Por RUDOLFO LAGO* do Correio da Manhã
Tão essencial quanto “Como as Democracias Morrem”, o segundo livro de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, “Como Salvar a Democracia”, faz a análise perfeita do que acontece nos Estados Unidos com a nova vitória de Donald Trump. Da série de atos que Trump editou no seu primeiro dia após a posse, são aqueles voltados a conter a imigração o que melhor explicam como se deu a atual ascensão da extrema-direita norte-americana, personificada em Trump. Trata-se de uma forte reação da elite branca protestante ao crescimento de uma sociedade multirracial. Não é a primeira vez que esse tipo de reação acontece. A elite dos Estados Unidos parece só gostar de brincar de democracia quando essa democracia interessa somente a ela.
Risco mundial
Para o mundo, no entanto, o risco agora é que esse retrocesso coloca em perigo também outras democracias. Quando houve a primeira reação, como mostram Levitsky e Ziblatt, as democracias estavam ainda em formação. Não estavam amadurecidas.
Multirracial
No final do século 19, após a abolição da escravatura e a Guerra de Secessão, os Estados Unidos estavam caminhando para ser uma democracia multirracial. Na ocasião, a reação veio curiosamente do partido Democrata, que hoje defende os direitos civis. Eles impediram o avanço.
Os republicanos hoje adotam discurso supremacista
Sociedade americana se torna multirracial | Foto: Fotos Públicas
Ao longo do século 20, o quadro mudou. Os Democratas adotaram a defesa multirracial, especialmente depois da década de 1960, e os Republicanos é que foram se tornando supremacistas. O grande problema hoje é que mais ainda a sociedade dos Estados Unidos deixou de ser branca e protestante. Além da população negra, importada à força na escravidão, há hoje a pressão dos migrantes, do México e outros países latinos, mas também de países árabes e orientais. O auge do triunfo dessa nova sociedade multirracial talvez tenha sido a eleição de Barak Obama. Para a elite branca, impensável um presidente negro com esse nome.
Minorias
De acordo com um notícia publicada pelo Daily Mail em 2011, portanto há mais de dez anos, o número de crianças nascidas não-brancas já teria ultrapassado as brancas. Elas já são a maioria, estima-se, desde 2020. Cerca de 44 milhões da população fala espanhol.
Força
Os Estados Unidos têm uma grande quantidade de ferramentas contramajoritárias. Ou seja, aquelas que permitem vitórias mesmo contrárias ao sentimento da maioria. O Brasil também as têm. Nosso Senado, por exemplo, tem modelo contramajoritário.
Defesa
Essas ferramentas contramajoritárias até existem para proteger as minorias. O problema é que, nos EUA, elas têm funcionado para impor a vontade de uma elite que não mais representa o desenho da sociedade. Um país governado pela minoria não é uma democracia.
Europa
No fundo, é essa mesma pressão multirracial que explica também a ascensão da direita na Europa. O risco é que há hoje uma organização planetária desses movimentos. Que pressiona outros países. No Brasil, o risco não estaria na pressão migratória. Mas na ascensão social.
*Rudolfo Lago é jornalista do Correio da Manhã / Brasília, foi editor do site Congresso em Foco e é diretor da Consultoria Imagem e Credibilidade
Publicado originalmente no Correio da Manhã
Foto de capa: Trump: decretos são chave da reação supremacista |GOP/Fotos Públicas
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