O sereno Marco Aurélio Weissheimer

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Por FLÁVIO AGUIAR*, de Berlim

O jornalismo brasileiro está mais pobre. O Brasil está mais triste. O Rio Grande do Sul está de luto. Perdemos Marco Aurelio Weissheimer, levado por um câncer depois de uma valorosa e silente luta pela vida. Marco morreu num leito de hospital, mas caiu de pé.

Sem alarde. Sereno, como sempre. É. Se há uma palavra que define Marco, é esta: sereno. Nunca o vi levantar a voz. Não precisava.

Raivoso? Nem pensar. Marco era um guerreiro da paz, num mundo em que tantos cultuam a guerra.

Trabalhamos juntos ou lado a lado, ombro a ombro, dedos nos teclados, nas muitas aventuras da Carta Maior, onde eu o conheci. Percorremos este mundo velho sem porteira, Porto Alegre, Montevidéu, São Paulo, Brasília, Belém, Caracas, Paris, Berlim, Nairobi, Mumbai e por aí se vai e íamos, estivéssemos no mesmo espaço físico ou no sidéreo do mundo digital, um de nós viajando, o outro editando.

Marco militava por um mundo melhor em todas as suas dimensões. A da natureza, a do social, a do cultural, dos animais, das plantas, dos seres humanos, sem privilégios para nenhuma: para ele tudo valia a pena, porque sua alma não era pequena, se me permitem uma citação mais que merecida.

Marco surfava nas estrelas, era um campeador da liberdade, aquele que merecia o título do chevalier Bayard, “sans peur et sans reproche”, “sem medo nem mácula”. Não era santo, era

simplesmente gentil, humano por inteiro. Conversamos muito sobre muitas coisas. Socialismo. PT. Os governos brasileiros. O Brasil desmiolado e o do nosso coração. Era dono de um humor fino, agudo, afiado, nunca sarcástico.

Em minhas voltas a Porto Alegre, cumpríamos um ritual sagrado, por vezes na companhia de nossas companheiras, Katarina a dele, Zinka a minha. Era um festim no Mercado Público.

Pouca gente imagina que na pátria do churrasco um prato dos mais típicos seja um peixe, a tainha assada com recheio de camarão da Lagoa dos Patos. Regada sempre com um Sauvignon Branco da região.

Enfim, a vida continua, meu amigo que partiste, tão cedo desta vida descontente. Lá em cima destas linhas frágeis diante da grandeza do teu caráter, falei esta palavra a teu respeito: “sereno”. Ela vale como descrição de ti, mas também como metáfora. Pois o sereno, depois de apaziguar a sede da natureza durante a noite, se transfigura em orvalho e brilha ao amanhecer.

 

 

*Flávio Aguiar é jornalista, analista político e escritor, é professor aposentado de literatura brasileira na USP. Autor, entre outros livros, de Crônicas do mundo ao revés (Boitempo).

Foto de capa: Guilherme Santos/Sul21

Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com . Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

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