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Metas não atingidas e informações contraditórias levaram o controle social a reprovar o Relatório de Gestão da Saúde de Porto Alegre 2022

Metas não atingidas e informações contraditórias levaram o controle social a reprovar o Relatório de Gestão da Saúde de Porto Alegre 2022

Geral por RED
26/10/2023 16:01 • Atualizado em 26/10/2023 14:54
Metas não atingidas e informações contraditórias levaram o controle social a reprovar o Relatório de Gestão da Saúde de Porto Alegre 2022

A votação do plenário do Conselho Municipal de Saúde de Porto Alegre (CMS/POA) aconteceu na quinta-feira, 19, com 30 conselheiros que reprovaram o RAG e 3 que aprovaram

Instrumento de planejamento do SUS, o Relatório Anual de Gestão (RAG) 2022 da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) apresenta as ações realizadas pela gestão e o cumprimento das metas propostas para o primeiro ano de execução do Plano Municipal de Saúde (PMS) 2022-2025, que também foi reprovado pela maioria dos usuários e trabalhadores do SUS.
A análise e votação do relatório, que avalia o desempenho da gestão do SUS, é uma das atribuições do CMS. Com a reprovação do RAG, a expectativa do colegiado é que sejam feitos ajustes nas ações planejadas pela gestão para a Programação Anual de Saúde de 2024, que deve ser apresentada até o final deste ano ao Conselho.
parecer nº 3 de 2023 da Secretaria Técnica (SETEC), aprovado pelos conselheiros de Saúde em 28 de setembro, subsidiou a deliberação do plenário. O documento chamou a atenção para a ausência de diversas informações, especialmente às relacionadas aos indicadores, além de informações contraditórias. O parecer grifa a falta de parâmetros balizadores para a análise comparativa “deve ser salientado que números absolutos, sem a identificação de parâmetros, não se prestam às análises avaliativas como ocorreu em diversas áreas apresentadas”.
Também é pontuada a preocupação com o descumprimento de ações estruturais, como o cadastramento por território de toda a população para a abertura de novas equipes de Saúde da Família (eSF). Além do descumprimento da deliberação da Conferência de Saúde e da Resolução da Atenção Básica para garantia de 100% de cobertura da população das eSF com Agentes Comunitários de Saúde (ACS).
Em relação ao trabalho dos ACSs, o parecer alerta que foram retiradas do RAG as tabelas que “historicamente” apresentavam a cobertura de agentes por região, trabalho estruturante para a efetividade da Saúde da Família. Registros que possibilitavam o monitoramento da série histórica desse indicador.

“Eu quero me mudar para esta cidade que o secretário de Saúde está falando”, disse Djanira Correa da Conceição, usuária do SUS da região Sul Centro Sul, referindo-se à apresentação do RAG feita pelo secretário Fernando Ritter na reunião. “Enquanto moradora, eu entendo que só vou ter cobertura de saúde quando eu for ao médico e eu tenha resolvido o meu problema. Antigamente nós tinhamos acolhimento porque não estava tudo terceirizado, agora não não temos mais acolhimento e muito pouco até de verificação de pressão, que raramente é feita. Temos um médico que não resolve os problemas porque ele encaminha para consulta com especialistas e exames e ficamos na fila de espera e nada acontece, isso não é cobertura da saúde da população”, denunciou Djanira.

