O Que Se Espera da Universidade?

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Por LINCOLN PENNA*

A pergunta que dá título a esse ensaio é recorrente. Já nos primeiros anos da década de 1960 era comum que se indagasse sobre o que devemos esperar do papel da universidade numa sociedade que parecia acordar para a necessidade de mudanças estruturais, cuja política de Reformas de Base do presidente João Goulart representaria um passo inicial para esse processo transformador.

Mesmo no início do regime implantado pelo golpe em 1964, a universidade sem se intimidar acolhia a demanda para integrar um movimento que a fez um dos focos de resistência dos primeiros passos de uma opressão que culminaria com a edição do Ato Institucional de 13 de dezembro de 1968, o famigerado A.I – 5. Ao silenciar sua voz e quebrar sistematicamente a sua autonomia, mesmo assim a universidade não se curvaria e seus corpos docente e discente reagiram com destemor às constantes ameaças e repressões ceifando seus quadros e reduzindo sua função de instrumento estratégico ao substituí-los por quadros burocráticos a serviço de um projeto desenvolvimentista ao sabor do grande capital.

De início, o objetivo do regime militar e empresarial consistia na tentativa de subordinar a universidade de modo a integrá-la ao referido projeto. Como não foi possível garantir uma confiabilidade dessa suposta adesão pretendida, os ideólogos que tramaram os golpes de estado na América Latina, principalmente despertado pelo que ocorrera em Cuba em 1959, passaram a identificar a universidade e as manifestações culturais em geral como áreas onde prosperariam a prosperar, segundo eles, os núcleos monitorados pelo que batizaram de “marxismo cultural”.

Agora, mais recentemente, o vice-presidente dos EUA, James Vance, tem desferido constantes acusações às principais universidades de seu país acusando-as de fomentarem manifestações que contrariariam a própria essência da democracia (?), num de seus ataques ao papel que elas desempenham, que para Vance não está senão abrigando tendências que seriam intoleráveis. Claro está que essa atitude frontal contra as universidades que sustentam a sua autonomia tem o aval absoluto da presidência de Trump e de seus mais próximos colaboradores.

Esse é um dos elementos que constante da estratégia anteriormente construída pelo marqueteiro da primeira campanha eleitoral de Donald Trump, o indigitado Steve Bannon, assim como o filósofo brasileiro Olavo de Carvalho, influente formador de opinião de Jair Bolsonaro. Contudo, há que acrescentar toda sorte de atividades voltadas para reflexão sobre os problemas da realidade. Assim, as peças teatrais, o cinema a expor mazelas e desafios enfrentados seja no passado mais remoto ou recente, bem como a literatura e a imprensa como formadoras de opinião têm sido alvos de seguidos contratempos por parte de segmentos antidemocráticos.

Ao se referir mais frequentemente ao fascismo, tanto intelectuais quanto analistas opinativos em suas colunas e nas demais redes sociais nada mais fazem do que se referir a uma ameaça concreta, dado que o que vem acontecendo já não mais no âmbito de um regime autoritário é motivo para um alerta geral à consciência nacional. Sobretudo, uma advertência que deve chegar aos jovens que desconheceram o que experimentamos com a ditadura que roubou momentaneamente os nossos sonhos libertários.
Portanto, a menção ao fascismo não é um mero recurso de cunho doutrinário ou ideológico. Trata-se da necessidade de se barrar a via que o faz prosperar, que é a via da ignorância diante de bandeiras aparentemente justas que, no entanto, contêm um chamamento à ordem, ou seja, ao recurso da implantação de regimes tirânicos capazes segundo os seus fomentadores a eliminar o fantasma da subversão, mais conhecido por comunismo. O manuseio de fantasmas costuma ofender os brios de camadas médias e mesmo de setores populares tementes de mudanças que no sentido que emprestam a esse temor viriam da ação desses fantasmas.

Só uma universidade livre e comprometida com o combate à opressão do desconhecimento, que faz do povo constituído por gente humilde se tornar massa de manobra de forças antidemocráticas é capaz de superar esse embate; além, é evidente, de um trabalho centrado nas pesquisas científicas que possibilitem a elevação no nível de consciência da humanidade em geral. Logo, é esse conjunto de iniciativas contribuintes para dar provimento às nossas necessidades básicas e ao mesmo tempo ao imperativo de um projeto de estado nacional soberano que deve ser adotado para sairmos de impasses que se situam nas esferas institucionais e não ouçam a voz de quem se ressente de um verdadeiro serviço público.

O culto de valores tradicionalistas de caráter reacionário e próprio dos que são refratários às mudanças deve ser superado pela massificação do conhecimento. Para tanto, a formação de cidadania é um imperativo da democracia e de um regime republicano, pois ambos não se sustentam somente pela simples nomenclatura. Eis uma das muitas tarefas da universidade, cujo tripé ensino, pesquisa e extensão só se articula a partir de uma perspectiva voltada para o conjunto dos seres humanos.

Fora isso a sua diversidade na unidade fica confinada aos seus pares e isso é confraria, que pode alimentar a vaidade de seus confrades, mas não as expectativas de quem a sustenta como elemento capaz de contribuir para o pleno desenvolvimento humano, do qual a dignidade e o respeito às comunidades mais carentes só podem ser alcançados com a combate à desigualdade social.


*Lincoln Penna É Doutor em História Social; Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (MODECON); Vice-presidente do IBEP (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos).

Foto de capa: :Sam Balye/Unsplash

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Respostas de 2

  1. Astrólogo Olavo de Carvalho, e não filósofo…
    Mais que “regime militar”, que é um eufemismo atenuante dos mais imerecido, o que tivemos de fato foi uma DITADURA, que deve ser explicitamente qualificada.

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