Por TARSO GENRO*
Em sentido figurado – diz Carl Schmitt, o jurista do nazismo – “ser homem é ser combatente’, e o “individualista consequente luta por conta própria e se é valente também com risco próprio. Se converte então em seu próprio partidário.” O “partiggiani” do autor alemão, aqui remetendo para Trump, trouxe para dentro do seu individualismo doentio uma comunhão de indivíduos sem rumo, que acharam um rumo. Não é um rumo comum, pois apenas se escoram – cada um deles – em covardes com poder: pessoas nulas, convertidos pela ideia de grandeza, em partidários da sua própria nulidade.
O Presidente Trump, no momento em que escrevo este artigo, anuncia sua disposição de mover um grande contingente populacional de Gaza, extraindo as pessoas dos seus lares e das suas posses de sobrevivência, para levá-las de maneira forçada para o Egito e a Arábia Saudita. Boa parte da mídia tradicional vai chamar isso de deslocamento forçado ou transferência arbitrária, mas a sua classificação historicamente correta é limpeza étnica, técnica nazista de controle de um espaço julgado como “vital”, para a afirmação geopolítica ou militar de um Estado Totalitário.
A agressividade extremista do Governo Trump desafiando as normas, os protocolos, o direito interno do seu país e dos países submetidos ao jugo político dos Estados Unidos da América, acaba de vez com a esperança de estabilizar um pacto político global, minimante estável, para vencermos a situação de Guerra Mundial que se avizinha.
A Terceira Guerra Mundial – se continuar vingando – não terá um único ou vários teatros de operações de natureza material, mas far-se-á através de um fluxo informacional de controle de subjetividades, que se tornarão combates militares localizados e – em sequência – esparsos e sem fronteiras. É um jogo ao mesmo tempo virtual e real, para controlar territórios através das pessoas e controlar pessoas – vivas ou mortas – para determinar as fronteiras que interessam, nos tempos curtos e ferozes para uma nova dominação que pode se reproduzir ao infinito.
Desta feita, a “guerra mundial” não será – desde o seu início- um enfrentamento entre exércitos, mas uma sequência de guerras regionais comandadas de longe, criadas na decadência agressiva do sistema colonial-imperial traçado pelos EUA e pela Europa no Século passado: o fim da Guerra Fria redesenhou o futuro pretendido pelo Pacto de Yalta, cujos grandes protagonistas foram substituídos por chefes de bandos, medíocres e imediatistas.
Os líderes atuais, principalmente das grandes economias capitalistas, não têm particularidades essenciais para serem cotejadas pelo contraste, pois a sua visão do “caminho único” corroeu os sonhos e fez, assim, mediocridades corroídas por um caráter perverso. Alguns depois de chegarem ao poder outros antes de lá chegarem, mas quem teve a autenticidade e a coragem de se apresentar como era foi Donald Trump, que sentiu a idiotia da maioria americana que perdeu o sonho e transformou-a numa poderosa arma política.
A simples capacidade de jogar com logaritmos fez uma relação de forças, comandadas virtualmente, que aproximam o fato seletivo que interessa, da versão já estabelecida como pós-verdade. A situação em andamento, todavia, é tanto diferente da época da Guerra Fria, como daquele período de interlúdio equilibrado, entre a queda da URSS e a emergência da China Popular. Como país provavelmente já dominante, preparando a sua hegemonia, a China espera e age.
A situação global da soma da pós-verdade é pós-real, pois o capitalismo em crise precisou reinventar a palavra democracia: Maduro tem que ser crucificado porque não é democrata, mas a China tem que ser respeitada – com suas peculiaridades estatais nada “liberais’ política e economicamente – porque vence na economia, não brinca na política e dialoga com toda a Terra, redonda e plana, se for necessário para o seu sucesso.
Uma política nova já em curso, com uma semântica sempre senil, superada rapidamente pelos tempos curtos e uma economia de bases invisíveis que surgem nos laboratórios de pesquisas dos centros de poder financeiro globais, que informam o mundo exaurido pela crise climática e pelo individualismo assassino.
Talvez este seja o período do cinismo em estado puro, da violência sem destino e – assim- contra “tudo que é humano e nos é estranho”.De mortes sem destino como novo gênero da política sem objetivos conhecidos, composta nos frios laboratórios dos países dominantes. É um período mais difícil, mais denso e mais brutalmente desumano, porque destrói não só o homem fisicamente e na sua subjetividade, mas também nas suas esperanças mais elementares: respirar um ar puro, não comer veneno, beber água limpa e fresca, num local em paz. Isso está vencido neste Século trágico dos bombardeios limpos”, em guerras cada vez mais sujas.
*Tarso Genro é ex-governador do RS, ex-prefeito de Porto Alegre, advogado, professor universitário, ensaísta, poeta. Foi ministro da Educação, das Relações Institucionais e da Justiça.
Foto de capa: Julia Demaree Nikhinson/Pool via REUTERS
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