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Relevo de Porto Alegre e ‘Marés de Tempestade’ Interferem no Escoamento

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Relevo de Porto Alegre e ‘Marés de Tempestade’ Interferem no Escoamento
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Desastre Climático no Estado Afeta 364 Municípios: 90 Mortes, Mais de 130 Desaparecidos e 360 Feridos Relevo de Porto Alegre Agrava Inundações na Região Metropolitana devido a Chuvas Intensas. Lago Guaíba Alcança Recorde de 5,33 Metros. Desastre Atinge 397 dos 497 Municípios do Estado, com 90 Mortes e Mais de 130 Desaparecidos. Juntamente com o relevo da capital, também contribuíram para a gravidade do cenário da Grande Porto Alegre causado pelas chuvas extremas: a formação topográfica das regiões no entorno da região metropolitana; a bacia hidrográfica da área; o efeito das tempestades no Oceano Atlântico. entenda o papel que cada um desses elementos teve na maior enchente da história no Rio Grande do Sul. 1 - Topografia e relevo Porto Alegre está situada em uma área plana, típica de planícies, com uma altitude média de 10 metros acima do nível do mar. Esse tipo de relevo é comum em regiões próximas ao litoral, refletindo a localização da cidade. Em contraste, Gramado encontra-se a 850 metros de altitude, enquanto São José dos Ausentes, o município mais elevado do RS, está a quase 1,2 mil metros acima do nível do mar. De acordo com Rualdo Menegat, coordenador-geral do Atlas Ambiental de Porto Alegre e professor titular do Instituto de Geociências da UFRGS, algumas áreas da cidade estão em níveis ainda mais baixos, coincidindo com o Delta do Jacuí. Isso é evidente na zona norte do município, onde está localizado o Aeroporto Internacional Salgado Filho. O aeroporto alagou devido às chuvas intensas e permanecerá fechado por tempo indeterminado, com todas as operações suspensas. 2 - Hidrografia da região Além de estar situada em uma área de baixa altitude, a capital do estado é cercada por cerca de 40 morros em um lado e limitada pela orla fluvial do lago Guaíba do outro. O lago Guaíba, na altura da capital, é local de confluência de cinco rios principais — Taquari-Antas, Gravataí, Sinos, Caí e Jacuí — que descem de pontos mais altos do estado. As águas dos rios chegam ao lago Guaíba, vão para a Lagoa dos Patos e de lá para o Oceano Atlântico — Rualdo Menegat, professor titular do Instituto de Geociências da UFRGS. Em resumo, o lago que atravessa Porto Alegre recebe água dos rios e da chuva que cai na região central do estado antes de desaguar no oceano. Os rios que formam o Delta do Jacuí e originam o Guaíba fluem rapidamente devido à altitude de seus cursos, normalmente facilitando o escoamento do Guaíba para o mar. No entanto, com as fortes chuvas e enchentes na região, o lago está recebendo mais água do que o normal, ultrapassando sua cota de inundação de 3 metros e atingindo 5,26 metros na segunda-feira. 3 - Nível do oceano Assim como os rios do Delta do Jacuí, o Oceano Atlântico também está sendo impactado pelas intensas chuvas e tempestades de vento no Rio Grande do Sul, o que dificulta o escoamento da água. Os ventos fortes formam marés de tempestade. Isso faz o mar 'crescer', subindo o nível em até 2 metros a depender da configuração da praia. No caso do que acontece aqui no Rio Grande do Sul, o mar fica mais alto do que o nível de escoamento da Lagoa dos Patos, impedindo que o excesso de água seja despejado no mar. — Rualdo Menegat, professor titular do Instituto de Geociências da UFRGS. A água do lago Guaíba e dos rios que o alimentam permanece acumulada em Porto Alegre e nas cidades vizinhas de baixa altitude. Devido às chuvas persistentes e à rapidez do fluxo da água, o nível aumenta em minutos, resultando em cidades submersas em questão de horas.   Foto: REUTERS/Amanda Perobell Com informações do G1.  

