Reflexões sobre o conflito no Oriente Médio

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Por JOSÉ FORTUNATI*

 

“Vais meter a mão no abelheiro”, alertou um interlocutor quando falei que pretendia escrever algumas reflexões sobre a crise permanente e humanitária que vivem os povos, especialmente no que diz respeito aos palestinos e aos israelenses. Tenho plena consciência da complexidade do tema, pois basta ingressar nas redes sociais e constatar defesas completamente antagônicas, muitas baseadas em fatos reais, e outras, repetindo inverdades e aumentando o discurso do ódio nos dois campos.

Impossível para quem vive a causa pública não falar sobre esse conflito, especialmente onde neste porto que me acolheu desde a juventude, convivem as duas comunidades absolutamente enraizadas que vêm criando há décadas a prosperidade cultural, social e econômica, o que também é reproduzido em algumas cidades do interior gaúcho. Por ter administrado Porto Alegre por duas ocasiões e sempre convivido com as duas etnias, na condição de Prefeito visitamos, eu e a Regina, o estado de Israel e a Cisjordânia, em fevereiro de 2012, a convite dos dois governos.

Em 2011, entre tantas agendas com Embaixador da Palestina, Ibrahim Alzeden, amigo de vários anos, em nome da Autoridade Nacional Palestina foi formalizado o convite para visitar a Palestina, um propósito antigo em conhecer mais profundamente o Oriente Médio. Aproveitando a ocasião, entendi ser oportuno também visitar Israel, e com o amigo Henry Chmelnitsky, na época vice-presidente da CONIB – Confederação Israelita do Brasil, a programação se estendeu. Iniciamos, em fevereiro de 2012 uma viagem de 5 dias por várias cidades palestinas, entre elas Belém, Hebron, Jericó, situadas na Cisjordânia e na capital Ramalah, foi assinado o Protocolo de Amizade.

Na sequência nos deslocamos para Israel; visitamos Tel Aviv, Jerusalém e firmamos um Protocolo de Amizade com a cidade de Haifa. Foi um giro impactante pelas oportunidades que nos foram criadas para melhor conhecer as populações dos dois países, suas crenças, suas culturas, suas culinárias, e o que pensam sobre o histórico conflito que assola corpos e mentes, sem até hoje chegarem a um acordo.

No lado palestino, além de encontrar vários amigos que moraram em Porto Alegre como a família Bacri, vimos a forma inadequada e violenta como o governo de Israel trata o povo palestino, com a ocupação de território da Cisjordânia criando, por exemplo, assentamentos de colonos-judeus que vêm de outros países e passam a formar pequenos núcleos em território palestino, muitas vezes interrompendo rodovias e que obrigam o uso de estradas vicinais, sem asfaltamento, aumentando o trajeto consideravelmente. Cruzamos inúmeros “checkpoints” ou “pontos de verificação” de documentos que dividem as cidades da Cisjordânia de Israel, onde a prepotência dos militares israelense aparece com toda a forma e os palestinos permanecem parados em fila, horas e horas aguardando a autorização para adentrar em território israelense. Tivemos, sim, a oportunidade de conviver com um povo alegre, muito espiritualizado, acolhedor e desejoso de uma paz duradoura, sufocados pela impossibilidade de um entendimento mínimo.

No lado israelense foi o deslumbre dos locais crísticos, dos percursos de Jesus, da tradição da fé, da indescritível energia do muro das lamentações, da generosa recepção de empresários, da oportunidade de conhecer o alto comando de proteção do país e das reuniões com várias entidades e personalidades judaicas que também desejam a paz e lutam diariamente para que o governo lidere um movimento de amplo entendimento que pressupõe a criação do Estado Palestino, e “porquê não?”.

Encontramos nos dois lados, militantes sectarizados pelo embate histórico e pessoas que entendem que “o outro lado” deveria ser dizimado.

