Por ADROALDO QUINTELA*
Depois de caminhar 13 horas sem tomar um café da manhã forte e com pouca água, ouso afirmar que estou pronto para chegar bem à Santiago de Compostela.
Enfrentei dois perengues. 1. Sede por vacilo. Comprei um café com leite na máquina e não reforcei o estoque de água. Ainda bem que choveu bastante no percurso. Bebi água das folhas e lambi o casaco plástico molhado.
O segundo foi a revolução intestinal. Penei para evitar melar a calça. Solução prática: um saco plástico entre a cueca e a calça. Deu certo, mas não evitou a assadura nas bandas do furico. Usei uma pomada que aliviou. Porém, desejei de montão ter uma bisnaga de Xoxota Feliz. Trata-se de solução de ervas medicinais desenvolvida pelo Movimento dos Trabalhadores sem Terra para aliviar as assaduras das perecas das marisqueiras do Recôncavo Baiano. Também é remédio eficiente para assaduras de qualquer natureza. No Caminho próximo ano Xoxota Feliz fará parte do
kit de primeiros socorros.
A longa e tortuosa caminhada serviu para reflexão. Pensei com meus botões: qual a percentagem de brasileiras e brasileiros pode ter recursos para financiar um dos Caminhos que nos levam à Santiago de Compostela. Certamente, menos de 10% dos 215 milhões de habitantes do Brasil. Pertenço a uma elite econômica e intelectual que pode de dar ao luxo de fazer o Caminho Primitivo com recursos próprios. Como o pensamento deve levar à ação tenho obrigação ética e cívica de intensificar a luta por equidade social, econômica, de gênero e de raça em nosso país, um dos campeões mundiais ds desigualdade. Na qualidade de sócio-fundador da Associação Brasileira de Economistas pela Democracia (ABED) e presidente do Instituto de Desenvolvimento Sustentável pelo Nordeste Brasileiro (IDENE) devo perseguir esta bandeira de luta.
Surgiu uma palavra essencial no meu peregrinar: rendição. Como somos pequenos ante a grandeza e esplendor do universo? Porém, simultaneamente temos uma força mental capaz de fazer com que nosso corpo supere imensos desafios. Sou portador de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) devido ao vício do cigarro careta na juventude. Tenho apenas 75% de capacidade respiratória. Dra. Larissa, minha pneumologista, recomendou que trouxesse a bombinha para ajudar na respiração. Entretanto, não precisei nem vou precisar. Tenho dado muita atenção à respiração, ou seja: inspirar pelo nariz e expirar pela boca. Quando a respiração se acelera puxo o freio de mão da peregrinação. Daí respiro várias vezes o ar puro da montanha até recuperar o fôlego e retomar a andança.
Depois do mega desafio de sábado, 3/5/2025 estou convencido de que chegarei bem em Santiago de Compostela. Talvez, não seja excesso de confiança, afirmar que estarei bem melhor no ponto de chegada do que no ponto de partida desde Oviedo.















Leia também Uma Jornada de Luz: terceiro e quarto dia.
*Adroaldo Quintela é Economista.Diretor-Executivo do Instituto de Desenvolvimento Sustentável do Nordeste (IDESNE) Fundador da Associação Brasileira de Economistas pela Democracia (ABED).
Foto de capa e demais fotos: Adroaldo Quintela
Respostas de 3
Parabéns pela garra e perseverança.
Obrigada por partilhar a experiência.
Amei o texto e está experiência do percurso nos Caminhos de Santiago de Compostela por este Bravo senhor que não desistiu apesar das intempéries do tempo e perrengues que ao longo dos Caminhos vivenciou!
Bom dia, Adroaldo,
Escrevo-lhe do acolhedor povoado de Campos de São João (¡753 habitantes!), no extremo noroeste da Chapada Diamantina, quase no centro do Estado, a 450 km apenas de Salvador e a estimados 1.200 km de BSB [¡êta é mesmo continental o nosso querido Brazilzão!].
Venho acompanhando, c/ interesse, a série de suas crônicas e correlatas reflexões sobre essa por certo tão redentora peregrinação Santiago de Compostela.
E – s/ qq delírio de grandeza, mas replicando na prática um registro autobiográfico do tão saudoso JK – penso que Deus, em Sua infinita generosidade, terá tb concedido a este escriba a graça de poupá-lo do sentimento subalterno da inveja, sobretudo no tocante a relatos da densidade socio-econômica dos seus de referência, compartilhados ademais por um correspondente q acumulou singulares bagagem acadêmica e vivência profissional nessa área específica.
Já na expectativa de receber, por especial obséquio da RED, o fecho de seus comentários sobre o rico aprendizado q tal caminho místico deverá ter-lhe oferecido, faço votos de uma pleníssima próxima estada em Santiago de Compostela.
Não cheguei infelizmente a lá estar ao longos dos 3 anos de estada em Madri (1968/1971), cumprindo missão perrnanente do nosso Governo numa Espanha à época ainda submetida, após a cruenta Guerra Civil da década dos 30 (1936/39) à então terceira década do regime franquista.
Cordialmente,
Sergio de Souza Fontes Arruda