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Investimento estrangeiro: prós e contras

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Investimento estrangeiro: prós e contras
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De PAULO NOGUEIRA BATISTA JR* O investimento estrangeiro é positivo ou negativo para um país? Como para muitas questões econômicas, a resposta é: depende. Há vantagens e desvantagens. Convém, portanto, examinar o tema um pouco mais de perto.  Não é o que geralmente se faz. Predominam slogans e simplificações. No governo, por exemplo, tem havido muito oba-oba por ocasião da divulgação de alguns novos investimentos do exterior. Novos investimentos estrangeiros são apresentados como um selo de confiança ou bom-comportamento. “O Brasil está de volta”, proclama-se. (Esse slogan, diga-se de passagem, é um dos mais surrados internacionalmente.) Além disso, foi instituído, com certo estardalhaço, um programa que oferece proteção cambial a determinados investidores estrangeiros O tema dos prós e contras do investimento estrangeiro é vasto e polêmico. Não quero me alongar demais e seleciono assim pontos que parecem mais relevantes.  Permita-me, leitor ou leitora, ser de novo um pouco mais técnico neste artigo. Farei o possível para não complicar demais, mas há aspectos inevitavelmente intrincados. Repito a sugestão que fiz em outra ocasião. Se você não for economista, não desanime se uma passagem ou outra lhe parecer incompreensível. Siga em frente e se puder entender, digamos, 70 ou 80% do texto, já terá valido a pena. Aspectos positivos do investimento estrangeiro: fatos e meias-verdades Começo pelos aspectos potencialmente positivos do investimento estrangeiro. São basicamente dois: 1) o investimento do exterior traz receitas cambiais e constituiu um tipo de aporte de capital que, além de não aumentar a dívida externa do país, cobre de forma relativamente estável um eventual déficit de balanço de pagamentos em conta corrente; e 2) o investimento externo pode contribuir para o aumento da formação bruta de capital fixo, traduzindo-se em elevação do crescimento potencial da economia no longo prazo.  Esses argumentos são válidos e têm ampla divulgação. São meias-verdades, porém. E a meia verdade, como dizia Tennyson, é mais perigosa do que a mentira pura e simples. Nada pior do que as “mentiras verdadeiras”, aquelas têm alguma base factual ou lógica, e as mentiras “sinceras”, aquelas que são propagadas com convicção. É fato, sim, que o investimento externo traz receitas em moeda estrangeira e pode, portanto, ajudar a financiar um desequilíbrio em conta corrente (a parte do balanço de pagamentos que corresponde à balança comercial, serviços e rendas). E, de fato, como receber investimento não constitui uma obrigação financeira, não aumenta a dívida externa líquida do país. A variação desta última corresponde ao déficit em conta corrente deduzida a entrada liquida de investimentos (diretos e de portfólio).  Também é verdade que o investimento pode ser uma forma relativamente estável de compensar um eventual desequilíbrio nas contas externas correntes. Os investimentos em capacidade produtiva podem até sair do país em algum momento futuro, mas não de forma rápida, pois há defasagens temporais significativas entre a decisão de desinvestir e a sua concretização.  Mais importante: os investimentos em capacidade produtiva, designados nas estatísticas como “investimentos diretos”, podem, sim, reforçar o estoque de capital da economia e o seu crescimento de longo prazo.  Parecem então convincentes esses argumentos? Acredito que sim, tanto mais que os termos técnicos podem impressionar os leigos. E tanto mais que brasileiro desconfia do que entende e aceita melhor o que não entende, como dizia Nelson Rodrigues, apontando uma das muitas facetas do nosso complexo de vira-lata: se eu entendo, pensa o brasileiro na sua humildade de cachorro velho, então não deve ser grande coisa. Apesar disso, tento esclarecer, mostrando onde estão as lacunas e falácias nos dois argumentos. Veremos que esses argumentos são apenas parcialmente verdadeiros. Investimentos estrangeiros e contas externas: corrigindo omissões Em primeiro lugar, não se deve perder de vista que de pouco vale, do ângulo do comprometimento futuro das contas externas, absorver investimentos em vez de empréstimos. Os investimentos estão, sim, por definição, fora da classificação de dívida externa. Integram, entretanto, o conceito mais amplo de passivo externo líquido de um país. Este é a soma da dívida e do estoque de investimentos estrangeiros deduzidos os ativos externos do país no exterior na forma de créditos e investimentos. As dívidas geram pagamentos de juros; os investimentos, pagamentos de lucros e dividendos. As dívidas têm calendário de amortização; os investimentos podem ser repatriados, ainda que sem calendário fixo.  