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ão, ão… Abecedário da Economia Contemporânea

ão, ão… Abecedário da Economia Contemporânea

Artigo por RED
02/05/2024 05:30 • Atualizado em 01/05/2024 20:53
ão, ão… Abecedário da Economia Contemporânea

De FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA*

Bordão é uma frase ou expressão do gosto popular. Chavão é frase  feita com o lugar-comum do “clichê”. Jargão uma expressão utilizada  por um grupo fechado de pessoas como uma corporação profissional.  

Algumas palavras e expressões utilizadas por economistas podem  excluir pessoas sem conhecimento do vocabulário deles. Pensei,  então, em um pequeno Abecedário da Economia Contemporânea com  “palavrinhas-mágicas” do jargão terminadas com o sufixo “ão”:  

A – Ação: torna seu possuidor um proprietário de certa fração de  determinada empresa aberta para fazer negócios lucrativos,  permitindo participação na propriedade e nos lucros (ou eventuais  prejuízos) da empresa; quando o controlador majoritário consegue  sócios, para obter capital e implementar sua inovação disruptiva,  mantém a gestão e uma maior participação acionária na divisão de  lucros / prejuízos; a abertura de capital, via IPO de parte minoritária,  permite sua cotação ser atribuída por mercado de ações e sua  valorização garantir tomar dinheiro emprestado para fusões e  aquisições com consequente elevação do valor de mercado das ações  e enriquecimento pessoal dos sócios-fundadores.  

B – Bancarização: significa acesso aos direitos da cidadania  financeira, usufruindo das três funções-chaves do sistema bancário  do qual todos (Pessoas Físicas e Pessoas Jurídicas) somos partes ou  clientes: concessão de crédito, para financiar a expansão de  capacidade produtiva, a produção (capital de giro), o consumo, a  habitação, a especulação (compra de ativos baratos para vender  caro) etc., e aumentar a oferta de empregos; gestão de dinheiro,  para aproveitar os investimentos financeiros, proteger o poder  aquisitivo das reservas e seus rendimentos financeiros substituírem a  renda do trabalho na aposentadoria; dar acesso popular ao sistema  de pagamentos escriturais (eletrônicos ou digitais) para oferecer  segurança e facilidade prática a todos os “bancarizados”.  

C – Centralização, Concentração e Competição: em oposição às  economias ditas socialistas, distintas pela propriedade estatal dos  meios de produção e pela planificação centralizada da economia  nacional, a descentralização caracteriza as economias capitalistas de  mercado, porém, o Capitalismo do Estado ou Socialismo de Mercado  chinês é muito bem-sucedido ao incentivar a concorrência entre as  empresas, garantindo pela regulação seu sistema econômico não ser  limitado pela ação dos monopólios e/ou por uma intervenção estatal  inadequada.  

D – Desindustrialização: efeito da desregulação, diversificação e  digitalização, em um processo de transformação estrutural da  economia, redirecionada para atividades com elevado nível de  produtividade e complexidade tecnológica como os serviços  intensivos em conhecimento, com redução da participação da  indústria no PIB, mas sem uma redução absoluta do seu valor  adicionado; a estratégia de estabilização de preços adotada no Brasil  com juros disparatados se associaram a um modelo anti-produção e  pró-importação, devido à desnacionalização da estrutura produtiva e  à reorganização empresarial, com desverticalização e integração  internacional importadora.  

E – Exportação: na divisão internacional do trabalho, os países  tendem a especializar-se na produção dos bens para os quais têm  maior disponibilidade de fatores produtivos, garantindo um excedente  exportável; por exemplo, o Brasil (“fazenda do mundo”) exporta  petróleo, minério e soja para a China (“fábrica do mundo”), de modo  a cobrir suas importações de produtos industriais e diminuir o déficit  no balanço de transações correntes com a remessa de lucros, juros  do crédito inter companhias, royalties etc. das multinacionais aqui  instaladas, inclusive para serem exportadoras das citadas  commodities.  

F – Financeirização: é um bordão para “a denúncia de um  capitalismo”, cujo capital-dinheiro sempre teve o papel crucial; a  dominância dos critérios financeiros para as tomadas de decisões  sobre aplicações das sobras dos fluxos de renda em estoques de  ativos financeiros permite a mobilidade social com o enriquecimento  de t rabalhado re s p ro fi s sionalmen te bem capa ci tado s; a  “financeirização” não deveria sofrer a demonização habitual porque  permite esses trabalhadores acumularem riqueza financeira para manter o padrão de vida na aposentadoria sem Previdência Social,  quando os rendimentos de juros e dividendos substituirão a renda do  trabalho – e virarão “rentistas”..  

