Observações sobre a conjuntura

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Por JOÃO CARLOS BRUM TORRES*

Exposição no Debate Plural – RED/Brasil Progressista/Radio Cultural FM EM 09/05/2025.

Conjuntura é um termo genérico, mas usualmente faz referência ao quadro político e econômico vigente em um determinado período e em uma circunscrição política, seja municipal, estadual, nacional ou internacional. Nesta intervenção limito-me a fazer duas ou três observações sobre as conjunturas internacional e nacional. Essas observações não pretendem analisar minunciosamente os muitos eventos e os múltiplos e diferenciados processos dos quais resulta a figura geral da conjuntura nesses dois âmbitos, mas visam simplesmente chamar atenção para algumas lições que me parecem estar sendo minimizadas nos comentários usuais sobre o tempo que estamos a viver neste primeiro quartel do século XXI.

  1. No plano internacional a figura maior da conjuntura é o Governo Trump, esses 90 dias que abalaram o mundo de um modo que, embora tenha conteúdo e sentido absolutamente diferente, quantitativamente, na escala dos efeitos imediatos sobre a geopolítica mundial, parece-me ser um evento de porte comparável aos produzidos quando da queda do muro de Berlim. Para entender bem esse ponto, é preciso deixar em segundo plano, não só o quadro anedótico que caracteriza o ator principal do evento, a cafonice, a baixa teatralidade, a variação contínua e irresponsável das falas do ator principal, de Trump, mas também a ênfase exclusiva que o pensamento neoliberal dá para a sequência do que, vertidos os termos ao nosso português, as iniciativas trumpistas seriam os repetidos tiros no pé do personagem. E deixar brevemente em segundo plano também a denúncia dos preconceitos que constituem parte das campanhas anti imigração e imigrantes e, mais assumidamente, a campanha anti woke e anti acadêmica. E, por fim, em vista do entendimento das origens do quadro de mudanças profundas em que estamos a meio, é preciso também, por um instante, levantar os olhos da desconstrução do Estado democrático de direito nos Estados Unidos que Trump está começando a fazer.
    Creio que essa breve suspensão analítica das linhas críticas que dão e que devem dar sustentação aos confrontos políticos a serem assumidos e desenvolvidos nesta é decisiva para que sejam levados na devida conta o que estou chamando de determinantes estruturais do quadro internacional em que nos encontramos.
    Ressalte-se: eu disse ‘prestar atenção’ e usei essa expressão porque, afinal, esses determinantes estruturais estão diante de nossos olhos, embora a relação deles com a conjuntura atual pareça não ser vista, como se toda a paisagem política internacional estivesse fora de foco.
    O que quero dizer é muito óbvio: simplesmente que o resultado dos quase cinquenta anos de globalização e de hegemonia neoliberal tiveram vencedores e perdedores e que o grande vencedor foi a China e o grande perdedor os Estados Unidos. E isso, como a história ensina, é um caso de alteração na relação de força de impérios com as entidades políticas que lhe são direita ou indiretamente subordinadas, seja no nível político em sentido estrito, seja no domínio mais amplo e difuso da supremacia econômica, fatores e condicionantes estes que têm sempre consequências de grande alcance. Impérios ameaçados necessariamente reagem, alguns por longo tempo.
    Não vou me alongar na enumeração das evidências da vitória da China: em torno de 700 milhões de chineses retirados da linha de pobreza e integrados em uma economia de consumo moderna; modernização e construção de infraestruturas em velocidade e qualidade sem equivalentes históricos; o maior PIB do mundo, se calculado pelo poder de compra, e o segundo se calculado em dólares; os maiores fluxos de importação e exportação da economia internacional, etc. A derrota americana é mais indireta, afinal os Estados Unidos continuam a ter o maior PIB do mundo se avaliado em dólares; o país é, de longe, a maior potência militar da terra; sua economia não está estagnada, embora cresça em taxas relativamente modestas, e a América, como maniaticamente diz o Trump, continua a ser o centro financeiro do mundo e a vanguarda do desenvolvimento tecnológico em praticamente todas as frentes de inovação. Mas, é preciso ter em conta, em contrapartida, que a desindustrialização em grande escala é um fato, que a relação da dívida pública americana com o respectivo PIB passou de 35% em 1980 a 123% em 2023 e que hoje alcança 27 trilhões de dólares; que a concentração de renda aumentou enormemente, o coeficiente de desigualdade GINI tendo subido de 0,40 em 1980 para 0,49 em 2024 , sem falar da pobreza urbana cada vez mais ostensiva e no generalizado o sentimento de que as novas gerações terão condições de vida piores do que a de seus pais, o que é uma reversão completa do velho sonho americano.
