoritmos, trabalho em obsolescência. Do outro, os milhões de invisíveis, explorados, precários, expulsos das mesas do banquete tecnológico, sobrevivendo à sombra das promessas da modernidade.
Que voz terá o Papa? Que evangelho ecoará de sua boca?
Tudo indica que ele escolherá o caminho da ética, da denúncia velada, da diplomacia corajosa. Não será o profeta incendiário das praças, mas também não será o cúmplice silencioso das elites. Falará da dignidade humana, da necessidade de colocar a tecnologia a serviço da vida, da urgência de regular os excessos do capital. Mas talvez o faça com as palavras da conciliação, e não da ruptura.
Será crítico da ganância, mas cuidadoso ao criticar os gananciosos. Será solidário aos pobres, mas sem chamar pelo nome os exploradores. Será a consciência ética de um mundo que precisa desesperadamente lembrar que os algoritmos não têm alma, que a IA não pode substituir o humano, que os pobres não podem ser apenas dados estatísticos.
Vindo da América do Norte, mas com o coração moldado nas terras latino-americanas, esse Papa carrega a marca da contradição – e talvez aí resida sua potência. Porque ninguém entende tão bem as feridas da desigualdade quanto quem as viu de perto, e ninguém sabe o peso do poder quanto quem nasceu sob sua sombra.
Diante de Trump e dos seus seguidores, ele será a voz suave da compaixão, mas firme contra o ódio. Diante das big techs, será o lembrete incômodo de que o futuro não pode ser construído à custa dos descartáveis. Diante do Sul global, será o homem branco que ousa escutar, o gringo que aprendeu a valorizar a sabedoria popular, o poder da organização coletiva, a teimosia da esperança dos pobres.
Este Papa é uma oportunidade e um enigma. Não deve ser o revolucionário que muitos esperam, mas poderá ser o freio ético de um mundo em vertigem. E, para os que lutam por justiça social, será, no mínimo, um aliado parcial — e, quem sabe, um inesperado abridor de caminhos.
E, como diria meu amigo, o mestre Olívio Dutra, “nossa luta é para que as pessoas sejam sujeitos da sua própria história, e não apenas coadjuvantes.” Que assim seja.
*Henrique Pereira é publicitário, fundador e diretor da Interlig Comunicação Sindical e Popular.
Foto de capa: IA
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Adorei