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Opinião

Mais desenvolvimentismo, menos fiscalismo

Mais desenvolvimentismo, menos fiscalismo

Artigo por RED
10/12/2022 05:00 • Atualizado em 12/12/2022 08:32
Mais desenvolvimentismo, menos fiscalismo

De CHRISTIAN VELLOSO KUHN*

Nessa última terça-feira (06/12), vários economistas (Mônica de Bolle, Nelson Marconi, Fábio Terra, Débora Freire e outros) publicaram um artigo na Folha de São Paulo intitulado Por um novo regime fiscal no Brasil. Nesse artigo, os autores propõem mudanças no atual regramento fiscal, com vistas a “colocar o pobre no Orçamento e o rico no Imposto de Renda”.

Iniciam destacando a importância da aprovação da PEC da Transição, retirando do Teto dos Gastos as despesas com programas sociais (manutenção do valor atualmente concedido pelo Bolsa Família mais acréscimo de benefício por criança) e investimentos públicos. Todavia, esclarecem que essa medida de curto prazo não é suficiente, restando a necessidade de aprimoramentos ao regime fiscal vigente.

Para essa proposta, os autores defendem que esteja voltado ao desenvolvimento socioeconômico, aliando crescimento econômico com distribuição de renda, com estabelecimento de metas que permitam o atingimento dessa estratégia. Nesse caso, o novo regime requer que o Orçamento espelhe essa estratégia, proporcionando protagonismo aos “programas prioritários de governo”, ao invés de obrigar que estes se acomodem num determinado valor. Ou seja, escolher o que será feito e depois definir quanto custará, ao invés de optar pelo que ficará fora porque não cabe no orçamento.

Nesse novo regramento, manter-se-ia o estabelecimento de metas de gastos, contudo, visando “uma referência de patamar de dívida pública de médio prazo”, tal qual o atual instrumento de metas de inflação, que guia a variação e o viés da taxa de juros SELIC definidos pelo COPOM. A continuação do controle dos gastos seria regrada pela estimativa de “crescimento real do gasto primário”, diferentemente de como é hoje, que o Teto permite apenas reajustar pela inflação. Logo, permitiria uma expansão dos gastos mais próxima da evolução do PIB.

Em seguida, os economistas esclarecem a diferenciação do tipo de gastos existentes, que devem receber “tratamento diferenciado”. Os autores exemplificam que investimentos e gastos com C&T e inovação poderiam ser destacados, “com rubricas específicas e plurianuais, protegendo-os de oscilações”. Mas principalmente, destacam o papel dos gastos e investimentos públicos como política fiscal anticíclica, conforme prega a teoria keynesiana, elevando nos períodos de recessão/depressão econômica e reduzindo e se ajustando na retomada e prosperidade, contrariando o oximoro da austeridade fiscal expansionista, carente de evidências que lhe deem a devida sustentação. Esse papel é restringido pelo atual desenho do Teto dos Gastos, que dá margem apenas para flexibilização em situações de calamidade pública e de imprevisibilidade ou através do financiamento por créditos extraordinários (conquanto alocados em programas do governo urgentes).

Um aspecto relevante ressaltado pelos autores é o impacto dos juros sobre as contas governamentais. Dado um patamar de endividamento público, variações positivas na taxa de juros repercutem com o aumento dos custos com juros/serviço da dívida, elevando o déficit operacional e nominal. Ainda, maiores níveis de juros reduzem os investimentos na produção, encarecendo o financiamento de longo prazo e incentivando o rentismo dos detentores de capital na busca por rentabilidade não operacional através de aplicações em ativos financeiros, o que limita o crescimento econômico. Consequentemente, a redução dos juros contribui para melhorar a razão dívida/PIB, tanto diminuindo o numerador, como elevando o denominador.

Sob o ponto de vista dos economistas, além de uma nova regra fiscal, a Constituição e a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) seriam o bastante para garantir a sustentabilidade das contas públicas. Vai ao encontro do que apregoa o senador José Serra, que em artigo escrito em seu site, “já existe um rico arcabouço fiscal pronto para retornar ao campo macrofiscal brasileiro: a LRF, a lei que sustenta o tripé macroeconômico brasileiro (câmbio flutuante, metas de inflação e meta fiscal)”, lei esta inclusive baseada no regramento fiscal da Nova Zelândia, comumente destacado como referência na área.

Em que pese ter votado favoravelmente no Senado, Serra discorda da necessidade de aprovação da PEC de Transição para financiar a reedição do Bolsa Família, pois se o governo eleito desejasse manter o Auxílio Brasil, bastaria a utilização de créditos extraordinários, conforme sustenta o senador Renan Calheiros (embora também tenha votado favoravelmente à PEC). Em dois artigos escritos por Élida Graziane Pinto, Leonardo Ribeiro e José Roberto Afonso e publicados no site da Conjur, ao encontro da tese dos dois senadores, os autores igualmente sustentam que “a edição de créditos extraordinários é a opção mais adequada para viabilizar a cobertura dos recursos necessários para manutenção do auxílio financeiro em R$ 600 e para criação de um adicional de R$ 150 para famílias com crianças em idade inferior a 6 anos”.

Independentemente da forma de assegurar os recursos requeridos para arcar com as despesas dos programas sociais (créditos extraordinários ou PEC de Transição), os economistas acertam ao propor um novo regramento fiscal no lugar do ineficiente Teto dos Gastos. A PEC de Transição, como se depreende da própria denominação recebida, é um modo transitório de contornar a falta de recursos suficientes para financiar os tão imprescindíveis benefícios dos programas sociais. O Teto dos Gastos apresenta, por sua vez, graves falhas estruturais, que só podem ser solucionadas com a sua correção ou substituição por um mecanismo mais apropriado e eficiente. Espera-se que o novo governo eleito rompa com o fiscalismo alienado das demandas sociais, que orientou os governos Temer e Bolsonaro, e se proponha a alçar o desenvolvimento ao seu devido protagonismo enquanto missão e estratégia do país.


*Professor e economista do Instituto PROFECOM, autor de livros como Governo Figueiredo (1979-1985): política econômica e ciclo político-eleitoral. 

Imagem em Pixabay.

As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.

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