Se eu não posso ser quem sou: a aventura de se descobrir Ulisses, sendo mulher

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Por CÁTIA CASTILHO SIMON*

Se eu não posso ser quem sou – editora Zouk, é o primeiro romance da escritora Leila de Souza Teixeira, lançado em 2022. A escritora nasceu em Passo Fundo e atualmente mora em Porto Alegre. Ela já havia estreado na literatura brasileira com o contundente livro de contos “Em que coincidentemente se reincide”, em 2012. 

O romance é narrado em primeira pessoa por Geórgia, uma mulher de 35 anos que decide abandonar seu emprego público, abrindo mão da tão desejada estabilidade por tantos, mas não por ela. A protagonista empreende uma verdadeira odisseia a fim de se descobrir para além das estruturas sociais, desvendando suas amarras e artimanhas. Encara os próprios monstros e medos e, ao modo de um corajoso Ulisses, sendo Geórgia, os enfrenta, cada um ao seu tempo e vez. 

A protagonista discorre sobre o ambiente de trabalho em que convive ao longo de 14 anos e desvela o quanto este mundo está entrelaçado com as questões mais íntimas no âmbito pessoal e familiar. 

Geórgia deseja um dia mudar o rumo da sua vida; ao longo dos 14 anos de ‘suplício’ do trabalho burocrático num tribunal, economiza para quando este dia chegar. Nas redes sociais estabelece laços mais profundos com pessoas engajadas e comprometidas com o cuidado do meio ambiente (mais especificamente com o cuidado do mar), do que os que estabeleceu com seus colegas ao longo dos anos.  Somente na festa de sua despedida consegue estabelecer alguma proximidade e empatia com eles. Sua aversão ao cargo que exercia, estendia-se a todo o ambiente.

Geórgia tem consciência da utilidade do trabalho para o pagamento dos boletos, não é uma inconsequente, apesar de muitos a julgarem assim, entre eles, o namorado e a família.

É com poucos amigos que Geórgia contará como suporte para essa guinada de rumo, construindo outra perspectiva de realidade. Foi necessário sobreviver a raios e trovões – literalmente – para que se desse conta da fugacidade da vida. E quanto mais a realidade se mostra a ela, mais certeza tem de que “aquela não precisava ser a minha (sua) realidade”. 

Um novo nascimento acontece quando percebe o quanto está plena e forte em meio ao mar. Enquanto “guerreia” com as ondas, pensa: “como aguentei tanto tempo encerrada em salas de aula, escritórios, repartições públicas, se meu eu verdadeiro é este, que deseja guerrear contra marés e se misturar à vida pulsante do Planeta?”

Leila de Souza Teixeira nos conduz com a habilidade de quem domina a escrita e suas entrelinhas, induzindo, sugerindo, nos dando vários caldinhos, uma vez que é hábil nadadora em mares bravios da prosa. Vislumbramos com ela a desconstrução/construção de Geórgia, que não é uma sereia que nos inebria com seu canto. Mais que isso, por ela somos convocadas/convocados a pegar o leme e buscar nossa Ítaca ou outra ilha para a qual nascemos. Geórgia não depende de uma pessoa que lhe seja cara para apontar seu rumo, ela procura e encontra uma boa causa para viver, como os grandes heróis já fizeram. 

Ainda que o mundo e a sociedade se revelem sempre mais hostis com as mulheres como Geórgia e, mais recentemente, com Juliana Marins, não desistiremos. Obrigada, Leila. Seguiremos.


*Cátia Castilho Simon é professora aposentada  RME/Porto Alegre,  escritora e poeta.

Foto de capa: Cátia Castilho Simon

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