    Mas o que mais me importa salientar aqui são as relações que esse cenário geoeconômico global tem com a conjuntura presente.
    Em primeiro lugar insisto em que ele torna visível a evidência reprimida e assim esquecida de que os padrões de estruturação econômica das relações sociais não funcionam com as leis da física, mas que são plásticos, dependentes de decisões humanas. Ponto este que me parece fundamental por implicar o desmentido do famoso e reinante dito da rainha do neoliberalismo, Margaretn Thatcher: a de que não há alternativa ao e no capitalismo. Ressalto a importância desse ponto porque no Brasil essa posição tem sido um dogma omnipresente nos grandes órgãos de formação da opinião pública e na maioria dos intérpretes da economia brasileira. Fato este que não só ridicularizou e tirou qualquer viabilidade de toda e qualquer tentativa de reorientação do desenvolvimento econômico brasileiro, mas também bloqueou o próprio reconhecimento da mediocridade do nosso crescimento nos últimos 40 anos.
    O que quero dizer é que na conjuntura presente, por efeito das decisões de Trump, voltou a ficar claro que a economia não funciona necessariamente inercialmente, pela ação pura da dinâmica dos mercados e pela redução das ações de governo ao atendimento das demandas desses mesmos mercados. Vemos evidência disso, não só nos Estados Unidos, mas também, por exemplo, na Alemanha onde acaba de ter início uma ação voltada à recuperação do dinamismo tradicional da economia germânica, assim como já há bastante tempo se podia ver no exuberante capitalismo de estado chinês, ou no caso da Koreia. O que, não fora a cortina de fumaça com que os êxitos da globalização cobriram o mundo nos últimos 40 anos, desde sempre poderia ter sido visto: o fato claro que construir um país não é um movimento inercial, mas é uma tarefa, uma tarefa que podemos realizar de modo inconsciente ou displicentemente mas que, não obstante isso, não deixa de ser nossa tarefa e nossa responsabilidade.
  2. Mas não é só isso. É preciso rapidamente perceber também que as mudanças provocadas pelo enfraquecimento desse dogma em função do desarranjo provocado pelas políticas de Trump no desenho das relações político-econômicas internacionais tem reflexos também fora dos países centrais. E é sobre isso que digo agora mais uma palavra.
    É que às vezes, de maneira altamente paradoxal e surpreendente, essas mudanças de escala global tem reflexos e efeitos inesperados. Um deles, e é sobre ele que quero agora deter-me, é o caso ocorrido entre nós nesta semana, quando os representantes maiores do nosso conservadorismo, os senhores Ciro Nogueira e Antônio Rueda declararem, ao ensejo da criação da federação criada com o nome de União Progressista ― fusão do PP, cujo antecessor remoto é a Arena, com o União Brasil, cujo antecessor mais importante é o PFL ― que se a redemocratização de nosso país foi um grande avanço, do ponto de vista econômico ela foi “um fiasco”, declaração então justificada pelo registro de que nas últimas quatro décadas enquanto a China cresceu 3000% e a Índia 1000%, nós crescemos a ….167%!
    Aqui importa menos a veleidade, quem sabe a vontade de retomar dinamicamente o crescimento econômico do país que a nova Federação partidária declara. Menos ainda quero criticar em detalhe o diagnóstico contido no lançamento da referida União progressista: o de que o que eles denominam nosso fiasco se deve à alta participação da carga tributária nacional vis-a-vis de nosso PIB, 30% sendo declarado por eles como algo inaceitável.
    Antes de mais, quero enfatizar como essa declaração, vinda de quem vem, representa uma exceção surpreendente e gritante no contexto das coordenadas hegemônicas do nosso sistema político e também no sistema de comunicação social, sendo muito provável que, embora publicada em artigo assinado na Folha de São Paulo, passe desapercebida na cena nacional, subavaliada seja nos órgãos tradicionais de formação da opinião pública, seja nessa arena descontrolada das redes sociais.