No lado palestino ficou visível essa mágoa enraizada e rancor com muita força, principalmente pela posição do Hamas que tem entre as suas principais bandeiras a liquidação do Estado de Israel. No lado israelense encontramos os partidos mais à direita, que hoje dão sustentação ao governo do governo de Netanyahu, como o Partido Sionista Religioso, que defende abertamente a expulsão dos palestinos da Faixa de Gaza e de toda Cisjordânia. A surpresa foi constatar o número de entidades e pessoas em Israel que há muito trabalham pela paz e pela criação do estado palestino, o que permite a afirmação de que o que encontramos em Israel foi uma polarização política muito parecida com o que temos no Brasil, atualmente.

Deixamos Israel com a clara percepção de que naquele momento a maioria da população judaica desejava um acordo de paz, resultante da criação de um estado palestino.

Como não sou historiador não pretendo entrar em minúcias do longo conflito, e nem é este o objetivo deste pequeno artigo, faço uma rápida digressão histórica para contextualizar os fatos. O Estado de Israel surge após a Segunda Guerra Mundial através de uma resolução da ONU em novembro de 1947, em um plano para dividir a região da Palestina (antiga palestina romana) entre Israel e um estado que reunisse a população local de língua árabe, onde 53,5% do território seriam destinados ao Estado de Israel e 45,5% seriam destinados aos árabes, para a Palestina.

A cidade de Jerusalém, reivindicada como capital nacional por ambos os povos, a proposta previa que seria ela controlada por agentes internacionais para que todos tivessem pleno acesso aos locais e monumentos religiosos. O Estado de Israel foi oficialmente criado em 14 de maio de 1948, e, diante da não aceitação dos árabes, foi deflagrada a Primeira Guerra Árabe-Israelense (1948-1949). Após o fim do conflito, Israel passou a dominar 77% das áreas que haviam sido atribuídas a Palestina, obrigando a mais de 750 mil palestinos de saírem de suas terras. Em 14 de outubro de 1974, a Organização de Libertação da Palestina – OLP, foi reconhecida como representante do povo palestino. Em 29 de novembro de 2012, a Assembleia Geral da ONU concedeu à Palestina o status de “Estado Observador Não Membro” e em 17 de dezembro de 2012, a ONU decidiu que a designação de “Estado da Palestina” deveria ser usada pelo Secretariado da ONU em todos os documentos oficiais das Nações Unidas. Neste período tivemos uma série de conflitos bastante sérios. De lá para cá, uma série deles têm norteado as relações entre os governos de Israel e da Palestina.

Desejo refletir sobre o atual, cujo início foi em 07 de outubro de 2023, quando o mundo recebeu a informação de que uma série de atentados coordenados pelo grupo islâmico palestino Hamas, da Faixa de Gaza, perpetrados nas áreas fronteiriças do sul de Israel, numa manhã de ”shaabeat”, feriado judaico. Os ataques começaram no início da manhã com o lançamento de mais de 4 mil foguetes contra Israel e incursões militares em território israelense matando jovens que se divertiam dançando num festival de música, surpreendidos com um ataque dos militantes do Hamas que, segundo os relatos, agrediram, estupraram e mataram muitos bebês, crianças, jovens, mulheres e homens, além de tornarem reféns mais de uma centena deles. Ao mesmo tempo, o Hamas invadia Israel através de várias frentes matando civis e fazendo reféns em comunidades agrárias coletivas, os “kibutzim”, algumas que se localizam próximas a Faixa de Gaza. Segundo dados do governo de Israel, pelo menos 1.400 israelenses foram mortos, incluindo 1.033 civis, 275 soldados e 58 policiais. Além disso, mais de 3.400 ficaram feridos e 247 soldados e civis foram feitos reféns.

Ao contrário dos que acreditam que a invasão do Hamas ao território israelense foi “histórica”, ou aos que defendem o ataque como uma “resposta necessária” ao controle militar israelense sobre Gaza e a Cisjordânia, entendo que foi um erro estratégico absurdo, pois, segundo a minha compreensão, traz o requinte de um ato terrorista e covarde contra uma população civil, que certamente era composta por defensores da criação do Estado da Palestina, tese muito presente entre os jovens israelenses e os moradores dos Kibutzim.