G – Globalização: não houve o anunciado fim das economias  nacionais, apesar das desnacionalizações com a integração cada vez  maior dos mercados, em especial do financeiro (via ações e títulos),  dos meios de comunicação e dos transportes; as Cadeias Globais de  Valor permitem o abastecimento de uma empresa por meio de  fornecedores encontrados nas proximidades, nos continentes do norte  do mundo, cada um produzindo e oferecendo as melhores condições  de preço e qualidade naqueles produtos com maiores vantagens  comparativas; a tendência atual é de fragmentação da economia  global com o protecionismo, inclusive dos Estados Unidos com sua  prioridade colocada na segurança nacional e na busca de liderança  em semicondutores, energia limpa e biotecnologia para esse objetivo.  

H – Hiperinflação: caso especial de inflação descontrolada, na qual os  preços aumentam porque as pessoas não querem reter a moeda  nacional, em razão da rapidez da queda de seu poder de compra,  mas sim buscam a moeda estrangeira como reserva de valor e  acabam usando-a como unidade de conta; diante da desvalorização  contínua do meio de pagamento oficial, quando se converte a moeda  estrangeira em nacional, os preços são elevados descontroladamente.  

I – Inflação: de 2001 a 2023, a média anual de inflação no Brasil de  6,27% aa com desvio padrão de 2,44% caracteriza uma inflação  inercial – quando os agentes econômicos buscam, periodicamente,  recompor seu preço ou remuneração pelo pico prévio, levando os  pagadores ao piso da renda real –, e apesar de não ser uma inflação  de demanda, o Banco Central do Brasil busca a controlar com uma  taxa de juro (Selic) média de 12,01% aa, resultante em juro real  médio anual de 5,4%, no século XXI, e levando à estagdesigualdade:  estagnação do fluxo de renda e concentração do estoque de riqueza  financeira.  

J – Judicialização do Juro: a judicialização da política de juros seria  um fenômeno jurídico entendido como o aumento do impacto de  decisões judiciais em causa econômica com efeitos políticos e sociais,  onde os conflitos distributivos seriam levados ao Judiciário para uma  resolução; por exemplo, anatocismo é um termo próprio do Direito para definir a cobrança de juros sobre juros devidos, em uma  situação de inadimplência, conduta vetada pela lei brasileira, mas é  uma prática necessária por juro ser a remuneração do custo de  oportunidade de quem cede seu dinheiro para outro lucrar com ele –  e não uma usura.  

K – Keyneszação: abuso do argumento de autoridade com citações,  inclusive de ideias equivocadas como preferência por liquidez em uma  economia com rede bancária capaz de captar os depósitos à vista  para lastrear sua carteira de títulos de dívida; diante da estagflação,  isto é, inflação acentuada acompanhada de recessão, a abordagem  keynesiana enfraqueceu, porque tinha como um dos principais pilares  de sustentação a ideia do desemprego recessivo derrubar a inflação,  além de defender o intervencionismo estatal, para a expansão da  renda e do emprego com gastos públicos substitutos de gastos  privados, mesmo com a geração de déficits fiscais, não só quando os  gastos privados retraíssem por causa de uma armadilha de liquidez durante uma Grande Depressão Deflacionária.  

L – Liquidação: é busca da conversão de estoques ou ativos de uma  empresa em dinheiro, caso a empresa esteja com problemas de  liquidez (falta de dinheiro em caixa); promove uma liquidação com  preços de promoção, tanto para comprar matéria-prima, quanto para  pagar dívidas; isto para evitar a liquidação total da empresa, com  consequente fechamento da firma.  

M – Monetização e Maxidesvalorização: a economia mundial adota a  predominância do dólar, moeda norte-americana, como reserva de  valor e unidade de conta do comércio exterior, exigindo a conversão  das moedas nacionais para esta estrangeira como meio de  pagamentos; dada essa dolarização, a maxidesvalorização cambial,  como faz a China, mantendo sempre sua moeda depreciada, visa  baratear os preços dos produtos nacionais no mercado internacional e  obter megassuperávits no balanço comercial, por meio do aumento  das exportações e redução das importações, ampliando suas reservas  cambiais; no Brasil, a maxivalorização da moeda nacional combate a  inflação importada.  

N – Neoliberalização: doutrina ideológica em busca de desincrustar  uma pressuposta economia de livre-mercado da tutela da sociedade,  restringindo-a aos princípios apenas do liberalismo econômico, como a vida econômica fosse regida por uma ordem natural, emergida a  partir das livres decisões individuais, e cuja mola-mestra para a  alocação de capital seria o sistema dos preços relativos.  

O – Obrigação: título de dívida direta emitido por empresas  (debênture) ou título de dívida pública emitido pelo poder público  com rendimentos de juros e representativo de um empréstimo feito  ao emitente; no caso recente brasileiro, os neoliberais afirmam o  crescimento das emissões das debêntures ter ocorrido pelo  retraimento do BNDES, mas na verdade foi devido à queda da Selic,  quando empresas não-financeiras, em processo de desalavancagem  financeira, trocaram dívida cara por barata, em prazo maior, além de  fazerem recomposição de caixa em vez de investimentos, seja em  infraestrutura, seja em aquisição de participação societária.  

