Por LÉA MARIA AARÃO REIS*
Dois filmes de impacto estão em cartaz. Um, o grego Síndrome da Apatia; o segundo, o argentino A procura de Martina. Embora o filme de Alexandros Avranas trate basicamente dos choques emocionais e mentais causados por eventos políticos perturbadores nos filhos de famílias refugiadas em busca de asilo, o segundo, de Márcia Faria, parte das primeiras falhas de memória do processo de Alzheimer que acomete uma das avós da Praça de Mayo, em Buenos Aires. Há 30 anos Martina está à procura do neto desaparecido durante a ditadura da junta militar liderada pelo general Jorge Videla. Sua filha foi assassinada por esse regime.
Síndrome da Apatia, também conhecido como Síndrome da Resignação, mostra o estado de mutismo, ausência e perda de contato total com o mundo exterior em que caem muitos filhos e filhas de refugiados políticos que precisam requerer asilo formal em país estrangeiro. Nesse caso, a Suécia. Índices levantados sobre esse fenômeno mostram que é um fato real com estatísticas sombrias a respeito, e o distúrbio é enquadrado como problema de saúde pública mundial.
‘Fiquei sem acreditar que isso existia’, diz o diretor Avranas, em entrevista. ‘’Essa síndrome que ainda é um pouco misteriosa e está sendo estudada, detalhadamente, parece relacionada a experiências traumáticas, estresse e incertezas relacionadas aos processos de autorização de refúgio legalizado em país estrangeiro’’. Na Suécia, e na sua maioria, o distúrbio atinge crianças chegando da Rússia e da Iugoslávia.
No caso do filme, é uma das duas filhas do casal de refugiados russos recém-chegado à Suécia quem teria presenciado um ataque mortal ao pai, um professor de escola, na rua, o que faz com que a família decida, imediatamente, deixar o país.
Mas o governo do estado escandinavo nega o pedido de asilo da família. A menina então desfalece, depois de depor pressionada diante da comissão de migração. Traumatizada pela negação de asilo entra em uma espécie de coma.
Em A procura de Martina, de Márcia Faria, uma coprodução Brasil/Argentina, uma viúva idosa procura há mais de trinta anos pelo neto, nascido na prisão dos generais, e é diagnosticada com um começo de Alzheimer. Ela percebe que se trata de uma janela de oportunidade que precisa ser vivida quando é avisada que o neto, então um jovem adulto, vive no Rio de Janeiro. Caso não pegue um voo para tentar encontrá-lo imediatamente, Martina tem a consciência de que talvez dali a bem pouco tempo não tenha mais condições mentais de fazê-lo.
Na sua trajetória comovente, sozinha e apesar do protesto do seu grupo de companheiras que ficam preocupadas com sua empreitada arriscada, outras avós da Praça de Mayo se movimentam para viajar acompanhando-a enquanto Martina inicia uma incrível trajetória se hospedando em um hotel em Copacabana. Lembranças do passado e as situações do presente começam a afetá-la nessa busca ao neto que se transforma em uma luta contra o esquecimento – pessoal e histórico.
No caso de A Síndrome da Resignação– ouda Apatia, já está comprovado que ela afeta crianças refugiadas que param de falar, comer, andar e interagir com o ambiente e entram em um estado de letargia que pode durar meses ou anos diante da situação incerta de conseguirem proteção e refúgio. Entre 2003/2005 mais de 400 casos foram registrados na Suécia e as crianças ‘apáticas’ constituem um caso político no país onde 15 por cento da população, hoje, é de imigrantes e refugiados.
Chulpan Khamatova é a atriz que interpreta a mãe das meninas. Excepcional desempenho. Em A Procura de Martina, produzido pelas empresas brasileiras Kromaki e Ipanema Filmes, em parceria com a uruguaia Básico, é Mercedes Morán a atriz que faz a protagonista, também de modo admirável. O filme acaba de receber o prêmio de Melhor Filme no Festival de Mar Del Plata, um dos mais antigos e conceituados do continente, e o Golden Spike de Melhor Filme Estrangeiro no Social World Film Festival, em Nápoles, na Itália.
Ambas as produções, misto de ficção e documentário, tratam corajosamente desse triste estado cognitivo de disrupção da memória conectado com a nossa atual e violenta realidade geopolítica. Apesar de o processo de Alzheimer ser mais do que comprovado pela ciência, os dois filmes confluem para refletirmos sobre a situação/limite emocional e mental a que estamos chegando, com essa e outras síndromes – da ansiedade, dispersão, hiperatividade ou depressão.
Filmes imperdíveis.
Léa Maria Aarão Reis é jornalista.
lustração de capa: Divulgação
Uma resposta
Olá adorei! A memória nunca deve ser esquecida, ou onde ficam nossos vínculos nossos aprendizados? Vou assistir os filmese depois conto aqui.