Para Josiane Machado Garcia, trabalhadora e representante do Conselho Distrital Humaitá Navegantes Ilhas, o governo municipal deveria, pelo menos, garantir o que está proposto na Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) 2017, referindo-se a composição de, no mínimo, um ACS por equipe de Saúde para as visitas domiciliares, o que não acontece em Porto Alegre. “As pessoas não são números e estão morrendo, a primeira coisa que deveria ter como meta para a cobertura populacional é garantir pelo menos um ACS por equipe, e isso nem é pedir aumento do quadro, é ter pelo menos o quadro mínimo”, lastimou Josiane.
O parecer retrata que o percentual de 17,06% aplicado em Ações e Serviços Públicos de Saúde (ASPS) em 2022 é o menor percentual aplicado desde 2013, em contraposição à Receita Líquida de Impostos e Transferências que apresenta crescimento. Com isso, nos indicadores do Sistema de Informações em Orçamentos Públicos em Saúde (SIOPS), Porto Alegre passou a figurar como cidade que investe abaixo das médias nacional e estadual em gastos por habitante e aplica percentual em ASPS também abaixo das médias nacional e estadual.
Em 2022, o Município investiu R$ 506,19, um valor menor que em 2021, quando o investimento foi de R$ 541,50 por habitante. O parecer compara com o investimento feito em Saúde na cidade de Belo Horizonte, que também é uma capital com porte parecido com Porto Alegre, que aplicou, em 2022, 20,45% em ASPS e investiu R$ 659,73 por habitante, um valor de R$ 153,44 a mais que Porto Alegre.
Conforme a análise, o Município reduziu a execução da despesa apesar da ampliação dos recursos de fonte estadual, que chegou a 18,2%, e federal, que atingiu um aumento de 35,64% em relação também ao ano anterior (2021). Além da entrada de recursos extraordinários, no valor de R$ 99.881.017,67, e referentes às Emendas Parlamentares, que somaram R$ 42.644.755,00.
A SETEC denuncia, no documento, o uso indevido de R$ 29.489.531,79, que foram retirados da Saúde para uso na Secretaria de Educação por meio de créditos suplementares, a revelia do controle social e por decisão do Comitê de Gestão Orçamentária e Financeira, órgão vinculado ao Gabinete do Prefeito. O valor é parte dos recursos das despesas extraordinárias recebidas pelo Fundo Municipal de Saúde (FMS) e decorrentes da municipalização do Hospital Materno Infantil Presidente Vargas (HMIPV). No total, R$ 69.362.564,63 ingressaram nas contas como pagamento da dívida do governo Federal e por meio do CMS que, em 2015, entrou com representação no Ministério Público Federal pedindo o pagamento de verba indenizatória prevista no termo de municipalização do HMIPV, assinado em 2000. No parecer, está em destaque que a “utilização do recurso para suplementar a educação é ilegal, constitui desvio de finalidade, visto que a decisão foi tomada por um órgão externo ao FMS, contrariando o disposto na lei 141/2012”. O documento diz, ainda, que essa ação afronta decisão judicial cuja sentença atribui à Secretaria da Saúde a gestão dos recursos do Fundo.
É ressaltado, também, no parecer, o aumento de 3,8% da mortalidade prematura em pessoas de 30 a 69 anos com doenças crônicas não transmissíveis do aparelho circulatório, câncer, diabetes e doenças respiratórias crônicas. Os dados apontam 362,8 mortes para cada 100 mil pessoas, em 2022, ante 349,7 para cada 100 mil pessoas em 2021.
Outro destaque no parecer foi a situação da Tuberculose, doença que “mais emblematicamente caracteriza a pobreza no processo saúde/doença de uma população”. Em 2022, os indicadores demonstraram a presença da doença em 82 pessoas para cada 100.000 habitantes, sendo que a população negra compõe 40,6% dos casos mesmo representando apenas 20% da população da cidade. O relatório salienta que as ações desenvolvidas pela gestão para o enfrentamento da Tuberculose foram “tímidas e insuficientes e não correspondem à realidade dos indicadores demonstrados”.
Maria Inês Bothôna Flores, usuária da região Leste e coordenadora adjunta do CMS, disse que na sua região o anos de 2022 marcou um período de retrocesso nos indicadores de Saúde. “Na região Leste, em 2022, aumentou o número de casos de tuberculose, sífilis e HIV. As unidades de saúde da região, que são terceirizadas, tiveram seu atendimento passado da Santa Casa para o Divina Providencia”, disse Maria Inês. “As pessoas lá, assim como em toda a cidade, não estão sendo atendidas nos seus encaminhamentos para exames e consultas especializadas”, denunciou a usuária do SUS.
Sobre a Política de Saúde Mental, a análise salienta que o Município não tem “um planejamento com base territorial e epidemiológica para identificar os vazios assistenciais”, além de não implementar serviços próprios, em desrespeito às Conferências. O documento ressalta que, em comparação a 2021, em 2022 houve aumento de 20,5% na autoagressão, e de 25,8% na violência sexual, que adolescentes entre 15 e 19 anos são a população que mais busca atendimentos nas Unidades de Saúde em decorrência da tentativa de suicídio, e predomínio das tentativas de suicídio em mulheres. Com isso, a análise destaca que a Política de Saúde Mental na cidade não garante, minimamente, o acesso a todas as ofertas previstas na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), nem os princípios estruturantes do SUS, como universalidade, integralidade e equidade na organização dos serviços.
Em síntese, o parecer considerou um “abismo entre a análise apresentada com as metas estabelecidas para superação da realidade vivenciada das filas de espera, dos gargalos e vazios assistenciais e das barreiras de acesso e dos indicadores de saúde” e conclui que “não foram atingidos os objetivos gerais de melhoria/aperfeiçoamento da gestão e das ações e serviços prestados à população, favorecendo também a participação e o controle social, previstos para a efetividade desse instrumento de planejamento no SUS”.

Informações do Conselho Municipal de Saúde (CMS) de Porto Alegre.

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