A resistência popular frente à política econômica que sufoca seus direitos

translate

Design sem nome (75)

Por J. CARLOS DE ASSIS*

Um dos principais macroeconomistas brasileiros da nova geração, meu caro amigo Daniel Negreiros Conceição contestou, no editorial de anteontem da Tribuna da Imprensa sobre “o Ajuste Fiscal que Interessa (aos Bancos)”, a parte relativa “ao  velho erro de atribuir nossas dificuldades fiscais e macroeconômicas aos gastos com juros”. Ele tem razão. Na verdade, nosso problema real não são os juros, mas o ajuste fiscal.

Os juros, como a mais proeminente despesa contábil relativa à Dívida Pública, não são pagos, mas sim rolados com a emissão de novos títulos.  Por certo que, tendo em vista a altura em que se encontra a Selic, seu indexador, aumenta o estoque da Dívida numa escala brutal. Esta cresce sem qualquer constrangimento, pois não há limite para o orçamento financeiro. Assim, o limite recai sobre o orçamento primário.

Um truque legal possibilita que parte do pagamento da Dívida se realize efetivamente com a transferência de recursos orçamentários empenhados,  mas não executados pelos ministérios. Nesse caso, não há rolagem, mas transferência de recursos diretamente aos credores da Dívida na Conta Única do Tesouro e Banco Central. Dessa forma, o que deveria ser ativo do Tesouro, passa a ser passivo.

É para acomodar no orçamento geral do País o serviço da dívida pública empurrado para as alturas pela Selic, e considerado intocável, que o “mercado” exige cortes nos gastos públicos primários, com a veemência destacada na Tribuna. A verdadeira trava da economia, portanto, está na ideia de que é necessário equilibrar o orçamento global a qualquer custo a fim de garantir o que chamam de “sustentabilidade” da Dívida.

Se as despesas do orçamento primário gozassem dos mesmos privilégios do orçamento financeiro, elas poderiam aumentar sem maiores problemas, exceto se os recursos correspondentes fossem desperdiçados em maus projetos ou programas irresponsáveis do governo. Se fossem bons e bem planejados, seriam acompanhados por um aumento da produção e da oferta, garantindo estabilidade inflacionária dinâmica.

Defendo um teto para os gastos do governo, acima das receitas, de 3% do PIB, como ocorre nos países do euro monitorados pelo Banco Central Europeu. Como nosso PIB está acima de R$ 11 trilhões, isso teria grande impacto nas receitas públicas, financiadas por emissão monetária ou por novos títulos de Dívida, da ordem de R$ 300 bilhões anuais. Seria suficiente para um grande programa nacional desenvolvimentista.

O que impede o uso dessa trilha garantida de crescimento econômico dinâmico e equilibrado, onde o aumento da demanda a partir do déficit puxaria o aumento da oferta, é a obstinada ideologia do equilíbrio orçamentário defendida pelos neoliberais da equipe econômica, e incorporada por Lula. É uma ideologia trivial que Lula herdou da mãe, dona Lindu, que o ensinou a “nunca gastar mais do que se ganha”. ´

É claro que, no interior de Pernambuco, dona Lindu jamais saberia  que o Estado pode, sim, gastar mais do que arrecada, pois tem o monopólio da emissão monetária, além de acesso fácil ao crédito do setor privado, que precisa de porto seguro para guardar ou rolar seu dinheiro. Mas o fato concreto é que, sob a ditadura do orçamento equilibrado, o governo está destruindo a capacidade de crescimento e o Estado Social.

Todo esforço despendido ontem pelo Congresso e o Executivo para um “alinhamento” de posições relativas ao acerto em torno do IOF reflete a obstinação das classes dominantes e, em especial, do capital financeiro especulativo, em fazer equilíbrio orçamentário. Uma primeira parte foi sinalizada: a compensação da perda do aumento do IOF pretendido por Haddad. A segunda parte, o corte das despesas, foi apenas anunciada.

