EUA x BRASIL: Nossas Diferenças

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Por PAULO TIMM*

O auspicioso encontro dos Presidentes Trump e Lula, na Malásia, no domingo passado – nov/26-2025 – , destacado como um ótimo passo rumo à negociação efetiva do contencioso EUA/BR do Tarifaço e da sanção da Lei Magnitsky sobre o Ministro Alexandre de Moraes, sugere a necessidade de se conhecer melhor cada um dos países. O encontro, aliás, embora promissor, nada garante quanto ao desenvolvimento dessa entente. O Canadá, semana passada, país muito mais ligado aos Estados Unidos do que o Brasil, teve as negociações suspensas só porque um desconhecido governador publicou um vídeo antigo de Ronald Reagan contra a imposição de tarifas no comércio mundial, numa reminiscência contra Trump. Toda cautela, portanto, se faz imperiosa.

Comecemos, pois, na comparação EUA x Brasil.
Vejamos as origens culturais dos colonizadores. Americanos, oriundos da Inglaterra, anglo-saxã, fruto da Reforma Religiosa na Inglaterra; No Brasil, colonização latina, lusitana, cristã. O melhor estudo neste sentido foi escrito pelo brasilianista Richard Morse , “O Espelho de Próspero: cultura e ideias nas Américas”. Neste livro o autor destaca a dominância humanista da cultura latina na colonização da América Latina, na esteira da forte influência de Roma nos anos 1500 na Península Ibérica. Já a cultura dominante na Inglaterra, um século depois, quando chega o “Mayflower” no Novo Continente, em 1620, não só é dominada pelo “espírito do protestantismo”, mais aberto às práticas comerciais emergentes, tal como propôs Max Weber em sua obra clássica sobre o espírito do protestantismo, como impregnada por um aristotelismo da práxis, que se incorporará como característica da filosofia experimentalista anglo-saxã de David Hume, contemporâneo de Isaac Newton no século XVII. Nós, enfim, temos a tendência de interpretar o mundo, à luz de valores transcendentais; eles, à explicá-lo pragmaticamente, caso a caso. Não por acaso, americanos, em geral, são particularistas. O “mundo”, para a maior parte deles, não passa do lugar onde residem. Diante deste arcabouço cultural da Europa ao longo da Idade Moderna (1494.1789), quando o centro hegemônico do mundo se transfere da Península Ibérica para a Inglaterra teria ocorrido uma transferência do eixo cultural da tradição latina para a anglo-saxã.

Quanto ao processo de colonização, também diferimos muito.
Os colonos americanos para lá se dirigiram movidos por ideais religiosos, para criar um mundo novo que culminaria, com o tempo, no mito do civilizador “Destino Manifesto”. O colono foi para a América do Norte com sua família e a carregou consigo no desbravamento do Oeste no século XIX, para o que contou com a abertura da fronteira em seu benefício contra os povos primitivos lá residentes, sempre com o amparo do Estado no direito à propriedade das terras ocupadas, graças ao Homestead Law, de 1862. (Homestead law” pode se referir a duas leis distintas: o Homestead Act de 1862, que concedeu terras públicas nos EUA para colonos, ou a um conceito mais moderno de residência principal protegida (homesteading), especialmente em locais como a Flórida, que oferece proteção para a residência contra credores. A tradução mais precisa depende do contexto: “Lei de Terras” ou “Lei de Sítio Rural” para o ato histórico, ou “proteção de residência principal” para o conceito jurídico atual. Enfim, os Estados Unidos foram o resultado de “colônias de povoamento”).

O Brasil, de sua parte, foi fruto da Revolução Comercial que trouxe, não apenas, sob a égide da “Ordem de Cristo”, sucessora dos Templários, e com a Cruz de Malta nas caravelas de Pedro Alvares Cabral, o “empreendimento”, mas com ele, a ideia do enriquecimento. Isso acabou transformando a colonização numa grande empresa de produção, ora da cana de açúcar, ora do algodão, ora do cacau, ora do café, voltada para o mercado externo, movida à brutalidade da escravidão africana. Daí a matriz colonial identificada por Caio Prado Jr em “A formação do Brasil Contemporâneo”: Latifúndio, monocultura, trabalho forçado. (A única exceção a este modelo no Brasil, foi, justamente o tardio processo de ocupação do Rio Grande do Sul). No modelo brasileiro mais geral, em lugar da disponibilidade de terras para a colonização, vigente nos Estados Unidos, o que aqui tivemos foi o inverso: a rígida Lei de Terras ,1850 (Lei nº 601), que impedia o acesso à terra pelos trabalhadores livres e pobres. Um livro de Otávio Guilherme Velho – “Capitalismo autoritário e campesinato: um estudo comparativo a partir da fronteira em movimento” – é a melhor comparação entre o papel das Leis de Terras no Brasil e nos Estados Unidos.

