Por CÁTIA CASTILHO SIMON*
Minha avó paterna, Paulina (1902 a 1968), e minha netinha, Sarah(2023), nasceram no mês de janeiro, com um dia de diferença e mais de um século as separa.
Enquanto meu avô tropeava, levando gado de um lado a outro do estado, minha avó tomava conta dos quatro cantos da pequena estância. Bichos e crianças eram da sua alçada. E não ficava só nisso, ela também fazia as vezes de parteira, receitava alguns chás, alfabetizava nos arredores daquele pequeno fim de mundo em que vivia. Ela que nasceu no Uruguai e veio pequena com a família para o RS viveu suas agruras desde cedo.
Estava combinado. Eles se aventuravam e elas tomavam conta do dia a dia da família e tudo o que cabe neste domínio: cuidar, lavar, cozinhar, proteger, curar.
Através da lei, a justiça garantia a legítima defesa da honra, firmada em 1940, no código penal brasileiro. Foi em 2021 que o STF decidiu retirar a tese por ferir a dignidade humana, pois não protegia a vida.
E muitas coisas foram acontecendo. No governo anterior ao atual, houve o brado governamental protagonizado pela extrema direita, liderada por um mitônomo, que através de sua ministra impunha lugares sacramentados no dualismo simplista onde menina veste rosa e menino veste azul. Desprezo total ao avanço social e cultural dos conceitos de gênero e civilidade.
Lutamos todas, todes e todos para derrotar os protagonistas desse atraso político e humano que nos assombrou ao mesmo tempo em que lutávamos para sobreviver ao vírus da Covid. Foram quatro intermináveis anos.
Não bastasse isso, o inelegível criou situações de constrangimento e vergonha alheia internacional quando, por exemplo, desmereceu a esposa do presidente francês, Macron, referindo-se a ela como feia e elogiou a beleza da esposa do Trump. Usou tais referências para reforçar sua sintonia política com o presidente americano.
Buenas, dia desses o presidente Lula ao empossar a ministra Gleisi Hoffman diz querer mudar a relação com os parlamentares e por isso colocou uma mulher bonita para ser ministra de relações institucionais. A fala trouxe manifestações contrárias da esquerda e da direita.
Não, não é uma ofensa dizer que uma pessoa, no caso, uma mulher é bonita, desde que não seja esse o diferencial para colocá-la em determinada função como acontecia e acontece através de mentes obtusas. É óbvio que a Gleisi não está lá por ser bonita, ela já mostrou há muito a que veio. Ela é o terror da extrema-direita, pois sabe bem com quem está lidando. Eles sabem, todos, todas e todes sabem. A extrema direita pega carona em um cacoete machista para desqualificar as ações do atual governo a favor das mulheres. Não só isso, quiseram estremecer de saída a boa relação do presidente com a ministra, só que não.
A comunicação trunca-se mais do que nunca. Nem todas as pessoas querem parar para ouvir e refletir; há muita informação, então o melhor mesmo é ver quem diz o quê e já se posicionar. A polarização está na ordem do dia e isso é o suficiente para a adrenalina agir. Não tenho dúvida que foi uma fala equivocada do presidente e ponto. Ele tem, sim, que conversar com a Janja sobre isso, pois é a partir da intimidade que o discurso e a prática avançam.
Neste século que separa minha avó da minha neta avançamos, mas ainda é pouco. Não existe mais a lei da legítima defesa da honra, mas por que então o aumento dos feminicídios? O presidente Lula sancionou pena maior aos feminicidas, por que eles avançam como se nada tivesse mudado?
As mulheres ainda são o grande objeto a ser conquistado, exibido e consumido pelo patriarcado. Os corpos das mulheres estão sujeitos a juízos de valor por homens e mulheres. Ignoram-se outras designações de gênero por que nelas não cabe a reprodução. É necessário que outras vistam rosa e outros vistam azul para que o sistema se perpetue.
No labirinto mítico, Ariadne segurava o fio do lado de fora para que seu herói, Perseu, matasse o minotauro e saísse vitorioso. Há muitos minotauros e nenhum Perseu na vida real – descoberta revelada na luta secular das feministas. As mulheres adentraram os labirintos, algumas aprenderam a transitar neles, outras viraram estátua de sal por lá mesmo.
Ariadnes de nós mesmas e Perseus livres de serem heróis é o que desejo nessa recém iniciada caminhada da Sarah e também da Sofia, nova netinha, que nasce em meados de maio.
*Cátia Castilho Simon é professora aposentada RME/Porto Alegre, escritora e poeta.
Foto de capa: Reprodução
Respostas de 4
As mulheres precisam falar e serem escutadas. Principalmente em um país extremamente machista como o Brasil. Igualdade de direitos para pessoas diferentes. A mulher é diferente do homem, os direitos são iguais
Não foi assim. Ele não disse que ia colocar uma mulher bonita. Disse uma pessoa competente e da confiança do Planalto. Não sei as palavras certas. Mas foi o que qualquer pessoa entenderia e que além do mais é bonita.
Também sou feminista e vivi a ditadura e a superioridade do marido. E continuo na luta política e doméstica, trabalhando e entendendo.
Que lindeza de texto.
Amei.
Parabéns.
Lembrei de uma milonga que fiz citando o tropeiro dos pampas é também de minha avó indígena paraguaia e enzedeura, além parteira,lavadeira é enfermeira.. me emocionei até!
Gratidão pelo texto.
Texto necessário! 👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