O triste e injustificado fato deu as razões para o então combalido primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, de extrema-direita, se recompor e iniciar uma verdadeira batalha genocida contra a Faixa de Gaza, que se notabiliza como a mais feroz resposta militar desde a criação de Israel , e que resultou, até o momento, segundo dados do Ministério da Saúde de Gaza, em mais de 45 mil palestinos mortos, mais de 107 mil feridos, sendo que 2 milhões e 300 mil pessoas tiveram que abandonar as suas casas e vivem em tendas improvisadas, sem água potável, sem comida suficiente e com um sistema de saúde praticamente inexistente.

Se não concordo com a tese de “invasão histórica” do Hamas a Israel, também não embarco na tese de que foi apenas uma “provocação barata”. Estamos diante de uma organização revolucionária extremamente armada que sabe muito bem o que almeja e conhece, como ninguém, a força do Exército Israelense. Entre tantas possibilidades, destaco duas que me parecem verossímeis: no período em que o Hamas decidiu invadir Israel, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu estava com baixa popularidade e Israel vivenciava manifestações gigantescas questionando o seu governo, momento em que a sua credibilidade junto aos israelenses era uma das piores da história. Sua queda política era considerada certa no próximo processo eleitoral. Para o Hamas é mais confortável ter como inimigo um governo de extrema-direita ao enfrentamento do que um governante de centro-esquerda, que certamente estaria disposto a abrir negociações com a Autoridade Nacional Palestina.

Também é necessário recordar que Israel estava costurando um grande e histórico acordo com a Arábia Saudita, o que representaria um novo avanço político de Israel em relação ao mundo árabe. De forma clara Netanyahu volta à tona e deflagra a guerra contra o Hamas e se fortalece internamente. Com a guerra, o acordo de Israel com a Arábia Saudita foi para o espaço, congelando, também, os acordos já firmados com Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Marrocos e Sudão.

Infelizmente, além da guerra de Israel em Gaza ter “características de genocídio”, como aponta a ONU, o conflito também se expandiu para outros países do Oriente Médio, alcançando o Líbano, Irã, Iêmen, entre outros, trazendo o receio de que isto possa vir a impulsionar uma nova guerra mundial.

A cada ano qu passa, percebe-se que diminuí de forma vertiginosa a possibilidade de um acordo de paz entre israelenses e palestinos. Desde os acordos firmados em Oslo, capital da Noruega, em 1993, entre o governo de Israel e a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), tendo à frente os líderes de Israel, Yitzhak Rabin, e da OLP, Yasser Arafat, nenhuma outra negociação conseguiu avançar na construção de uma proposta definitiva para a paz. De um lado o governo de Israel incentivando a criação de assentamentos de judeus dentro dos territórios da Cisjordânia e, de outro, o Hamas, juntamente com outros grupos de países próximos, fustigando de forma permanente, com o lançamento de foguetes, o Estado de Israel. É importante lembrar que a Corte Internacional de Justiça, principal órgão judiciário das Nações Unidas – ONU, considera ilegal a ocupação por Israel de territórios palestinos e indicou que o país tem a obrigação de encerrá-la o mais rápido possível, além de reparar os danos causados aos palestinos.

Infelizmente a ação terrorista do Hamas em 07 de outubro de 2023 e a resposta genocida das tropas israelenses sobre a Faixa de Gaza afastam qualquer possibilidade de um acordo de paz neste momento. É fundamental que tenhamos um cessar-fogo permanente, a imediata devolução dos reféns que estão nas mãos do Hamas e a demarcação de um Estado da Palestina independente e viável, convivendo lado a lado com Israel em paz e segurança dentro das fronteiras de 1967, o que inclui a Faixa de Gaza e a Cisjordânia, tendo Jerusalém Oriental como sua capital.

Este é o meu desejo e de milhões de pessoas pelo mundo afora. Mas, enquanto a guerra não tiver cessado e os países que compõe o Conselho de Segurança das Nações Unidas não acenarem com uma proposta única em que os requisitos acima estejam consolidados, o conflito entre os dois povos permanecerá causando mortes especialmente de crianças inocentes, a tensão permanente em todo o Oriente Médio e a insegurança para os dois povos, perpetuando a dor, a fome e desespero de milhões de inocentes.

 

 

*José Fortunati, foi Prefeito de Porto Alegre (2 mandatos), Deputado Federal e Secretário de Estado da Educação do RS

Foto da capa:Reuters

Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

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