A expressão “lei de terras” pode se referir a diferentes legislações, mas no Brasil, geralmente remete à Lei de Terras de 1850 (Lei nº 601), que estabeleceu a compra como a única forma”de adquirir terras devolutas, inviabilizando a posse e consolidando a concentração de terras no país.

As conseguências se refletiram na modernização: Nos Estados Unidos, sempre sob o acicate da falta de mão obra, com salários altos; no Brasil, com uma recorrente oferta ilimitada de mão de obra – veja-se que saltamos em 30 anos, de 1970 a 2000, de 90 “milhões em ação”, para 180 milhões e daí, até 2025, mais 35 milhões, todos basicamente estocados em grandes cidades.
Ainda no advento da modernidade industrial, as elites americanas se dividiram. O norte, mais progressista e democrático optou, com Abraham Lincoln, pela abolição da escravatura; o sul, dominado por proprietários agrários, pela manutenção da escravidão. Foram à guerra civil – 1861/1865 -, com um saldo de quase um milhão de mortos. Os “confederados” sulinos, mais retrógrados, foram derrotados, abrindo-se o processo político à ampla renovação para a aceleração industrial. No Brasil, apesar da Abolição e da Proclamação da República, em 1889, a modernização foi negociada entre elites urbanas e agrárias na República Velha, só vindo a ser parcialmente rompida por Getúlio Vargas, em 1930, o qual também se obrigaria ao Pacto da Conciliação com surtos bonapartistas autoritários. Aqui, novamente, pela excepcionalidade do Rio Grande do Sul como Colônia de Povoamento, predominante, lindeira com ameaças externas, as “oligarquias” regionais já se haviam dividido desde 1893 e acabariam desembocando nas duas guerras civis que acabariam conflagrando “chimangos”, no comando do Estado, sobre os “maragatos”, mais liberais e agraristas. O Prof. Pedro Dutra Fonseca registra em vários artigos as diferenças “ideológicas” entre os dois grupos, chamando a atenção de uma advertência de Vargas, já em 1919 contra o espírito agrarista de Gaspar da Silveira Martins. Este processo, inédito no Brasil, impulsionou o protagonismo progressista excepcional de Vargas.

Finalmente, mas não menos importante, os Estados Unidos, ao se converter em potência dominante do mundo no fim da II Guerra Mundial, reivindicou-se centro ideológico do mundo ocidental e vem impondo o que considera missão do seu “Destino Manifesto”, no qual o Consenso de Washington, de 1989, foi o último ato impositivo. Trump, atualmente, é sua caricatura. O Brasil, entretanto, nesta etapa de sua constituição como Nação Democrática, em meio a grande diversidade étnica e cultural, , dificilmente se insere como parte integrante deste mundo, apesar de que suas instituições políticas, herdadas do processo colonial, assim o aponte. Mas isso talvez seja mais um entulho colonial do que o resultado do processo civilizador, entulho, aliás, que nos evidencia como uma das mais vigorosas economias mundiais num contexto de grandes diferenças sociais. Um atento analista da conjuntura internacional, S. Huntington em seu livro “A guerra das civilizações”, no qual adverte para um confronto Ocidente x Oriente já advertia que América Latina tem uma cultura própria. Brasil, com mais razões: Com uma população majoritariamente não branca e não europeia, à exceção do Rio de janeiro para o Sul, como inclui-lo como estritamente “ocidental”, como pretende o atual Ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira. Isso é mais uma dessas pérolas de estilo, tal como aquela do ex Presidente da Argentina, J. Fernandes, ao recepcionar uma missão de parlamentares espanhóis em Buenos Aires, quando afirmou orgulhosamente:

“Ao contrário dos mexicanos, que vieram dos índios, dos brasileiros que vieram da floresta, nós (argentinos) viemos do mar…”

Enfim, cultura, colonização e política, eis três diferenças fundamentais entre “nós e eles”: cultura do colonizador, caráter da colonização e estruturas sociais distintas. Eles, WASPs – brancos, anglo-saxões e protestante- ; nós, negros-mestiços e religiosamente sincréticos.


*Paulo Timm é economista, funcionário aposentado do IPEA, poeta, romancista, professor universitário e editor da Rádio Resumo publicado em A FOLHA, Torres em 31 de janeiro de 2025

Foto de capa: Reprodução

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