Por ADELI SELL*
Era primavera. Domingo. Convite para sair e tomar um sol aceito. A tradição era caminhar pela Riachuelo rumo ao Setor 1 da Orla, Orla Moacir Scliar. Mas desta vez seria no Parque do Pontal. Foi minha primeira vez. Até porque o lixo do trajeto é impeditivo.
Poucos conhecem este parque, nem se tocaram que há um parque público, fruto de compensação pela construção do Shopping Pontal.
Sempre que passo pela Avenida Padre Cacique me lembro dos embates na sociedade e na Câmara para liberar o tipo de construção.
Um “plebiscito” com 2% da população optou por liberar apenas para atividade comercial.
Eu me opus, pois este enclausuramento segmentado afronta o urbanismo de convivência como nos ensinou Jane Jacobs com seu “Morte e Vida das Grandes Cidades” de 1961.
Era a primeira década de 2000. E a Câmara seguiu na mesma toada: aprovou que só poderia haver atividade comercial.
Mas o mundo dá voltas. Foi feito um grande hotel, o “Double Tree” by Hilton. Comercial? Sim, o fito é comercial, mas pessoas moram ali, param um dia ou vários dias no local. Ou seja, agora tem vida a noite toda. A vida venceu a norma.
No caminho, motoristas fazem manobras malucas, enquanto curto o Guaíba ao largo, calmo, sereno, nada de sua fúria da enchente de maio.
No Parque há pouca sombra, mas o suficiente para me deitar e continuar a leitura do “Romance Antigo”, de Darcy Azambuja. Exatamente o capítulo da sessão do Senado da Câmara local, lá por 1814. Minha sobrinha neta de três anos me arranca da leitura para brincar.
O céu de brigadeiro, o sol, a brisa me levam a olhar a minha volta: maioria branca, sarada, vestida com coisas de marca, classe média aquinhoada. Negros/as só uma babá, uma atendente do bar, alguns ciclistas passando.
Dou-me conta que Porto Alegre é uma cidade muito segmentada. Ali, o espaço é de uma classe, maioria jovem. E aí me pergunto, onde estão as pessoas idosas? Porto Alegre, a capital da longevidade, do maior numera de idosas, não estava naquele Parque elitista, apenas três ou quatro me faziam companhia aos 71.
Ao sairmos já temos outras pessoas, muitos ciclistas já mostrando outra classe.
No restaurante em Ipanema, o quadro de comensais é de adultos e mais ou menos 50% de idosos.
Também um local elitizado. Logo, segmentado como é a nossa capital.
*Adeli Sell é professor, bacharel em Direito.
Foto de capa: Prefeitura Municipal de Porto Alegre
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