Por J. CARLOS DE ASSIS*
A sociedade brasileira revela-se anestesiada. Esmagada pela ganância das classes dominantes e sob a indiferença das elites culturais e lúdicas, não consegue se mover para lado nenhum. Não há reação à inércia do Executivo quando mantém uma política econômica regressiva e fracassada, não há manifestação de revolta contra um Congresso que só cuida de emendas parlamentares em seu próprio benefício, e não há denúncias contra a corrupção num Judiciário que vende sentenças.
Entretanto, antes de tudo, queremos situar, de forma bem clara, nossa posição e nossas premissas políticas: não nos consideramos nem de direita, nem de esquerda e nem mesmo de centro. Esses são conceitos topológicos anacrônicos oriundos da Revolução Francesa, no século XVIII, que já não se aplicam às sociedades multifacetadas do século XXI. Nossa posição, objetivamente, é lutar pelo desenvolvimento sustentável do Brasil, garantindo uma vida melhor e mais segura para nossa sociedade.
O objetivo do movimento “Vamos Fazer o Brasil Grande de Vez”, lançado por nós, é justamente o de se opor a essa situação na qual o País afunda numa degradação geral de poucos precedentes. Em nossas metrópoles, predominam as milícias, os traficantes e os ladrões comuns que infestam as ruas e espalham o medo entre a população. Os políticos, indiferentes a esse quadro degradado, já começaram as campanhas eleitorais para 2026 como se tudo isso fosse natural, repetindo as mesmas promessas vazias e inócuas de anos atrás. São uns cínicos.
Temos que enfrentar o desafio de consertar o País “de baixo para cima” já que, “de cima para baixo”, não há esperança. Nossa proposta nesse sentido é resgatar o valor do trabalho honesto, com suficiente número de empregos e salários decentes que retribuam os esforços produtivos de seus agentes, mediante a ocupação do território brasileiro com iniciativas produtivas de caráter municipal e regional que explorem as imensas potencialidades econômicas e humanas que existem nele.
O instrumento para isso são os Arranjos Produtivos Locais, Regionais e Setoriais que estamos promovendo. Na medida em que, com a mobilização dos próprios trabalhadores, se construam centenas desses arranjos Brasil afora, promovemos gradualmente o nascimento de um novo tipo de sociedade num padrão eticamente acima do capitalismo e do socialismo estatal. É o que estamos chamando de Sociocapitalismo, cuja expressão, num APL, é a articulação não conflituosa do Capital e do Trabalho, permeada por Inovação.
Já existem muitos APLs no País (cerca de 90, porém não uniformizados), mas, para que o processo avance de forma mais rápida, é preciso organizar centenas deles. Consideramos que haveria mais possibilidade de acontecer isso se houvesse maior participação de profissionais que pudessem atuar como consultores dos trabalhadores na sua organização, a partir da própria organização. Justamente por isso entendemos que a melhor forma de começar é, justamente, pelas universidades federais.
O Governo não pode atender às justas demandas de verbas dessas universidades, virtualmente falidas, porque está bloqueado pela política fiscal, que estrangula o Estado Social. Diante disso, sugerimos que os trabalhadores nas universidades, basicamente professores e pesquisadores, assumam eles próprios o capital e o controle operacional delas, mediante sua transformação em Sociedades Anônimas. Consultores especializados ajudariam nessa transformação em tempo breve.
Uma vez aplicado o modelo numa universidade, digamos, na UFRJ, ele poderia ser replicado nas demais universidades federais ou públicas, ou mesmo em universidades privadas e empresas em dificuldades financeiras. O processo seria estendido a outras áreas em situações similares como a rede de hospitais públicos em vários níveis (SUS). E estendido a outros setores públicos que hoje são encarados apenas como um passivo do Estado, e não como um ativo a serviço da população.
Do ponto de vista operacional, não há dificuldade, na era da informação, em tornar a universidade uma entidade financeiramente autônoma e lucrativa, embora mantendo a gratuidade do ensino. Os profissionais nela envolvidos, especialmente professores, seriam remunerados pela justa repartição dos resultados obtidos no APL convertido em sociedade anônima. Plataformas digitais interconectadas acompanhariam todo o processo operacional em tempo real.
Uma universidade produz conhecimento, e conhecimento gera lucro. Laboratórios universitários de química, física, alta matemática (lógica fuzzy), arquitetura, entre outros, podem realizar pesquisas próprias e parcerias remuneradas com o setor privado ou oferecer serviços qualificados a ele, individualmente. Outra fonte de receita são os royalties relativos a patentes por descobertas realizadas. E ainda há de se considerar receitas provenientes de cursos especiais remunerados oferecidos ao público.
