Por Paulo Timm*
Donald Trump, impetuoso e arrogante, voltou à Casa Branca, reeleito para um segundo mandato, intercalado pela Presidencia de J.Biden, no dia 20 de janeiro passado. Desta vez, mais seguro pelo controle que tem sobre o Congresso e parte do Judiciário, parece disposto a não mais entregar o cargo. Chegou a afirmar, no dia 28 passado, que manda não só nos Estados Unidos, manda no mundo. Capa da Revista New Yorker, que ilustra este texto, reconstitui, em paródia, cenas do filme “O Ditador”, de Chaplin, com Trump brincando com o globo terrestre. Parece ter chegado à insanidade. Mas quem colocará, agora, o guizo no gato numa sociedade que enterrou até mesmo o liberalismo progressista?
A imprensa internacional fala nos seus (mal)feitos nos cem primeiros “dias” de Governo. Sombrios. Por isso, prefiro falar nas suas cem primeiras “noites”, nas quais se destacam o desconcertante tarifaço, a pressão sobre imigrantes, muitos levados como prisioneiros para Guantânamo, na base militar que Estados Unidos mantém em Cuba, e para El Salvador e os cortes de verbas públicas para Universidades americanas que não obedeçam exigências absurdas do Governo. Harvard está na Justiça contra essas barbaridades. Outras já se curvaram.
Hoje, reina no Império, um clima de insegurança, inclusive com ataques ao sistema de Justiça, descumprindo determinações judiciais e até levando à prisão uma Juíza. (Ela tentou proteger um imigrante…). Tudo muito distante dos bons tempos em que todo aquele que estivesse em solo americano, legal ou ilegal, podia dizer o que quisesse, ao amparo da Emenda 01 da sua Constituição.
Em consequência, a popularidade de Trump vai caindo, sendo hoje desaprovado por mais da metade dos eleitores. Ao contrário de Hitler, porém, que rapidamente reanimou a economia alemã nos anos 30, Trump, cercado de amadores na vida pública, corrói as bases da economia dos Estados Unidos e traz à tona o fantasma da depressão daquela década. E é preocupante que cientistas e pesquisadores denunciem o clima autoritário que vai emanando da Casa Branca.
Como registra Dorrit Harazim em sua coluna em O Globo de 20 de abril, O (in)concebível: 1.600 cientistas nos EUA, 75% declararam estudar a possibilidade de sair do país, concluindo que “não existe espaço para inocência num mundo operado por Trump.” Isso não é propriamente novidade. Lembremo-nos da caça às bruxas do Macartismo, na década de 1950, que levou vários intelectuais a abandonarem o solo americano. O próprio Chaplin, um deles. Viria a morrer na Suíça, anos depois. O saudoso Franklin Delano Roosevelt, inclusive, teria advertido, no auge da II Guerra: “— A luta mundial e secular entre fascismo e democracia não cessará quando a luta terminar na Alemanha e no Japão.”. Tinha razão.
Agora, famosos professores de conceituadas Universidades, já se mudaram para o Canadá. Veja-se, segundo Harazin:
“Semanas atrás, três professores da Universidade Yale — uma das oito instituições privadas que compõem a estelar Ivy League americana — tornaram pública sua mudança para a Munk School of Global Affairs and Public Policy, de Toronto, no Canadá. Em tempos normais, a notícia nem notícia seria, dada a mobilidade inerente ao mundo acadêmico. Só que o filósofo Jason Stanley, o historiador Timothy Snyder e sua mulher Marci Shore, professora de História intelectual europeia, não são nomes quaisquer.
Stanley, autor de seis livros — incluindo “Como funciona o fascismo” —, centra sua obra na manipulação emocional da propaganda fascista e nos riscos de uma sociedade ignorar sinais precoces de autoritarismo. Judeu, pai de dois filhos multirraciais (foi casado com a cardiologista negra Njeri K. Thande), ele já sofreu inúmeras ameaças de morte digitais recentes. Por isso decidiu empacotar seu saber e filhos para além do ambiente político opressor instaurado por Donald Trump.
— O que é um país? — indaga ele, com resposta pronta: — É a forma pela qual seu povo escolheu se governar. Os Estados Unidos existem porque o povo americano elege aqueles que devem fazer e executar as leis… Mas a lógica atual é a da destruição.
Seu colega Snyder é autor, entre outros, do best-seller “Sobre a tirania —Vinte lições do século XX para o presente”. Estudioso da história da Europa Central, União Soviética e Holocausto, Snyder pesquisa o elo que brota no fascismo histórico e desemboca nos tempos atuais. Em todas as obras, ele enfatiza a responsabilidade pessoal e coletiva na construção ou ruína da democracia. Como seu colega de Yale e agora Toronto, tem 55 anos, mas é nascido em família quacre do Meio-Oeste americano. A mãe de seus dois filhos também é de Ohio, e a decisão de se mudar para o Canadá, tomada ainda antes da eleição de Trump, é mais nuançada. Por isso acabou exigindo dele um longo esclarecimento público. Alguns trechos do que publicou no jornal da universidade:
— Não saí de Yale em consequência do que Trump está fazendo. Também não estou fugindo de nada. Não mudei devido a ameaças, denúncias, tentativas de violência aleatória por parte de pessoas baixas em cargos altos, nem por alertas de amigos etc. Mas, mesmo que fosse esse o caso, qual o problema de pessoas menos privilegiadas do que eu (e elas são muitas) optarem por sair do país? Alguns já se foram. Outros mais sairão. Devemos apoiá-los e aprender com eles. A função de uma universidade é criar condições de liberdade, e é em função disso que são alvo prioritário de tiranos. Já é possível ver nos Estados Unidos a tentativa, por parte do governo, de alimentar o conformismo e o denuncismo com o propósito de disseminar medo e imbecilidade.
*Economista e professor da UNB, aposentado.
Ilustração da capa: Reprodução da capa da Revista New Yorker de 25 de abril de 2025