Por Um Manifesto Anticapitalista

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Por LINCOLN PENNA*

A luta antiimperialista educou durante mais de uma geração a militância política. Desde cedo éramos esclarecidos da importância de se juntar as classes assalariadas a uma suposta burguesia nacional para que fosse possível empreender a revolução nacional e democrática, uma vez que essa burguesia teria afinidades com o povo brasileiro e se opunha às pressões do imperialismo. Tratava-se de uma etapa indispensável com vistas ao objetivo maior, o da implantação do socialismo.

O problema dessa concepção de considerar a necessidade de uma etapa era a mesma que presentemente nos deparamos com os que identificam o neoliberalismo como algo a ser combatido sem alusão ao capitalismo, uma vez que ele representa no momento uma faceta do mesmo imperialismo sem sede, como acontecera quando de seu surgimento na Inglaterra e depois tendo sua matriz nos EUA, e agora não mais importando a sua nacionalidade, mas com o mesmo intuito, o de violar a soberania nacional das diferentes nações com vistas a subjuga-las.

Em ambos os casos, seja nas lutas anti-imperialistas ou nas que hoje identificam o neoliberalismo como a bola da vez no que concerne à defesa de estados soberanos, omite-se a raiz desses problemas a serem enfrentados. E a raiz é o capitalismo. Primeiro, na crença de que é possível com base nesse modo de produção prover os interesses da nação e sua soberania e as necessidades do povo; assim como diante de um novo subproduto do capitalismo, o neoliberalismo, que nada mais significa do que a expressão coetânea, ou seja, do nosso tempo, cujo embate deve merecer essa identificação de sua raiz, o mesmo capitalismo em sua nova faceta.

Mesmo os que entendem que tanto o imperialismo de então ou travestido de nova roupagem, como o neoliberalismo, como a prevalência da lógica do capital a comandar nossos corações e mentes, precisam explicitar que o grande mal da humanidade é o capitalismo. Daí a necessidade de se cogitar de um manifesto que ponha de forma clara essa evidência que os ideólogos do capital procuram mascarar, como se a economia se restringisse a esse modo operante da produção, reprodução e gerenciamento dos recursos de capital, a resultar sempre simplificações com o objetivo de escamotear os verdadeiros desígnios dessa lógica perversa.

Karl Marx quando produziu a sua obra que a nomeou de O Capital deixara nas suas entrelinhas que além dos efeitos deletérios responsáveis pela concentração de capital e em razão da crescente desigualdade dela resultante, deixara patente a irracionalidade desse modo de produção do ponto de vista da humanidade. Se as classes sociais já existentes antes mesmo do advento do modo de produção capitalista se tornar hegemônico na maior parte do mundo, com a sua expansão não somente essa desigualdade se intensificou como as lutas de classes próprias em sociedades assim configuradas se tornaram ainda mais violentas. A essa violência decorrente de um rápido processo de acumulação alcançado pela intensificação da exploração da força de trabalho mediante a extração da mais-valia, teria como resposta nesses embates entre capital e trabalho o emprego da violência como forma de superação dessa situação de espoliação contínua. Deriva em consequência as revoluções sociais, que se originam dessa situação diante da qual não resta ao proletariado senão a alternativa revolucionária.

A realidade vivida por Marx não se alterou substancialmente, muito embora aos intérpretes da realidade de nosso tempo se imponha adequações quanto a formas de luta, que sem se afastar do ideário revolucionário se ajuste às condições nas quais vivemos. Essas, embora no essencial se mantenham dentro da lógica do capital cada vez mais impregnante, no entanto, possuiem formas de luta que conjugadas conformam uma revolução que não será nem mais nem menos violenta dado que a violência matriz se encontra na continuada exploração do ser humano destituído de um mínimo de dignidade e exposto à violência de um cotidiano amargo.

Dos tempos de Marx até hoje em dia as condições de trabalho mudaram sem, no entanto, alteraram a exploração. A adoção de meios de trabalho se de um lado minoraram o desempenho da força de trabalho no que se refere às atividades nas indústrias fabris mais mecanizadas, a sujeição nas relações de produção entre os donos desses meios de produção e os trabalhadores que vendem sua força de trabalho continua. Acresce no caso das sociedades de passado escravocrata os descendentes dos senhores detentores de planteis escravizados reproduzirem de certa maneira uma relação, no mínimo, de desprezo e de ranço racista em relação à população negra, que não conseguem disfarçar em determinadas situações.

