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Sete meses de carnificina
Sete meses de carnificina
De LENEIDE DUARTE-PLON*, de Paris
Estudantes no mundo inteiro solidários com os palestinos
Existe um conflito assimétrico, brutal, em curso há sete meses, no qual um povo oprimido recebe diariamente toneladas de bombas que já destruíram praticamente toda forma de vida social em Gaza – hospitais, escolas, comércio, infraestruturas de serviços públicos básicos de água e energia elétrica, além de transporte – fazendo mais de 35 mil mortos e alguns milhares de mutilados. Entre os mortos contam-se dezenas de jornalistas, de médicos e de trabalhadores de ONGs humanitárias.
O povo oprimido é o povo palestino. Não tem exército, não tem aviação e resiste há anos com a força de grupos armados, considerados terroristas pela Europa e pelos Estados Unidos. Como na história contada na Bíblia, este povo seria o novo Davi enfrentando um gigante.
Golias, que lança as bombas americanas na faixa de Gaza é Israel, potência nuclear. O pretexto para a carnificina, como denominou o filósofo Edgar Morin, foi a invasão do território israelense pelo Hamas, em um ataque inédito que fez quase 1200 mortos entre civis e militares. Quase a metade dos mortos no ataque eram militares, informação que raramente é dada quando se fala das mortes de israelenses no 7 de outubro. De vez em quando, um artigo no Le Monde ou no Libération dá esse dado nas entrelinhas. Mas a propaganda de guerra despreza essa informação.
O Hamas organizou um ataque terrorista para alguns. “Ato de resistência armada”, para outros, entre eles a filósofa Judith Butler, execrada por muitos depois desta declaração. Ela chegou a ter uma conferência anulada em Paris no ano passado, considerada persona non grata por ativistas sionistas.
O povo autóctone oprimido há 76 anos – desde a criação pela ONU do Estado de Israel em parte do território da Palestina mandatária – tenta existir (e resistir à ocupação desde 1967) no pequeno território que a ONU lhe reservou para a criação de um Estado que nunca conseguiu se tornar realidade. A autodeterminação do povo palestino vem sendo adiada há 76 anos. Netanyahou e seus ministros nazifascistas declaram abertamente que nunca permitirão a criação de um Estado palestino.
A Cisjordânia e Gaza, assim como Jerusalém Leste – também parte do Estado Palestino previsto pela ONU em 1947 – são objeto de cobiça da extrema-direita messiânica de Israel, que vê na conquista e anexação desses territórios a condição para a vinda do messias, como eles mesmos explicam. Atualmente no poder com Netanyahou, esses fundamentalistas dirigem o país incentivando os colonos fanáticos em todo tipo de violência contra as cidades e aldeias palestinas da Cisjordânia. Depois do ataque do Hamas a Israel, dia 7 de outubro, os colonos já mataram mais de 500 palestinos em investidas violentas na Cisjordânia, enquanto Gaza é transformada em um campo de ruínas pelas bombas. Em suas incursões, que já foram chamadas de “pogroms” por um intelectual israelense, os colonos são protegidos por militares.
Protestos nas universidades
No mundo inteiro, estudantes iniciaram manifestações ou ocupações de universidades em defesa da Palestina, por um cessar fogo imediato. Eles denunciam a carnificina, a fome como arma de guerra, as bombas diárias e a falta de horizonte político para os palestinos que escaparam até agora ao massacre.
Nos Estados Unidos, os estudantes foram desalojados da Universidade de Columbia por uma polícia brutal. Na California e em outros estados, as ocupações de universidades têm sido violentamente reprimidas.
Na França, os estudantes ocuparam Sciences Po e a Sorbonne e convocaram todos os universitários do país a fazerem o mesmo. O movimento estudantil pode gerar um “Maio de 24”, tendo por bandeira o cessar-fogo imediato e a defesa de um Estado Palestino como única solução política para o problema de dois povos condenados a coexistir no território definido pela ONU em novembro de 1947.
Intelectuais franceses defensores incondicionais de Israel como a filósofa Elisabeth Badinter e a jornalista Anne Sinclair, sem argumentos para justificar os bombardeios israelenses e as infrações ao direito internacional, partem para o ataque acusando de antissemitismo estudantes e políticos que defendem os palestinos e criticam a carnificina em Gaza. Na França, denunciar o genocídio em curso, o sionismo supremacista racista e o apartheid em vigor em Israel passou a ser imediatamente assimilado a antissemismo, mesmo quando as críticas partem de intelectuais judeus.
A mesma alegação de antissemitismo vem sendo utilizada nas universidades americanas, onde o dinheiro de doadores generosos pró-Israel comprou corações e mentes na Columbia University : os estudantes que ocupavam o campus há vários dias foram expulsos manu militari.
Apesar da repressão no Ocidente, o movimento estudantil de solidariedade à Palestina começou a ganhar o mundo. Estudantes da Tunísia, Jordânia e do Líbano começaram a se mobilizar na terça-feira, dia 30 de abril para denunciar o massacre dos palestinos. Na Grécia, na Turquia, na Jordânia e no Irã diversas faculdades se juntaram ao movimento de defesa do povo palestino.
Os estudantes da Universidade americana de Beirute, no Líbano se associaram ao movimento internacional estudantil contra o genocídio em Gaza, assim como alunos do campo de Sahidieh, no sul do Líbano.
Em seu último artigo Por que o engajamento sócio-político hoje é tão difícil? frei Leonardo Boff escreveu:
“O establishment político, dominante no mundo, a partir do Norte Global, reage com violência inusitada contra os manifestantes. Na Alemanha qualquer manifestação pró-Palestina e contra o genocídio que lá está ocorrendo é oficialmente proibida e logo reprimida. Nos USA a repressão policial ganha expressões violentas contra estudantes e professores universitários.”
Boff denuncia “os pesados bombardeios israelenses, usando de forma criminosa a Inteligência Artificial (IA) para assassinar determinadas pessoas e sua inteira família, dentro de suas próprias casas.”
Na abertura, em janeiro deste ano, da primeira audiência no Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) sobre a representação da África do Sul contra Israel por crime de genocídio contra os palestinos, o ministro da Justiça sul-africano, Ronald Lamola, ressaltou que os palestinos têm sofrido “opressão e violência sistemáticas” há 76 anos.
Lamola citou as palavras do presidente Nelson Mandela:
“Ao estender as nossas mãos ao povo da Palestina, o fazemos com pleno conhecimento de que somos parte de uma humanidade. Este é o espírito com que a África do Sul aderiu à convenção sobre a prevenção e punição do crime de genocídio em 1998. Este é o espírito com que abordamos este tribunal como parte contratante da convenção. Este é um compromisso para todos, tanto para o povo da Palestina como para os israelenses.”
“Nenhum ataque armado a um território estatal, por mais grave que seja, mesmo um ataque envolvendo crimes de atrocidade, pode fornecer qualquer justificativa ou defesa para violações da convenção, seja uma questão de lei ou de moralidade. A resposta de Israel ao ataque de 7 de outubro ultrapassou esta linha e dá origem a violações da convenção”, terminou o ministro Ronald Lamola.
*Jornalista internacional. Co-autora, com Clarisse Meireles, de Um homem torturado – nos passos de frei Tito de Alencar (Editora Civilização Brasileira, 2014). Em 2016, pela mesma editora, lançou A tortura como arma de guerra – Da Argélia ao Brasil: Como os militares franceses exportaram os esquadrões da morte e o terrorismo de Estado. Ambos foram finalistas do Prêmio Jabuti. O segundo foi também finalista do Prêmio Biblioteca Nacional.
Imagem em Pixabay.
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