Por RUDOLFO LAGO*, do Correio da Manhã
O relator dos processos sobre os atos golpistas no Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, resolveu não incluir como prova as conversas do agente da Polícia Federal Wladimir Soares. A razão é lógica, do ponto de vista técnico: as conversas apareceram depois da denúncia do procurador-geral da República, Paulo Gonet. Então, não tinham sido incluídas como prova por ele. Moraes afirma que elas não acrescentam fato novo ao que já se sabia. É possível. Mas, mesmo não sendo prova a ser analisada, o que disse Soares certamente servirá para aprofundar as convicções pessoais dos ministros. Porque há ali um roteiro detalhado do que foi planejado, e que só não teria sido executado porque faltou o aval do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Exército
Aval que faltou, segundo ainda o que relata o agente Soares, porque Bolsonaro “foi traído dentro do Exército”. No relato de Soares, “os generais deram a última forma e disseram que não iam apoiar mais eles”. Pelo raciocínio de Soares, “o PT” teria comprado esses generais.
Disputa
Para além dos delírios conspiratórios de quem conspirava, o que se sabe é que os comandantes militares divergiram sobre a proposta de golpe. Freire Gomes, do Exército, e Baptista Júnior, da Aeronáutica, não toparam. E houve só o apoio de Almir Garnier, da Marinha.
No auge da repressão, Forças Armadas também divergiram
Prédio onde funcionou o Doi-Codi de São Paulo | Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil
O jornalista Eumano Silva é um dos maiores especialistas do país sobre o regime militar. Sobre a ditadura, escreveu, entre outros, “Araguaia – Os arquivos secretos da Guerrilha”, em parceria com Taís Morais, vencedor do Prêmio Jabuti em 2006. No ano passado, Eumano publicou o volume 2 de “Longa Jornada até a Democracia – Os 100 anos do Partidão”, que conta a história do Partido Comunista Brasileiro (PCB) de 1967 até o seu fim, quando se tornou o PPS e depois o atual Cidadania. Novamente, em muitos momentos Eumano mergulha em arquivos da ditadura . No caso, não somente para contar a perseguição aos comunistas.
Divisão
Eumano mostra que as Forças Armadas, em muitos momentos, entram numa disputa de vaidades, que provoca divisão. Um dos momentos detalhados em seu livro conta justamente como isso se deu quando os militares montaram suas ferramentas de repressão.
Codi
Após o famigerado Ato Institucional 5 (AI-5), a ditadura começou a estruturar seu aparelho de repressão com os novos poderes que recebia. Criou-se, então, o Centro de Operações de Defesa Interna (Codi). E a ideia de quem o idealizou era o comando do Exército.
Sarmento
O idealizador foi o general Syseno Sarmento. Que apresentou um modelo no qual os órgãos de informação das demais forças ficassem subordinadas ao Exército. Na época, a Marinha não aceitou esse modelo, e voltou-se contra ele, adiando as instalações dos Codis.
Marinha
A Marinha achava que tinha organismos melhores de inteligência que as demais forças. Defendeu ficar só na análise. Com isso, à época livrou-se do serviço sujo da tortura, que ficou com o Exército. Curioso é que, agora, quem teria evitado o serviço sujo foi o Exército.
*Rudolfo Lago é jornalista do Correio da Manhã / Brasília, foi editor do site Congreso e é diretor da Consultoria Imagem e Credibilidade.
Publicado originalmente no Correio da Manhã.
Foto de capa: Freire Gomes: Exército negou, Marinha topou |Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil
Respostas de 4
Estou assombrado com tudo o que está acontecendo no nosso pais. Imaginem se partidos de esquerda tivessem feito o que foi feito. O jornal o Globo, estaria histérico, a classe média enlouquecida , e as igrejas exigindo a prisão dos responsáveis, sem julgamento.
Muito interessante as informações aqui repassadas! Muita! importância devemos dar à reforma da grade disciplinar de formação de NOSSAS FORÇAS ARMADAS ! Afinal são muito bem pagas com dinheiro público e não faz sentido NÃO DEFENDEREM A NOSSA SOBERANIA!!! Não somos apêndices de Repúblicas Imperialistas! NÃO SOMOS QUINTAL DOS EUA!!!!
Em 1961, o Marechal Cordeiro de Farias encaminhou ao Presidente Janio Quadros, uma proposta de redução substancial do quadro permanente das forças armadas para 5.000 homens em armas (hoje são 50.000), e uma modificação na forma de treinamento dos oficiais da reserva – que seguiriam profissões diversas, apresentando-se periodicamente para atualização e treinamentos táticos para missões e tarefas em caso de uma agressão externa. O quadro permanente proposto seria suficiente para manter o treinamento de oficiais e soldados nos moldes adotados hoje para todos os brasileiros.
Faço um adendo com base tanto no que vivi, quanto no que pesquisei para meu livro, que traça um retrato da geração que saiu da adolescência e se tornou adulta durante a ditadura. A Marinha não ficou exatamente de fora do trabalho sujo, pois encontrou um jeito de terceirizá-lo, através do DOPS de São Paulo. Foi a Marinha que garantiu a impunidade do delegado Fleury, processado pelo Hélio Bicudo no caso do esquadrão da morte, que nada mais era senão um grupo encarregado de eliminar concorrentes na disputa entre traficantes de drogas. A Marinha também deu suporte e instalações para as ações de Fleury, como foi o caso do frade dominicano preso no Rio e torturado numa unidade militar da Marinha. Essa ação levou à execução de Carlos Marighella em São Paulo pela equipe de Fleury, que incluía o investigador João Carlos Tralli (pai do apresentador da Globo César Tralli). Tralli pai gabava-se de ter sido de sua carabina que partiu o tiro fatal que matou Marighella. Não dá pra saber se foi mesmo. O certo é que os assassinos estavam com muito medo de supostos “guarda-costas” de Marighela e dispararam uma saraivada de balas que não poupou nem mesmo a policial Stela Morato e o delegado Rubens Tucunduva, que participam da operação fingindo namorar em um carro. Stela morreu e o delegado saiu ferido. Se alguém se interessar por meu livro “1964, a ditadura que marcou a ferro um geração”, ele atualmente pode ser baixado de graça no site da editora Navegando: https://www.editoranavegando.com/_files/ugd/35e7c6_ee6da4a8adc54b289ef24db42ab89506.pdf