É aí que mora o perigo. Pois o capital predatório e a aristocracia pública estão empenhados nos cortes no orçamento primário na parte que atende diretamente ao interesse público. Assim, mesmo as despesas com setores protegidos pela Constituição, como as chamadas não discricionárias, estão no radar da tesoura. É o caso de Saúde, Educação, saneamento básico, salário mínimo e vínculos, construção de casas etc.

Como citado no nosso Editorial, “representantes da Febraban, do BTG Pactual e do Itaú subiram o tom: pediram, em uníssono, um “ajuste fiscal urgente” ao Governo federal. “O discurso veio embalado na linguagem da responsabilidade — aquela que exige corte de gastos, mais controle, menos Estado”. Anteontem, líderes dos três Poderes anunciaram publicamente um “alinhamento” de posições em torno do IOF. Parecia tudo resolvido. Até que o presidente da Câmara, Hugo Motta, ontem à noite, virou o jogo de novo e insistiu nas ameaças da Casa ao Executivo, revelando a clássica subordinação às ordens dos banqueiros.

Diante dessas circunstâncias, o que se exige é virar de cabeça para baixo a política macroeconômica. Uma vez mantidas as travas atuais, tanto do lado fiscal quanto do monetário, não haverá condições para a retomada do crescimento do País a altas taxas. Contudo, como tenho advertido, precisaremos de crescimento elevado para enfrentarmos inclusive os desastres climáticos extremos que continuaremos a ter que suportar.

Nesse caso não é só a política fiscal que tem que mudar. Com o aumento da demanda oriundo de um eventual déficit orçamentário, a demanda global da economia aumenta proporcionalmente, e tem que ser compensada por aumento dinâmico da oferta. Este só pode ocorrer se houver investimento, e investimento requer financiamento adequado, assim como taxas de juros razoáveis. Nunca a Selic nos níveis em que está! 

A linha de defesa do povo, diante das resistências ideológicas oportunistas das classes dominantes a uma nova política econômica, é refugiar-se nas partes do território nacional onde subsistem condições de produção e de vida sem as travas impostas pelo “andar de cima”. É essa a aposta que estamos fazendo com a divulgação do imperativo de organização dos Arranjos Produtivos Locais e Regionais.

Com esse objetivo, nosso grupo de especialistas em organização de Arranjos está mantendo contatos com professores universitários, dirigentes trabalhistas e líderes sociais com o fim de discutirmos, com o objetivo de uma firme ação social e política em tempo oportuno,  a expansão da rede desses empreendimentos no Brasil. Pessoalmente, estou muito animado com nossas perspectivas “de baixo para cima”.

Ensinava Sun Tzu, o grande mestre da estratégia, que é um erro navegar contra a direção do vento. Penso que o vento nos está a favor de duas formas: primeiro, em face das mazelas do País, e mesmo que não de uma forma consciente, o povo busca uma saída e nós lhe estamos oferecendo uma; segundo, “de cima para baixo”, as classes dominantes, com sua ideologia gananciosa e oportunista, está empurrando cada vez mais o povo para algum tipo de reação!   


*J. Carlos de Assis é jornalista, economista, doutor em Engenharia de Produção, professor aposentado de Economia Política da UEPB, e atualmente economista chefe do Grupo Videirainvest-Agroviva e editor chefe do jornal online “Tribuna da Imprensa”, a ser relançado brevemente.

Foto de capa: Reprodução

Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com . Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia..

Gostou do texto? Tem críticas, correções ou complementações a fazer? Quer elogiar?

Deixe aqui o seu comentário.

Os comentários não representam a opinião da RED. A responsabilidade é do comentador.

Uma resposta

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

plugins premium WordPress

Gostou do Conteúdo?

Considere apoiar o trabalho da RED para que possamos continuar produzindo

Toda ajuda é bem vinda! Faça uma contribuição única ou doe um valor mensalmente

Informação, Análise e Diálogo no Campo Democrático

Faça Parte do Nosso Grupo de Whatsapp

Fique por dentro das notícias e do debate democrático