Sociocapitalismo: a nova ordem pós-luta de classes no Brasil e no mundo

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Por J. CARLOS DE ASSIS*

As sociedades não costumam perceber mudanças de eras no momento em que ocorrem. Em geral, ficam prisioneiras de situações passadas, acorrentadas a forças conservadoras de direita e de esquerda, que só deixam de influir no presente quando estão esgotadas. É o que acontece, hoje, com o capitalismo degenerado e com o socialismo, este vitorioso na China, mas reduzidoali a capitalismo de Estado em termos sociais.

Estamos às vésperas da superação desses dois sistemas esgotados. Os sinais disso são manifestações concretas de inconformismo social com aspectos das sociedades que tornaram insuportável a vida para bilhões de cidadãos e cidadãs do mundo, que subsistem na miséria enquanto uns poucos se locupletam de bilhões de dólares extraídos da mais valia ou do lucro produzidos pelas classes trabalhadoras.

Um desses bilionários acabou de dar uma festa fechando literalmente para si a cidade de Veneza. É um acinte. Uma provocação. O mais revoltante é que sabemos que a riqueza acumulada por esses privilegiados extravagantes resulta ou da trocainútil de papéis no sistema financeiro especulativo, sem conexão com a produção real, ou da fabricação e do comércio de armas, para o que concorrem estimulando guerras como as de Ucrânia e Gaza. É contra isso que se moverá a nova sociedade.

O que prenuncia a nova era é o trabalho solidário em suas diferentes formas não capitalistas, a partir da cooperação entre os próprios agentes da produção. Contudo, o passo definitivo será o Sociocapitalismo, que é uma síntese em nível superior do capitalismo e do socialismo real. O embrião desse novo sistema, no Brasil, são os Arranjos Produtivos Territoriais  e Vocacionais. Ele integram, num mesmo sistema produtivo, elementos do capitalismo (a Sociedade Anônima) e do socialismo (o trabalho solidário). 

Isso só é possível em razão da evolução e amadurecimento em geral das forças produtivas. Em termos objetivos, os trabalhadores já podem, coletivamente, assumir o controle dos empreendimentos empresariais em que atuam, independentemente de patrões individuais. Participando de Sociedades Anônimas, na qualidade de acionistas, tornam-se donos e controladores do capital e de si mesmos.

Os Arranjos Territoriais e Vocacionais constituem, assim, a pedra angular de um sistema onde a luta de classes perderá sentido. Naturalmente, na condição de acionista, o trabalhador não vai lutar contra si mesmo. Embalado pelo trabalho cooperativo, vai explorar ao máximo as oportunidades abertas nos territórios e setores onde atua, e oferecer o melhor deles mesmos para melhorar as condições coletivas de trabalho, de vida e de remuneração.

Por certo que não se chegará a uma situação como essa de um dia para a noite, e nem que não haja possibilidade de rejeição pelos próprios trabalhadores do novo modelo de trabalho. Alguns preferirão se manter na situação de empregados, que os coloca na condição objetiva de explorados pelos patrões, mas que em compensação os livra das responsabilidades pela tomada de decisões em relação aos objetivos das empresas e a suas operações.

Entretanto, a História não se faz de uma vez. É vendo as experiências recíprocas dos Arranjos Produtivos, e acompanhando o processo de sua administração pelos próprios trabalhadores, que se poderá tirar conclusões concretas sobre seu êxito.Um fato é real. Qualquer avaliação preliminar de que trabalhador não tem competência para gerir uma empresa não passa de preconceito. É através de trabalhadores que os patrões administram seus empreendimentos.

Além disso, os Arranjos poderão contar em seus quadros com consultores e especialistas que os ajudem a administrar para o coletivo, como os capitalistas fazem atualmente em favor de seus negócios individuais. Certos riscos devem ser evitados já na criação do Arranjo. Por exemplo, não se pode deixar por conta de uma gestão circunstancial decisões relativas, por exemplo, à destinação do lucro anual. Isso tem que ser estabelecido pela unanimidade dos sócios-trabalhadores no estatuto. Do contrário, uma administração irresponsável de um Arranjo pode decidir distribuir todo o lucro sem acumular nada para novos investimentos. 

Não há limite de tamanho para criação de Arranjos Produtivos. Pequenas, médias, grandes ou mega empresas podem perfeitamente ser geridas por seus próprios trabalhadores. Da mesma forma mencionada acima, diretores e gerentes podem ser contratados pela Diretoria Executiva eleita da Sociedade Anônima, que substitui o patrão. Outro aspecto importante é que um código de ética estabeleça critérios para relações internas e externas dos participantes no empreendimento.

Talvez ainda mais relevante seja o fato de que a produtividade num Arranjo Produtivo, em relação a uma empresa comum, é muito maior, assim como o lucro a ser dividido, pois os trabalhadores ficam mais motivados devido a sua condição de acionistas. Eles terão a certeza de que, sobcontrole de suas ações, os dividendos resultantes serão transferidos a eles de forma mais justa e equânime, com as proporções estabelecidas em estatuto.  

Enfim, não pretendo esgotar esse tema do Sociocapitalismo hoje. Voltarei a ele seguidamente, na medida em que achar que não está sendo compreendido pela opinião pública, que esteja sendo distorcido pela influência das ideologias de esquerda descoladas da realidade objetiva, ou que esteja sofrendo ataques dos tubarões do “andar de cima” inconformados com as perspectivas que anunciamos da perda de seus privilégios econômicos e financeiros na nova sociedade.


*J. Carlos de Assis é jornalista, economista, doutor em Engenharia de Produção, professor aposentado de Economia Política da UEPB, e atualmente economista chefe do Grupo Videirainvest-Agroviva e editor chefe do jornal online “Tribuna da Imprensa”, a ser relançado brevemente.

Foto de capa: Reprodução /A

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