O conceito mais abrangente e mais relevante, portanto, é o de passivo externo líquido. O aumento do passivo externo líquido corresponde ao déficit em conta corrente. Havendo déficit, o passivo para com o exterior cresce de qualquer maneira, seja como dívida, seja como investimento. Ao contrário do que talvez pareça, as diferenças entre as duas formas de capital nem sempre são significativas.  Além disso, não é necessariamente verdade que o investimento estrangeiro constitua uma forma mais estável de capital. Há duas formas de investimento nas estatísticas de balanço de pagamentos: o investimento direto e o de portfólio. O investimento direto é aquele potencialmente mais ligado à formação de capital (ou à compra de capacidade produtiva existente). O de portfólio inclui, por exemplo, compra por estrangeiros (não-residentes) de ações na bolsa de valores do país ou aquisição de títulos de dívida (pública e privada). O capital de portfólio, que pode predominar em determinadas situações, é tipicamente especulativo ou de curto prazo. Não pode ser considerado estável ou confiável. Desse ponto de vista, o endividamento externo de médio e longo prazo é melhor.  Um possível agravante é que os investimentos diretos registados no balanço de pagamentos incluem uma parcela desconhecida de investimentos de portfólio. Esse problema de classificação, levantado em artigo recente¹, só pode ser esclarecido com acesso detalhado a dados que apenas o Banco Central possui.   Seja como for, é importante considerar que não convém, em geral, incorrer em déficits substanciais nas contas externas correntes, mesmo que cobertos por investimentos diretos strictu sensu. Isso é especialmente verdadeiro nas situações em que ao déficit corrente se adicionam vencimentos importantes de dívida ou riscos de saída abrupta de capitais de portfólio. Para um país que queira preservar a sua autonomia, é estrategicamente melhor zerar a conta corrente ou, no máximo, incorrer em déficits pequenos. No caso do Brasil, os déficits externos correntes têm sido modestos nos anos recentes. O Banco Central acaba de divulgar um déficit em conta corrente de 1,5% do PIB nos doze meses até março. Os investimentos registrados como “diretos” chegaram ao dobro, alcançando 3% do PIB.²  Investimentos estrangeiros e capacidade produtiva  Apesar de tudo, não há dúvida de que a forma mais defensável de capital externo é aquela que toma a forma de investimentos diretos propriamente ditos. Feitas as ressalvas acima, o investimento direto stricto sensu pode, sim, gerar capacidade produtiva nova e, quando o faz, constitui, sim, uma modalidade mais estável e duradoura de capital externo.  Atenção, porém. Há pré-requisitos. E algumas perguntas precisam ser respondidas.  O investimento direto, nas estatísticas habituais, não só pode aparecer misturado com alguns investimentos de portfólio, como já indicado, mas inclui também dois tipos diferentes de investimentos diretos: aqueles que criam capacidade nova (novas empresas ou ampliação de empresas existentes) e aqueles que simplesmente compram capacidade pré-existente. Nesse último caso, o que ocorre é desnacionalização da economia (exceto em casos de aquisição por outros estrangeiros de filiais ou subsidiárias já existentes de empresa externas).   