Congresso quer aprovar medida que abre caminho para gastos ilimitados fora do arcabouço fiscal e acende alerta no governo

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Brasília - 22.05.2023 - Foto da Fachada do Congresso Nacional, em Brasília. Foto: Antônio Cruz/ Agência Brasil

O Congresso Nacional se prepara para aprovar uma medida que, segundo técnicos da área econômica, pode abrir a porteira para gastos ilimitados fora do arcabouço fiscal brasileiro. É o que detalha matéria da Folha de São Paulo da última sexta-feira, 17. A iniciativa, que já passou pela Câmara dos Deputados e agora tramita no Senado Federal, provoca preocupação no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que tenta impedir sua aprovação.

O projeto de lei em questão propõe excluir do teto de gastos determinadas despesas com educação e saúde financiadas pelo Fundo Social do Pré-Sal, além de gastos bancados com recursos oriundos de empréstimos internacionais. Na prática, especialistas alertam que a medida pode criar uma “brecha” perigosa, permitindo que despesas cresçam sem limites formais e estimulando o aumento da dívida externa do país.

No caso da educação e da saúde, uma lei sancionada em 2025 já estabelece que a flexibilização deve ser limitada a 5% dos recursos do Fundo Social do Pré-Sal, o que corresponde a aproximadamente R$ 2 bilhões em 2026. O problema mais grave, contudo, está relacionado aos empréstimos internacionais. A proposta não impõe restrições para a ampliação desses recursos: na programação orçamentária para 2026, a despesa prevista com empréstimos é de R$ 1,9 bilhão, mas técnicos afirmam que nada impede que esse valor seja majorado nos próximos anos.

Segundo dois especialistas da área econômica ouvidos pela reportagem da Folha, o artigo cria, na prática, um “cheque em branco” para gastos fora do arcabouço fiscal: bastaria aumentar a captação de recursos via empréstimos internacionais para expandir despesas sem qualquer limite. A equipe econômica do governo tem se mobilizado para convencer parlamentares a retirar esse dispositivo do projeto. A votação, inicialmente prevista para quarta-feira (15) no plenário do Senado, foi adiada a pedido do Executivo.

O relator da proposta é o senador Jaques Wagner (PT-BA), que também lidera o governo na Casa. Nos últimos dias, integrantes do governo têm dialogado com Wagner para alertá-lo sobre os efeitos potenciais da medida.

O próprio Executivo tem sido alvo de críticas por manobras que ampliam despesas, como o uso de fundos públicos e privados. Porém, técnicos do governo afirmam que o projeto agrava a situação fiscal, prejudicando não apenas as contas públicas, mas também as contas externas. Ao incentivar a tomada de empréstimos no exterior para financiar despesas fora dos limites do arcabouço fiscal, a proposta estimula o aumento da dívida externa, colocando o Brasil no risco de deixar de ser credor líquido — situação em que as reservas internacionais superam o endividamento externo — e aumentando a vulnerabilidade a choques externos.

Além disso, os empréstimos constituem receita financeira, que não é contabilizada no resultado primário — principal parâmetro para metas fiscais anuais. Já o gasto realizado com esses recursos é classificado como despesa primária. Isso cria um efeito que técnicos definem como “o pior dos mundos”: o déficit primário se amplia, o endividamento cresce e a margem de manobra do governo diminui.

O projeto foi apresentado originalmente pelo deputado Isnaldo Bulhões (MDB-AL), líder da sigla na Câmara e relator do Orçamento de 2026. A reportagem da Folha tentou contato com ele, mas não obteve resposta. Na justificativa da proposta, Bulhões argumenta que “não faz sentido que esses recursos sejam submetidos ao limite de gastos, uma vez que são objeto de contratos firmados, com a obrigação de serem utilizados em determinados fins”.

Segundo o texto, “a submissão desses recursos ao limite de despesas primárias da LC nº 200, de 2023 [lei do arcabouço fiscal], pode atrasar a realização das ações planejadas, trazendo prejuízos maiores, inclusive com imposição de multas, a depender do contrato firmado. Portanto, propõe-se a exclusão dessas despesas do limite”.

O parlamentar não detalhou projeções para os gastos com empréstimos externos. Para saúde e educação, ele estimou um impacto de R$ 1,5 bilhão, valor considerado defasado pelo governo.

Na Câmara, o projeto foi aprovado no fim de setembro por 296 votos a 145, com apoio de partidos aliados do governo, incluindo o PT. A oposição tentou votar separadamente o artigo que cria exceção para despesas financiadas por empréstimos internacionais, mas a proposta foi mantida por 281 votos a 148, novamente com respaldo dos governistas.

A discussão ocorre em meio a um Congresso cada vez mais crítico ao Executivo por questões de gastos públicos. Parlamentares vêm cobrando medidas de contenção de despesas, criticando a expansão do Orçamento e, em alguns casos, barrando iniciativas que aumentariam a arrecadação.

Na semana anterior, a Câmara rejeitou uma medida provisória que elevava impostos e poderia ampliar a arrecadação em R$ 20,9 bilhões em 2026, ano eleitoral. A mesma proposta previa contenção de gastos de até R$ 15 bilhões no ano que vem.

Um dia antes, os deputados aprovaram uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que flexibiliza regras de aposentadoria para agentes comunitários de saúde e de combate a endemias, impondo à União o dever de fornecer ajuda financeira a estados e municípios para custear os benefícios. Especialistas consideram a medida uma espécie de contrarreforma da Previdência.

Com a tramitação do projeto no Senado, o governo segue mobilizado para tentar limitar o alcance da medida, mas analistas afirmam que, caso aprovada, a iniciativa poderá aumentar significativamente a rigidez fiscal do país e pressionar ainda mais a dívida externa brasileira.


Imagem destacada: Antônio Cruz/ Agência Brasil

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