Por LINCOLN PENNA*
Faz 160 Anos a Guerra de Secessão nos EUA.
A primeira e grande guerra civil da história norte-americana findou em 1865, quando os Estados do Norte venceram esse conflito sobre os do Sul escravocrata. Iniciada em abril de 1861, as forças sulistas tendo a frente o general confederado Robert Lee se rendeu às tropas do general da União Ulysses Grant, na Virgínia.
Como não poderia deixar de ser, de imediato foi cessado o regime da escravatura nos territórios vencidos, a partir de uma Emenda Constitucional que aboliu a escravidão ainda reinante no Sul. Reintegrado sob um já pleno sistema capitalista de produção no qual o assalariamento tornar-se-ia generalizado em todo o espaço dos EUA, as sequelas decorrentes desses conflitos não se extinguiram por completo. Basta mencionar que em pouco tempo grupos organizados no Sul agiam contrariamente aos novos direitos ratificados constitucionalmente, cujo exemplo mais conhecido foi a organização da Klux-Klu-Klan, até hoje não totalmente extinta.
Mais do que isso, o caldo cultural racista se estendeu até hoje com demonstrações e atos que haviam motivado as grandes lutas antirracistas havidas e por demais conhecidas, que mesmo assim não fizeram desaparecer traços ainda fortes dessa cultura política discriminatória do aparthaid, só oficialmente abolida, não na prática. Casos e mais casos têm se registrado nos quais negras e negros são vítimas da ira de grupos racistas, de modo a produzir cenas dramáticas de violência geralmente seguidas de morte.
O pior, no entanto, é o efeito multiplicador dessas manifestações a estimular atos e atitudes que não invariavelmente ocorrem nos pequenos e grandes centros urbanos das cidades norte-americanas. Mas, ainda pior é quando representantes dos poderes da nação, principalmente, os gestores públicos, sejam eles prefeitos, governadores e, sobretudo, o presidente dos EUA se identificam, embora nem sempre explicitem essa identificação, com aqueles que desejam regredir às velhas ações de modo a reforçarem o culto do branqueamento, do arianismo, disfarçado em defesa dos fundadores da pátria e em nome de sua história.
O que se percebe nesses primeiros meses de governança do presidente Trump é precisamente isso, ou seja, o retorno aos tempos de vigência de uma raça branca, legítima representante do orgulho Yankee. Agora a incluir não apenas os negros que construíram mercê sua força de trabalho aquele país, mas também essa nova força de trabalho constituída pelos imigrantes recentemente objeto de expulsão sumária do território norte-americano. Tara nutrida de uma perversidade agônica que tem sido repudiada por todas as nações do mundo que não se submeteram ao trumpismo em sua versão mais original, presentemente assumida e a merecer o desprezo dos povos do mundo inteiro.
Da Guerra de Secessão até a expansão imperialista dos anos dos pós-guerra do século XX, sem considerar os seus primórdios ainda no século XIX, a política externa do Tio Sam parece obedecer aos instintos da nova faceta imperialista, aquele conduzida pelos apetites das grandes finanças. Essa é a razão pela qual o Trump II exibe abertamente e sem rodeios o interesse em ocupar a Groelândia, incorporar o Canadá como o seu quinquagésimo primeiro estado e, ainda tomar para si o controle absoluto do Canal do Panamá, além de simbolicamente rebatizar o Golfo do México para Golfo da América. Marcas de um império sem fronteiras na direção da realização de um projeto alucinante de poder mundial.
Desse modo, não é incorreto dizer que o capitalismo em sua fase de financeirização das relações mundiais suplanta as dimensões até então históricas dos Estados Nacionais para se tornar um Modo de Produção universal incapaz de ser contido, o que só renova a necessidade de se construir uma unidade anticapitalista capaz de conter essa ameaça que não é uma mera possibilidade, já que está em curso acelerado e detendo uma máquina de guerra colossal a seu serviço.
*Lincoln Penna É Doutor em História Social; Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (MODECON); Vice-presidente do IBEP (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos).
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