Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA*
A Hipótese de Gaia é a ideia de a Terra funcionar como um sistema vivo autorregulado, onde a biosfera (seres vivos), a atmosfera, os oceanos e o solo interagem de forma a manter condições estáveis para a vida. Não apenas se sobrevive no ambiente, mas se modifica e regula o ambiente, para manter condições favoráveis à própria vida. A Terra, nesse sentido, se comporta como um superorganismo.
Essa hipótese foi levantada por James Lovelock, cientista britânico, quando, a partir dos anos 1960, ao trabalhar para a NASA em pesquisas sobre vida em Marte, notou a atmosfera terrestre ser muito diferente de planetas mortos como Marte ou Vênus. É riquíssima em oxigênio (um gás altamente reativo) e equilibrada de forma a sustentar a vida de maneira improvável sem algum tipo de controle dinâmico.
Junto com a bióloga Lynn Margulis, Lovelock formulou, em 1972, a hipótese de “a vida regula a composição da atmosfera e mantém as condições para sua própria continuidade”.
“Gaia” é o nome da deusa da Terra na mitologia grega. Sugere o planeta não ser apenas um cenário onde a vida acontece, mas é a própria entidade viva — complexa, dinâmica e integrada.
O mecanismo é emergente sem um cérebro, sem um centro de comando, mas por meio de bilhões de interações entre seres vivos e o ambiente físico. Por exemplo, plantas liberam oxigênio, regulando o ar, fitoplâncton nos oceanos influencia a formação de nuvens, microrganismos controlam a quantidade de gases estufa. Tudo isso acontece sem intenção consciente, mas como produto da evolução.
Essa Hipótese de Gaia revolucionou o pensamento ecológico porque deixou de ver os ecossistemas como isolados para entendê-los como partes interdependentes de um único sistema global. Influenciou a Ecologia profunda, o pensamento sistêmico e as discussões sobre mudanças climáticas.
Dada a rivalidade dos pares ciumentos diante de qualquer inovação de colegas, logo surgiram as críticas “científicas”. De início, foi criticada por parecer “mística” ou “teleológica”, isto é, sugerir a Terra ter intenções.
Pacientemente, Lovelock e Margulis reformularam a hipótese como processo evolutivo emergente, sem necessidade de intenção ou propósito. A seleção natural favorece organismos capazes de estabilizarem seu ambiente, por isso, a biosfera inteira tende à estabilidade. Essa versão mais “científica” (sob o argumento da autoridade darwinista) ganhou maior aceitação.
Em síntese, a Hipótese de Gaia propõe a Terra inteira, por meio da vida, regular suas condições ambientais de modo a favorecer a persistência da vida. Atua como fosse um superorganismo dinâmico.
Daí o Tecnogaianismo é uma corrente de pensamento ecológico, mas não é regressiva. Defende a tecnologia avançada — biotecnologia, nanotecnologia, inteligência artificial, geoengenharia etc. — não ser inimiga da natureza, mas sim ser usada para restaurar, proteger e regenerar o ambiente.
Ao invés de “voltar ao passado”, como pregam muitos sacerdotes da Ecologia, propõe usar o máximo da ciência e da técnica para salvar o planeta e criar uma relação de harmonia tecnológica com a Terra.
O termo começou a circular nos anos 1990 e 2000, principalmente, em debates entre transhumanistas (defensores da superação humana pela tecnologia) e ecofuturistas (ambientalistas defensores de soluções técnicas). É uma resposta crítica tanto aos ecofundamentalistas, os quais pregam a rejeição à tecnologia e ao progresso, quanto ao tecnocapitalismo desenfreado com a visão da tecnologia apenas como fonte de lucro.
O nome “Tecnogaianismo” reúne “Tecno” (tecnologia avançada, científica, racional) quanto “Gaia”. Esta se refere ao planeta Terra, entendido como um organismo vivo integrado, de acordo com o conceito popularizado por James Lovelock na Hipótese de Gaia.
Portanto, Tecnogaianismo significa usar a tecnologia para proteger, equilibrar e evoluir Gaia – a deusa da Terra.
Ideias-chave do Tecnogaianismo
Ponto | Descrição |
Uso positivo da tecnologia | Ciência e inovação devem ser ferramentas de restauração ecológica |
Otimismo tecnológico | Acredita podermos superar as crises ecológicas via soluções de ponta |
Não regressão | Recusa a volta a sociedades pré-industriais como solução ecológica |
Geoengenharia | Aceita intervenções planejadas em larga escala no sistema terrestre |
Humanidade como “jardineira” | Propõe um papel ativo e consciente da humanidade no cuidado planetário |
Como exemplos práticos das propostas tecnogaianas cito:
- a captura e sequestro de carbono em larga escala (com tecnologia de ponta);
- energia 100% limpa via fusão nuclear e solar avançada;
- reflorestamento automatizado por drones e IA;
- dessalinização em massa para reverter desertificação;
- manipulação genética de espécies para resistir a mudanças climáticas;
- geoengenharia controlada para resfriar o planeta como através da injeção de aerossóis estratosféricos.
As críticas reacionárias ou regressivas ao Tecnogaianismo referem-se aos riscos éticos e imprevisibilidade. Os críticos imobilistas temem as soluções tecnológicas gerarem novos problemas ainda desconhecidos.
Os temerosos criticam também a possibilidade de uma dependência tecnológica.
Aumentaria a vulnerabilidade social se as tecnologias forem controladas por poucas corporações.
A crítica não construtiva (por não oferecer uma alternativa realista), em geral, visa a defesa de “nicho de mercado” de discursos usuais. Amedrontam com o risco de uma falsa sensação de segurança, oferecida por novas tecnologias, reduzir o impulso por mudanças de hábitos e estilos de vida mais sustentáveis.
A tecnologia como a Inteligência Artificial, a biotecnologia e a geoengenharia, entre outras, seriam usadas para corrigir os danos ambientais. Os críticos temem o surgimento de novas big techs ou efeitos colaterais desastrosos. Em última análise, temem o futuro! Reagem contra o avanço da história!
O tecnogaianismo propõe usar a inteligência e a tecnologia humanas para transformar a crise ecológica em uma nova fase de evolução consciente da Terra.
Gaiato é brincalhão. O problema é, em nome de “uma piada pronta”, torna-se leviano, malandro, sem responsabilidades em sua crítica.
“Entrar de gaiato” é uma expressão brasileira com o significado de entrar em um debate ou projeto sem a devida preparação ou planejamento, com consequências negativas ou inesperadas. É “falar sem pensar”.
Refere-se a alguém capaz de se meter em coisas sem lhe dizer a respeito ou se dar mal por não ter ponderado as consequências de sua leviandade. Por exemplo, “ele entrou de gaiato na conversa” significa ele se meteu na conversa de forma inadequada ou sem graça para tratar um assunto sério. “Entrar de gaiato” é uma expressão informal capaz de descrever uma ação precipitada e sem reflexão. Pode levar a resultados negativos. Vamos estudar e respeitar o Tecnogaianismo ecológico
*Fernando Nogueira da Costa é Professor Titular do IE-UNICAMP. Baixe seus livros digitais em “Obras (Quase) Completas”: http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ E-mail: fernandonogueiracosta@gmail.com.
Foto de capa: Wiki_bio2_sunset_001.jpg (700 × 467 pixels, tamanho do arquivo: 127 KB, tipo MIME:
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Uma resposta
Vivemos época de mudanças rápidas e profundas. Temos, ainda, tempo de nos prepararmos para o amanhã. Cuidar da Terra e cuidar da nossa primeira casa é, cuidar e acreditar no nosso futuro