Costuras do Pensamento sobre a Verdade na Economia

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Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA*

A verdade de uma afirmação é a propriedade de estar conforme com os fatos ou a realidade. Relaciona-se a coisa, fato ou evento real.

A retórica da lógica causal-dedutiva da Teoria Econômica Pura, baseada apenas na racionalidade, dispensa o realismo das premissas ou hipóteses? Basta haver previsões lógico-racionais, capazes de dar bons resultados, como sugeriu o Método de Economia Positiva, elaborado por Milton Friedman em 1953?

A obra “Costuras do Pensamento”, uma Festschriftpublicação da celebração em alemão – em homenagem aos 70 anos de José Marcio Rego, recém-lançada pela editora Bienal, reúne também reflexões sobre a Verdade na Economia. Algumas de minhas ideias a respeito se identificam com as de outros coautores.

Discuto a busca pela Verdade. Desde um curso com o Padre Vaz (criador da AP hegeliana), na FAFICH-UFMG, adoto a definição de Hegel: “A Verdade é O Todo”.

Como é impossível alcançar e descrever “O Todo”, minuciosamente, estamos sempre à procura da verdade, embora provisória e superável. O papel de um mestre é ensinar o método de busca, pois a verdade é o caminho para a verdade.

Há um consenso na área da metodologia científica sobre a inexistência de verdades absolutas, mas é possível estabelecer um consenso entre economistas sobre qual hipótese está vigente? A honestidade intelectual exigiria expor hipóteses somente após serem testadas e aprovadas.

A verdade deveria ser aceita com base em um método de análise científica, exigente de medição empírica. Pode se distinguir do aceito pela maioria dos economistas com formação ortodoxa, isto é, submissos à retórica do mainstream.

Na ausência de uma “Verdade demonstrada e absoluta”, deve-se buscar um acordo a partir do consenso sobre interpretações das evidências empíricas, através do debate, para fornecer pelo menos uma verdade com “v”  minúsculo. Essa verdade seria correspondente entre o pensado e o existente no mundo. Seria a adequação do intelecto às coisas reais.

A verdade, portanto, deve estar de acordo com os fatos ou a realidade, ser uma conclusão baseada na evidência, ser um fato inevitável, ser fiel a um padrão detectado. Enfim, deve ser a capacidade do intelecto adaptar-se à realidade

A verdade está intimamente ligada ao conhecimento. Para algo ser considerado conhecimento, deve ser verdadeiro e justificado.

O debate sobre a retórica na Economia possui dois lados: um otimista vê a conversa e o debate como um caminho para o avanço do conhecimento, e um pessimista vê a retórica como uma busca por convencer e persuadir, sem necessariamente buscar a verdade.

A retórica teria sido criada para convencer a respeito da verdade relativa do expositor. É difícil conciliar discurso persuasivo com conversa científica. O grande poder das ideias científicas é não ser possível desinventá-las depois de testadas.

A boa análise econômica é adequada ao espaço e ao tempo para a tomada de decisões práticas. Exige reconhecer os interesses econômicos, políticos e culturais dos diferentes grupos sociais, engajados em seus conflitos práticos, ou seja, exige a viabilidade política de suas proposições.

A história da Ciência Econômica é, afinal das contas, simplesmente uma história de ideologias? Não creio. José Marcio Rego, meu ex-aluno, destaca o equívoco da crença em existir apenas uma única Ciência Econômica.

Os ex-alunos dele, Paulo Gala e Gabriel Galípolo – nos meus 40 anos de docência já sou avô! Ou bisavô? Ou tataravô? –,discutem sobre Filosofia da Ciência e a verdade, abordando os seguintes pontos, inspirados em seu estimado ex-professor. A retórica na Economia não deve ser vinculada a movimentos na Filosofia como instrumento de demonstração de esnobismo diante a plebe ignara.

Zé Marcio é um grande leitor e disseminador das ideias pragmatistas de Richard Rorty, em especial sobre o espaço hermenêutico de interpretação dos textos filosóficos. Para este pensador, a hermenêutica não substitui a epistemologia, mas oferece uma forma de compreender como as ciências evoluem, buscando entender como os cientistas fazem ciência e se relacionam com o mundo.