Chegou o momento para que a consciência cidadã do mundo compreenda que os males de nosso atual estágio civilizatório não podem mais tolerar os subprodutos do capitalismo, cujas representações não conseguem encobrir o seu caráter discriminatório e cruel para os produtores de nossas riquezas materiais e culturais.

É mais do que chegado o momento de dizer um sonoro NÃO a mais torpe forma de vida que conduz os povos a se julgarem superiores aos demais e por razões de cobiça e motivos de cunho estratégico para o exercício de seus exclusivos interesses desencadeiam guerras, secundarizam a miséria e incrementam os aparatos bélicos, que dispendem bilhões de dólares para a produção e reprodução de artefatos de guerra. Isso em nome de uma soberba que desmerece o conceito de soberania, pois esta não precisa recorrer a práticas de intimidação para representar o desejo de se manter a integridade de uma formação nacional.

A alternativa a esse capitalismo predatório e promotor de desgraça para amealhar riqueza concentrada em poder de poucos infelicitando dessa maneira a humanidade e a civilização em virtude dos rumos que tem nos conduzido parece que ganha a cada dia que passa mais clareza. Essa alternativa é representada por uma palavra, a fraternidade, que congrega o que de melhor temos condições de construir conjuntamente. Sua expressão em termos de representação de um modo de vida produtiva e satisfatória a toda a humanidade se traduz sob a denominação de socialismo.

Se o capitalismo é por essência incorrigível, o socialismo e suas experiências históricas ao contrário tem como ser reapresentado a partir de uma perspectiva que congregue a democracia. Nessa nova reincarnação histórica não há necessidade de nenhuma ditadura corretiva porque aprendemos que mesmo tendo essa finalidade as ditaduras do proletariado com esse objetivo não foram diferentes das que eram e são ainda hoje praticadas em nome de uma nova sociedade plena de justiça social.

As ditaduras do proletariado foram mais ditaduras de uma burocracia em nome da classe trabalhadora e, por isso mesmo, acabaram ruindo. Mesmo os que chamam a atenção para o fato de que a coexistência com o capitalismo hegemônico nas relações internacionais interferiu no fracasso dessa etapa de transição ao comunismo, objetivo final, não é possível deixar de lado os erros de condução desse processo no que tange ao dirigismo excessivo de uma direção centralizada com quase nenhuma participação popular.

A conclusão preliminar que se chega é que a remoção do capitalismo ou será universal, sem deixar rastro algum e muito menos práticas nocivas derivadas do capitalismo que ainda esteja em curso, ou teremos que conviver com uma nova coabitação entre o capitalismo e as novas formas de socialização dos meios de produção sob forma de regimes políticos. Situação que merece reflexão. Na atual mundialização qualquer mudança estrutural deverá ser verdadeiramente comum a todos os povos, uma vez que a todos interessa um novo mundo de paz e prosperidade, algo que o capitalismo já demonstrou ser impossível de concretizar dada a sua própria natureza.

Este século XXI terá de enfrentar essa demanda da humanidade, a da consciência da necessidade de se reconstruir o mundo para todos e todas. E o único caminho a ser trilhado é o da unidade de propósitos convergentes que principia com a superação de um modo de produção que tem infelicitado grande parte dos habitantes da Terra, sem que com ela tenha tido maior atenção para preservação de nossa casa, mercê das inúmeras demonstrações que tornaram urgentes decisões que não podem mais ser adiadas.

A nova revolução social tão cara na visualização de Marx passa nesse século pela conjugação com uma outra faceta dessa mesma revolução, que é a ambiental. Não há possibilidade de deixar de lado a defesa do meio-ambiente extremamente maltratado pela ganância da exploração de minérios e a utilização de meios que afetam a natureza, sua fauna e flora, e sem políticas de prevenção em nossos biomas naturais, para primeiramente tratarmos da mudança estrutural de nosso modo de produção pela transição do capitalismo ao socialismo, uma vez que ambas as revoluções, a social e a ambiental, são de caráter anticapitalista. E se encontra na ordem do dia da humanidade esclarecida e disposta a mudar o mundo para melhor.


*Lincoln Penna É Doutor em História Social; Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (MODECON); Vice-presidente do IBEP (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos).

Foto de capa: Reprodução

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Uma resposta

  1. Lincoln Penna conseguiu sintetizar o que esta geração espera do futuro.
    Não é pouco. Há pouco mais de 40 anos quem procurava alinhavar o projeto de um Socialismo democrático e até moreno era anti-comunista!
    A luta anti-imperialista não nos unia. Uma surprendente posição quando todos os países que faziam suas revoluções sociais partiam depois do colonialismo da luta anti-imperialista!

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