A confusão conceitual costuma ser grande. Se o investimento que ingressa corresponde tão somente a aquisição de empresas existentes, não há nenhum efeito imediato em termos de expansão da demanda e da taxa global de investimento. De início, há mera transferência de propriedade da capacidade produtiva instalada. Só haverá reforço real do investimento, se os novos proprietários tiverem condições e interesse em ampliar as empresas que adquiriram. A propósito, fala-se em “privatização”, às vezes impropriamente, quando o capital estrangeiro adquire o controle de empresas estatais. Ora, não raro o que acontece é a compra de estatais brasileiras por estatais estrangeiras. Nesses caso, não há privatização alguma, mas desnacionalização pura e simples. Não se cria, pelo menos de imediato, capacidade produtiva nova e os centros de decisão empresarial são transferidos para fora do país. Outra questão relevante: ao abrir a economia para determinados investimentos diretos estrangeiros, o governo se preocupa em estabelecer contrapartidas estratégicas? Condiciona, por exemplo, a autorização para investir a compromissos de transferência de tecnologia? Negocia compromissos de realizar compras com fornecedores nacionais, estimulando produção e geração de empregos no país? A China costuma estabelecer esse tipo de condição. O Brasil, pelo seu tamanho, é um dos maiores receptores de investimentos estrangeiros no mundo. Tem, em princípio, poder de barganha para estabelecer requisitos de transferência de tecnologia e compras em território nacional.  Garantias contra risco cambial O governo parece caminhar em direção diferente. Em vez de negociar contrapartidas, oferece garantias. Anunciou-se há pouco a oferta de hedge cambial para o financiamento de  investimentos estrangeiros considerados ambientalmente sustentáveis.³ Decisão duvidosa, que ainda precisa ser detalhada e merece mais discussão. Se entendi bem, para estimular determinados investimentos do exterior o governo estatiza o risco cambial. Em caso de depreciação acentuada da moeda brasileira, quem paga a conta é o Tesouro.  Trata-se de um programa que gera risco fiscal e risco cambial. O risco de despesas inesperadas é transferido para os cofres públicos. Se a desvalorização da moeda nacional ficar acima do esperado, o governo incorre em perdas cambiais e fiscais, isto é, diminuem as reservas internacionais e aumenta o déficit público. Curiosamente, o mercado financeiro e a mídia, sempre tão alarmados com o risco fiscal, parecem apoiar sem reservas a nova proposta.  Outra questão, esta geralmente ignorada: a suposição é que o investimento garantido contra risco cambial venha a ser de fato adicional, isto é, que ele não aconteceria na ausência da garantia estatal. Pode-se descartar, entretanto, que investimentos beneficiados não ocorreriam de qualquer maneira? Seria o pior dos mundos: na esperança de aumentar o investimento externo, o governo acabaria assumindo o risco cambial de investimentos que ingressariam no país de qualquer forma. Como os beneficiários dessa decisão são os grandes capitais, ninguém protesta, ninguém reclama.  Rejeição liberal à interferência estatal Para terminar, um breve comentário sobre as viúvas brasileiras do neoliberalismo. Os representantes dessa velha guarda poderiam argumentar que tentar fixar condições para a entrada de investimentos viola as regras de livre mercado. Se forem coerentes (o que nem sempre acontece) objetariam, pela mesma razão geral, a que o governo ofereça proteção cambial para certos investidores externos.  Mas é frágil essa visão liberal, defunta no mundo, mas ainda presente no Brasil, especialmente no discurso do mercado financeiro e da mídia tradicional. A livre concorrência em mercados pulverizados existe mais em livros-texto do que na realidade das economias. Na prática, o que prevalece é a concorrência oligopólica, limitada, entre grandes corporações e blocos de capital.  O Estado participa e interfere nas economias bem-sucedidas. E assiste, passivo, inerte, nas economias fracassadas. Notas 1) Carlos Luque, Simão Silber, Francisco Vidal Luna e Roberto Zagha, “O enigma do investimento direto no país”, Valor Econômico, 1 de março de 2024, p. A14. 2) Com a mencionada ressalva de que esses registros incluem possivelmente uma parte desconhecida, talvez significativa, de investimentos de portfólio. 3) Diário Oficial da União, Medida provisória, no. 1.213, de 22 de abril de 2024. Para uma avaliação crítica dos pressupostos desse programa, ver Ricardo Carneiro, “O capitalismo sem risco”, CartaCapital, 15 de abril de 2024. *Economista, foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, de 2015 a 2017, e diretor executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países em Washington, de 2007 a 2015. Lançou no final de 2019, pela editora LeYa, o livro O Brasil não cabe no quintal de ninguém: bastidores da vida de um economista brasileiro no FMI e nos BRICS e outros textos sobre nacionalismo e nosso complexo de vira-lata. A segunda edição, atualizada e ampliada, começou a circular em março de 2021. E-mail: paulonbjr@hotmail.com Twitter: @paulonbjr Canal YouTube: youtube.nogueirabatista.com.br Portal: www.nogueirabatista.com.br Uma versão resumida deste artigo foi publicada na revista Carta Capital. Imagem em Pixabay. Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaositered@gmail.com . Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