A epistemologia é o estudo dos postulados, conclusões e métodos dos diferentes ramos do saber científico, ou das teorias e práticas em geral, avaliadas em sua validade cognitiva. São descritas em suas trajetórias evolutivas, seus paradigmas estruturais ou suas relações com a sociedade e a história. É a teoria da ciência.

Richard Rorty (1931-2007) foi um dos expoentes do neopragmatismo. Rejeitava a busca por verdades objetivas e universais ao enfatizar a linguagem, a contingência e a interpretação na construção do conhecimento e da sociedade.

O argumento de Rorty é não haver uma correspondência direta entre linguagem e realidade, ou seja, a verdade não é um reflexo objetivo do mundo.  Em vez disso, a verdade é uma construção social, formada pelo uso da linguagem em diferentes contextos culturais e históricos.

O pensamento humano é estruturado pela linguagem, e as ideias devem ser avaliadas por sua utilidade prática, não por sua aderência a uma suposta verdade universal.  Adota um pragmatismo linguístico de acordo com a contingência. 

Toda teoria ou conceito é contingente. Seria diferente em outro contexto histórico e social. 

Rorty rejeita a ideia de o conhecimento precisar de fundamentos fixos e universais como afirmam a metafísica, o realismo filosófico ou a epistemologia tradicional.   Em vez disso, a filosofia deveria ser uma ferramenta para expandir o diálogo e a comunicação, não para encontrar verdades definitivas

O adepto do pensamento rortyano é ciente de sua visão de mundo ser contingente e histórica. Sempre há outras formas possíveis de interpretar a realidade. Assim, devemos aceitar uma sociedade pluralista, onde diferentes discursos coexistem e disputam espaço, sem uma hierarquia absoluta de “verdade”. 

Zé Marcio é cético, no sentido de ser crítico ao buscar entender e criticar diferentes perspectivas. Esse criticismo é otimista, inspirado no niilismo otimista de Nietzsche, demolindo ídolos e incentivando a viver sem idolatrar nada. Nietzsche critica os cientistas por substituírem Deus pela ciência e a verdade, agindo como religiosos ao idolatrar um “Deus científico”.

A grande contribuição de Zé Marcio à academia brasileira é a série “Conversas com…”. Representa um legado histórico por reunir as vozes de diversos cientistas sociais brasileiros. Ele é um “cara da conversa”, valorizando o debate e a troca de ideias. Essa linha de pesquisa começou com Arjo Klamer e seu “Conversas com Economistas” sobre a macroeconomia na década de 1980.

José Marcio Rego se inspirou em Persio Arida e mergulhou na discussão filosófica da retórica na Economia, um programa de pesquisa de metodologia, epistemologia e filosofia da ciência. Arida, em 1983, escreveu “A História do Pensamento Econômico como Teoria e Retórica”, buscando evidenciar o papel da retórica nos debates econômicos e a importância da interpretação do discurso.

Há uma discussão técnica sobre superação positiva ou negativa das teorias econômicas, seguindo as ideias de Persio Arida. A superação positiva implica a Economia avançar e a “fronteira” da Ciência Econômica incorporar o mais correto. A superação negativa implica a Ciência Econômica andar em círculos, com novas contribuições e paradigmas surgindo, mas sem aquilo situado na fronteira ser necessariamente o mais correto.

Percebe-se as implicações do pensamento de Rorty no de Zé Márcio. A educação deve focar na construção do diálogo e na ampliação da imaginação moral, não na busca por verdades absolutas. Sociedades democráticas devem permitir múltiplas interpretações do mundo, sem imposição dogmática de uma visão única.

Em vez de basear a política em “princípios universais”, os debates políticos devem focar na solidariedade e na construção de consensos contingentes. Ele defende uma esquerda cultural, baseada na ampliação dos direitos e na redefinição da justiça social através da linguagem e do debate público.


*Fernando Nogueira da Costa é professor Titular do Instituto de Economia da UNICAMP. Ex vice-presidente da Caixa Econômica Federal (2003-2007). Obras (Quase) Completas em livros digitais para download gratuito em: https://fernandonogueiracosta.wordpress.com/.

Foto de capa: Levante ideias

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