Por J. CARLOS DE ASSIS*
É incrível que, com uma pauta atrasada para a tomada de importantes decisões, como a reforma tributária, o Congresso esteja virtualmente paralisado por causa das festas de São João no Nordeste. Isso dá a dimensão da irresponsabilidade com que nossos parlamentares tratam os interesses dos cidadãos e cidadãs brasileiras. Seu foco prioritário, sempre, são as emendas, de onde sistematicamente desviam dinheiro público para seus bolsos e campanhas eleitorais.
O lado positivo dessa ausência de deputados e senadores em Brasília é que o espaço para o conchavo de lobistas em favor das grandes oligarquias financeiras e do agronegócio fica mais estreito. Contudo, mesmo nas festas de São João, sempre é possível encontrar tempo para conspirar contra o povo. Já está quase estabelecido que é preciso barrar as propostas do Executivo de tributar menos os pobres e compensar com maior tributação dos ricos.
Essa seria uma das principais contribuições do Governo Lula para uma política de melhor distribuição de renda no País. Entretanto, é vigorosamente repelida pelos bilionários que dominam o Estado. Todos sabem que rico não gosta de pagar imposto. Ao contrário, apropria-se de amplos incentivos e subsídios dados pelo Governo, enquanto denuncia as políticas compensatórias em favor das parcelas mais vulneráveis da sociedade como medidas negativas assistencialistas.
Eu também não sou fã de políticas assistencialistas, quando não vêm acompanhadas de iniciativas que criem bases estruturais para uma efetiva melhora de vida das populações mais pobres. Acho, porém, que no Governo Lula, só temos assistencialismo. Sua administração com partidos políticos sem programas coerentes entre si não é capaz de introduzir nada de novo nas políticas públicas que se traduzam numa política nacional desenvolvimentista voltada especificamente para o “andar de baixo” da sociedade.
Daí nossa convicção de que, por iniciativa da própria sociedade, é urgente explorar as oportunidades de desenvolvimento “local e regional” em cada palmo do território brasileiro aonde ainda não chegam as políticas públicas “de cima para baixo”. O instrumento para isso são os Arranjos Produtivos Locais, Regionais e Vocacionais, que temos defendido nessa série de artigos para a Tribuna da Imprensa, replicados em vários outros sites e blogs do País.
O que as classes dominantes brasileiras e as elites que as servem oferecem à sociedade é a exploração indefinida das classes trabalhadoras, sugando a mais valia que produzem e apropriando-se, sem escrúpulos, de um lucro produzido pela exploração muitas vezes extrema do trabalho humano. Isso um dia terá que mudar. Talvez, no atual momento histórico, a perda da hegemonia política pelos Estados Unidos, em nível geopolítico, esteja sinalizando mudanças cruciais também nas bases das sociedades.
Os APLs, APRs e APVs, como temos sustentado, são os instrumentos que vislumbramos para a construção da sociedade mais justa que vemos como a possível sucessora do capitalismo e do socialismo, ambos ultrapassados de alguma forma. Do capitalismo nem se fala. É o exemplo mais extremo de um sistema que levou o mundo à total degradação ambiental, ao consumismo desenfreado, à destruição da ética e ao risco da sobrevivência da humanidade numa catástrofe nuclear, como visto agora.
O socialismo, do qual a China é um exemplo de sucesso material, peca pelo fato de que não é um sistema controlado pelos trabalhadores, como prometia em seus primórdios, mas um capitalismo de Estado. Portanto, como previu Marx, chegou o momento de Capitalismo e Socialismo se integrarem numa síntese em nível superior a ambos. Nesse sentido, a despeito de todas as mazelas, guerras, insegurança interna e degeneração social que vemos atualmente, o que temos em vista para o futuro é o Sociocapitalismo, que integra Capital e Trabalho de uma forma não conflituosa.
Para um trabalhador do século XIX, que enfrentava a realidade crua do capitalismo predatório e brutal, teria sido impossível imaginar que em algum dia seria possível a convivência pacífica com o capitalista. Mas a realidade mudou. No século XXI, a novidade suprema é que o trabalhador, num Arranjo produtivo típico em forma de Sociedade Anônima, da qual tenha as ações majoritárias, pode se tornar, ele próprio, um capitalista. Nesse sentido desaparece o motivo para a luta de classes, pois, nessa condição de sócio capitalista de uma S.A., não faz sentido o trabalhador lutar contra si mesmo.
No meu modo de entender, é a luta de classes, hoje, que está na base das sociedades belicosas em que vivemos. A busca desesperada de ganhos materiais, que começa no plano nacional e vai se globalizando, acabará por se tornar um conflito generalizado se o apetite ganancioso por mais lucros não for bloqueado em algum momento. Isso ainda não aconteceu de forma cabal porque esse processo está apenas começando.
Na Guerra Fria, fazia sentido que países como Estados Unidos e União Soviética se confrontassem com risco de guerra, pois se baseavam em sistemas sociais opostos. Com o fim dela, por culpa exclusiva da OTAN – que tentou engolir todas as ex-repúblicas soviéticas -, o Kremlin teve que defender suas fronteiras, invadindo a Ucrânia. Agora, não há mais razão objetiva para guerras, mesmo porque, se generalizadas, colocariam em risco o futuro da Humanidade.
Assim, a despeito de todas as incertezas do passado, é possível que estejamos caminhando para um futuro de paz. No sistema Sociocapitalista, haverá maior igualdade material entre as pessoas e menores riscos de conflitos. E, na medida em que o sistema econômico cooperativo que lhe daria base propicie desenvolvimento sustentável acelerado para todas as nações, haveria menos motivos de conflitos também no plano internacional.
Iniciei este artigo apontando a terrível indiferença do Congresso brasileiro em relação a projetos e temas de interesse da sociedade. Termino chamando a atenção para o descompasso em que ele está em relação aos acontecimentos internos e externos de nosso tempo, inclusive os relacionados com a busca da Paz. Para 2026, mais que a eleição do Presidente da República, a prioridade deverá ser, portanto, a eleição de um Parlamento responsável com características radicalmente opostas ao atual. A sociedade, especialmente a juventude, precisa tomar como prioridade renovar o Parlamento brasileiro de forma radical.
*J. Carlos de Assis é jornalista, economista, doutor em Engenharia de Produção, professor aposentado de Economia Política da UEPB, e atualmente economista chefe do Grupo Videirainvest-Agroviva e editor chefe do jornal online “Tribuna da Imprensa”, a ser relançado brevemente.
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