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Sete meses de carnificina

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Sete meses de carnificina
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De LENEIDE DUARTE-PLON*, de Paris Estudantes no mundo inteiro solidários com os palestinos Existe um conflito assimétrico, brutal, em curso há sete meses, no qual um povo oprimido recebe diariamente toneladas de bombas que já destruíram praticamente toda forma de vida social em Gaza – hospitais, escolas, comércio, infraestruturas de serviços públicos básicos de água e energia elétrica, além de transporte – fazendo mais de 35 mil mortos e alguns milhares de mutilados. Entre os mortos contam-se dezenas de jornalistas, de médicos e de trabalhadores de ONGs humanitárias. O povo oprimido é o povo palestino. Não tem exército, não tem aviação e resiste há anos com a força de grupos armados, considerados terroristas pela Europa e pelos Estados Unidos. Como na história contada na Bíblia, este povo seria o novo Davi enfrentando um gigante. Golias, que lança as bombas americanas na faixa de Gaza é Israel, potência nuclear. O pretexto para a carnificina, como denominou o filósofo Edgar Morin, foi a invasão do território israelense pelo Hamas, em um ataque inédito que fez quase 1200 mortos entre civis e militares. Quase a metade dos mortos no ataque eram militares, informação que raramente é dada quando se fala das mortes de israelenses no 7 de outubro. De vez em quando, um artigo no Le Monde ou no Libération dá esse dado nas entrelinhas. Mas a propaganda de guerra despreza essa informação. O Hamas organizou um ataque terrorista para alguns. “Ato de resistência armada”, para outros, entre eles a filósofa Judith Butler, execrada por muitos depois desta declaração. Ela chegou a ter uma conferência anulada em Paris no ano passado, considerada persona non grata por ativistas sionistas. O povo autóctone oprimido há 76 anos - desde a criação pela ONU do Estado de Israel em parte do território da Palestina mandatária – tenta existir (e resistir à ocupação desde 1967) no pequeno território que a ONU lhe reservou para a criação de um Estado que nunca conseguiu se tornar realidade. A autodeterminação do povo palestino vem sendo adiada há 76 anos. Netanyahou e seus ministros nazifascistas declaram abertamente que nunca permitirão a criação de um Estado palestino. A Cisjordânia e Gaza, assim como Jerusalém Leste – também parte do Estado Palestino previsto pela ONU em 1947 – são objeto de cobiça da extrema-direita messiânica de Israel, que vê na conquista e anexação desses territórios a condição para a vinda do messias, como eles mesmos explicam. Atualmente no poder com Netanyahou, esses fundamentalistas dirigem o país incentivando os colonos fanáticos em todo tipo de violência contra as cidades e aldeias palestinas da Cisjordânia. Depois do ataque do Hamas a Israel, dia 7 de outubro, os colonos já mataram mais de 500 palestinos em investidas violentas na Cisjordânia, enquanto Gaza é transformada em um campo de ruínas pelas bombas. Em suas incursões, que já foram chamadas de “pogroms” por um intelectual israelense, os colonos são protegidos por militares. Protestos nas universidades   No mundo inteiro, estudantes iniciaram manifestações ou ocupações de universidades em defesa da Palestina, por um cessar fogo imediato. Eles denunciam a carnificina, a fome como arma de guerra, as bombas diárias e a falta de horizonte político para os palestinos que escaparam até agora ao massacre. Nos Estados Unidos, os estudantes foram desalojados da Universidade de Columbia por uma polícia brutal. Na California e em outros estados, as ocupações de universidades têm sido violentamente