    Mas importa-me também ao sublinhar o que há de verdade na afirmação da insuficiência e mediocridade de nosso crescimento nos últimos 40 anos, lembrar que esses prejuízos têm como contraface o fato de que, no curso da redemocratização do Brasil, compreendendo, ainda que implicitamente, herança maldita deixada pelo escravismo que vigeu no Brasil até o fim do século XIX, nossos constituintes e os governos que se sucederam desde então decidiram e, em linhas gerais, perseveraram, convictamente ou não, no trabalho de criação e consolidação de um Estado de Bem estar social em um país de renda média, iniciativa de grande ousadia, envergadura e responsabilidade histórica de que o INSS, o SUS e os programas sociais criados pelo PT, como o Bolsa Família, como o Minha Casa Minha vida, o Benefício da Prestação Continuada, o lento aumento do valor real do salário mínimo dão testemunho e que, apesar de suas limitações e deficiências, devem ser considerados como honrando a história de nosso país.
    Mas é preciso não deixar de reconhecer que essa decisão e essa obra positiva e nobre de nossa história recente, teve como contrapartida a importantíssima queda da participação dos investimentos públicos no agregado da conta macroeconômica de investimentos do país, o que é certamente um dos fatores que explicam a mediocridade do crescimento da economia brasileira nos últimos quarenta anos Certamente esse não é o único fator a explicar porque vimos patinando há já tanto tempo, pois há outros do quais menciono aqui alguns dos mais evidentes, como a disfuncionalidade do gasto público que tem casos gritantes como a baixa eficácia das grandes despesas que vimos tendo na área da educação, a ineficácia estrutural dos muitos gastos tributários destinados a promoção do desenvolvimento, ou o exagero do custo global de nosso sistema judiciário, anomalia impressionante se considerado em função dos padrões internacionais.
    No contexto das observações que estou agora a fazer, não é possível detalhar esses comentários e submetê-lo ao cotejo com as evidências contábeis e de diagnóstico mais acurado que se pode fazer sobre o desenvolvimento brasileiro. Baste aqui primeiro lembrar que nenhum dos Estados de bem estar social criados em países de grande população exigiu cargas tributárias inferiores a 40% do PIB por longos períodos. Em segundo lugar, e atribuindo a esse ponto o principal destes comentários, quero insistir em que o desafio maior que nosso país tem pela frente, o desafio que nós os brasileiros temos ante nós é o de preservar os avanços sociais que temos conseguido conciliando-os com a geração dos meios necessários para aproveitar e multiplicar a evidente disposição de nosso povo de alcançar níveis de prosperidade muito maiores que os atuais e de fazer o trabalho necessário para tanto, como meridiana e concretamente vemos nestes dias no dinamismo manifesto em nossa experiência quotidiana desta sequência de aumento do PIB de 3% em três anos consecutivos. Taxas certamente muito distantes das chinesas, mas que são suficientes para mostrar que o Brasil, que o povo brasileiro anseia por crescer e que as taxas de juros mais altas do mundo apoiadas no diagnóstico que o Brasil não tem condições de crescer 3% ao ano é algo mais do que triste, trágico, um destino cuja inexorabilidade nos é apresentada cada dia e que deve ser tido como o inimigo a vencer.
    Essa vitória e esse inimigo não tem por objeto propriamente o Banco Central, ainda que talvez caiba revisar seus parâmetros de atuação, mas consiste (i) na superação do baixo impacto do gasto público no aumento da produtividade do país, (ii) no crescimento da carga tributária necessária para recuperar a capacidade de investimento do setor público de modo a (iii) poder conciliar a preservação de nosso valioso, ainda que sob muito aspectos precário, estado de bem estar social com a inteligência necessária para aproveitar as oportunidades que a mudança nos parâmetros geopolíticos destes dias abrem para nosso país, notadamente nossa posição privilegiada com relação à transição global para uma economia de baixo carbono.

Assista aqui:


Foto de capa: Divulgação

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