Na prática, imaginamos um APL universitário começando pela avaliação de seu patrimônio líquido e pela cessão à S.A. a ele vinculada de uma parte desse patrimônio, digamos, 20%, que seriam convertidos em ações do cedente. O restante das ações, 80%, seria distribuído aos trabalhadores com salários básicos atribuídos às diferentes categorias profissionais. O cadastro correspondente a esse passivo de trabalhadores especializados, somado ao referente a serviços de apoio, seria transferido direto da folha de pagamentos para uma plataforma digital.
Os 20% de ações retidos pela universidade ou pelo Estado, em sua condição de proprietários do patrimônio líquido da entidade, seriam dados como garantia para a tomada de empréstimos de longo prazo junto ao BNDES, com carência e juros baixos, para a realização de obras emergenciais de recuperação e de reforma. Os empréstimos seriam pagos com os próprios resultados da S.A., descontando os custos do sistema relativos aos salários dos trabalhadores, assim como os de manutenção.
A remuneração dos trabalhadores corresponderia exatamente ao trabalho realizado e medido individualmente pela plataforma digital. O lucro, como em toda empresa, resultaria do confronto entre receitas e despesas operacionais, mais resultados extras. E o lucro total seria distribuído igualitariamente aos trabalhadores e eventuais investidores no sistema, somando-se ao salário básico, e contribuindo para reduzir as imensas diferenças de renda que prevalecem hoje no Brasil sob controle do capitalismo predatório.
Na medida em que, mediante a difusão desse modelo produtivo e dessa forma de sociedade que estamos defendendo sejam reconhecidos por uma parte relevante da sociedade, estaremos prontos para iniciar o processo de mobilização social para aplicá-los. Se a sociedade brasileira, movida por um sentimento comum de busca da liberdade, foi capaz de derrubar a ditadura militar a partir da mobilização social, o mesmo pode se aplicar agora na busca da superação das atuais mazelas do País.
A universidade brasileira, superando a sua própria crise, poderia dar uma contribuição para a superação da crise moral que afeta o ensino superior nos Estados Unidos, desde que Trump assumiu o poder. O presidente norte-americano está obrigando Harvard a discriminar alunos e professores estrangeiros, impedindo sua entrada no País por motivos ideológicos ou raciais. É um verdadeiro acinte, nessa altura do século!
Harvard tem acordos acadêmicos com universidades estrangeiras em vários países. Uma grande universidade brasileira, como a UFRJ, poderia buscar um acordo com ela para acolher estudantes de todo o mundo, sem discriminação. Conectadas pela internet, as duas entidades usariam o mesmo currículo e dariam um diploma comum correspondente a suas marcas, destacando a de Harvard. Seria como deslocar para o Brasil parte da mais importante universidade do mundo.
O impeditivo circunstancial de que a parte brasileira do acordo talvez não pudesse pagar pelos altos salários dos profissionais de Harvard seria resolvido pela conexão à UFRJ de um APL especial que funcionaria da mesma forma que o APL mãe. Em nível de pós-graduação, os estudantes estrangeiros pagariam mensalidades, como hoje, e isso, junto com as demais receitas produzidas pelo corpo acadêmico, constituiria a receita operacional total do acordo entre as duas universidades.
A UFRJ tem, em seu campus, um grande prédio que ao todo comporta mil alojamentos individuais para estudantes e professores, sendo que dele é aproveitado apenas um quarto da capacidade, pois não houve dinheiro para concluí-los. Na hipótese de um acordo com Harvard, esse prédio, com financiamento do BNDES, poderia ser concluído e disponibilizado, em grande parte, para estudantes estrangeiros que preferissem assistir a aulas presenciais no Brasil, em lugar de acompanhá-las pela internet.
O Brasil tiraria grande proveito desse acordo,tanto do ponto de vista econômico (turismo) quanto diplomático. O nome da parceria seria anunciado como Universidade do Brasil pela Paz Mundial, com abertura para todos os estudantes e professores universitários do planeta. Seria algo inédito nesses tempos em que ainda prevalecem o ódio e as guerras entre vários países do mundo, e o extremismo político dentro de muitos deles, inclusive nos próprios Estados Unidos.
*J. Carlos de Assis é jornalista, economista, doutor em Engenharia de Produção, professor aposentado de Economia Política da UEPB, e atualmente economista chefe do Grupo Videirainvest-Agroviva e editor chefe do jornal online “Tribuna da Imprensa”, a ser relançado brevemente.
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