reprimidas. Na França, os estudantes ocuparam Sciences Po e a Sorbonne e convocaram todos os universitários do país a fazerem o mesmo. O movimento estudantil pode gerar um “Maio de 24”, tendo por bandeira o cessar-fogo imediato e a defesa de um Estado Palestino como única solução política para o problema de dois povos condenados a coexistir no território definido pela ONU em novembro de 1947. Intelectuais franceses defensores incondicionais de Israel como a filósofa Elisabeth Badinter e a jornalista Anne Sinclair, sem argumentos para justificar os bombardeios israelenses e as infrações ao direito internacional, partem para o ataque acusando de antissemitismo estudantes e políticos que defendem os palestinos e criticam a carnificina em Gaza. Na França, denunciar o genocídio em curso, o sionismo supremacista racista e o apartheid em vigor em Israel passou a ser imediatamente assimilado a antissemismo, mesmo quando as críticas partem de intelectuais judeus. A mesma alegação de antissemitismo vem sendo utilizada nas universidades americanas, onde o dinheiro de doadores generosos pró-Israel comprou corações e mentes na Columbia University : os estudantes que ocupavam o campus há vários dias foram expulsos manu militari. Apesar da repressão no Ocidente, o movimento estudantil de solidariedade à Palestina começou a ganhar o mundo. Estudantes da Tunísia, Jordânia e do Líbano começaram a se mobilizar na terça-feira, dia 30 de abril para denunciar o massacre dos palestinos. Na Grécia, na Turquia, na Jordânia e no Irã diversas faculdades se juntaram ao movimento de defesa do povo palestino. Os estudantes da Universidade americana de Beirute, no Líbano se associaram ao movimento internacional estudantil contra o genocídio em Gaza, assim como alunos do campo de Sahidieh, no sul do Líbano. Em seu último artigo Por que o engajamento sócio-político hoje é tão difícil? frei Leonardo Boff escreveu:  “O establishment político, dominante no mundo, a partir do Norte Global, reage com violência inusitada contra os manifestantes. Na Alemanha qualquer manifestação pró-Palestina e contra o genocídio que lá está ocorrendo é oficialmente proibida e logo reprimida. Nos USA a repressão policial ganha expressões violentas contra estudantes e professores universitários.” Boff denuncia “os pesados bombardeios israelenses, usando de forma criminosa a Inteligência Artificial (IA) para assassinar determinadas pessoas e sua inteira família, dentro de suas próprias casas.” Na abertura, em janeiro deste ano, da primeira audiência no Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) sobre a representação da África do Sul contra Israel por crime de genocídio contra os palestinos, o ministro da Justiça sul-africano, Ronald Lamola, ressaltou que os palestinos têm sofrido "opressão e violência sistemáticas" há 76 anos. Lamola citou as palavras do presidente Nelson Mandela: “Ao estender as nossas mãos ao povo da Palestina, o fazemos com pleno conhecimento de que somos parte de uma humanidade. Este é o espírito com que a África do Sul aderiu à convenção sobre a prevenção e punição do crime de genocídio em 1998. Este é o espírito com que abordamos este tribunal como parte contratante da convenção. Este é um compromisso para todos, tanto para o povo da Palestina como para os israelenses." “Nenhum ataque armado a um território estatal, por mais grave que seja, mesmo um ataque envolvendo crimes de atrocidade, pode fornecer qualquer justificativa ou defesa para violações da convenção, seja uma questão de lei ou de moralidade. A resposta de Israel ao ataque de 7 de outubro ultrapassou esta linha e dá origem a violações da convenção", terminou o ministro Ronald Lamola. *Jornalista internacional. Co-autora, com Clarisse Meireles, de Um homem torturado – nos passos de frei Tito de Alencar (Editora Civilização Brasileira, 2014). Em 2016, pela mesma editora, lançou A tortura como arma de guerra – Da Argélia ao Brasil: Como os militares franceses exportaram os esquadrões da morte e o terrorismo de Estado. Ambos foram finalistas do Prêmio Jabuti. O segundo foi também finalista do Prêmio Biblioteca Nacional. Imagem em Pixabay. Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaositered@gmail.com . Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

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