P – Privatização ou Planificação: a privatização de uma empresa  estatal ocorre, em geral, quando ela passa a apresentar lucros  consistentes, após a maturação do investimento pioneiro feito pelo  Estado, tornando-se então um empreendimento atraente para uma  empresa privada, ou depois de um saneamento feito pelo Estado,  quando se trata de empresa falida, absorvida pelo poder público; pior  é quando o Estado pró-livre mercado se abstém de qualquer  planificação, como ocorre nas Economias de Comando, para a  regulação do mercado via elaboração de planos de produção  rigorosos e com objetivos precisos para todos os setores econômicos;  em vez de o órgão estatal encarregado do planejamento determinar  os objetivos globais de cada unidade de produção e fixar as cotas de  produção de cada uma, levando em conta a disponibilidade de  recursos, a capacidade produtiva e as relações entre os diversos  setores da economia, O Mercado cuida de sua autorregulação.  

Q – Qualificação e Quitação: trabalhadores sem a qualificação exigida  perante a oferta de empregos em queda apelam para o  endividamento e só se liberam de sua obrigação quando há  declaração por escrito do credor de ter recebido do devedor  determinada quantia relativa a seu crédito para quitação; o  empréstimo deve ser um recurso em última instância, inclusive no  caso de crédito estudantil, para a qualificação em Educação Superior,  pagar as dívidas e acumular capital financeiro. 

R – Regulação: a 4ª. Revolução Tecnológica implica em  transformação radical no âmbito das forças produtivas, modificando  profundamente o modo de existência de toda a sociedade; a  Indústria 4.0 engloba tecnologias para automação e troca de dados e  utiliza conceitos de Sistemas Cibernéticos, Internet das Coisas e  Computação em Nuvem; seu foco seria a melhoria da eficiência e  produtividade dos processos, mas sem regulação o desemprego  tecnológico tende a disparar.  

S – Servicirização: as atividades terciárias se desenvolvem,  predominantemente, nos centros urbanos e geram ocupações (muitas  precárias em termos de direitos trabalhistas) para os desempregados  por causa das novas tecnologias empregadas nas atividades  industriais e agropecuárias; serviços como o varejo (o processo de  venda de um produto ou serviço feito por uma empresa ou  microempreendedor diretamente ao seu cliente), os serviços de  cuidados e outros serviços pessoais passam a ser o principal motor  da criação de empregos, mesmo com baixa produtividade, porque se  definem como o encontro direto do produtor/vendedor com  consumidor.  

T – Tecnologização: tem enorme impacto no mundo do trabalho  contemporâneo, resultando em várias transmutações: automação do  processo produtivo; digitalização de muitos aspectos do trabalho  (como comunicação, produção e gerenciamento de dados);  flexibilização com home office; exigência de nova capacitação  profissional; desemprego tecnológico e desigualdade social.  

U – Usuralização: cobrança de taxas de juros consideradas  exorbitantes, nos cartões de crédito distribuídos sem avaliação dos  perfis de risco dos beneficiados, segundo a prática dominante no  modelo brasileiro: em cada dois usuários de crédito rotativo, um é  inadimplente e paga um juro extorsivo para compensar a perda com  o outro, porque bancos trabalham com recursos de terceiros – e não  podem os perder.  

V – Valorização: as ações da Petrobras valorizaram, desde a vitória  eleitoral do Lula até 24/04/24, mais de 155%, de R$ 16,20 para R$  41,24; apenas os valores de mercado de 10 ações concentram 50%  do total negociado na bolsa de valores brasileira de R$ 4,469 trilhões;  as valorizações e desvalorizações de ações na economia global determinam as oscilações da riqueza mundial, porque são cerca da  metade dos ativos financeiros e estes são mais da metade dela.  

W – Wall Streetização: a capitalização das bolsas NYSE (US$ 25  trilhões) e NASDAQ (US$ 22 trilhões), com cerca de 5 mil empresas  listadas é mais de 47 vezes a da B3 com apenas 445 Sociedades  Anônimas; entre 2013 e 2022, a capitalização total de todas as  bolsas de valores aumentou de US$ 65 trilhões para US$ 105 trilhões  (US$ 120 trilhões em 2021); 58% da população norte-americana  (145 milhões pessoas) investem em ações, mas só 15% diretamente,  os demais em Fundos de Ações; os 10% investidores mais ricos são  donos de quase 90% das ações lá em circulação, inclusive os  investidores institucionais alocadores de capital em empresas  transnacionais da economia global “Wall-Streetificada”. 

X – Xzação: obsessão de bilionários em usar X em suas marcas para  multiplicar seu dinheiro: Eike Batista usou EBX, MMX, CCX, IMX,  OGX, LLX, REX, NRX, JPX, MPX, OSX, AUX… e xfudeu; Elon Musk  fundou a X.com (futura PayPal), SpaceX, xAI, fechou o capital e  mudou a razão social de Twitter Inc. para X Corp. Xiii, vai xfu…  

Y – Yuppiezação: “yuppie” é uma derivação da sigla-abreviatura de  Young Urban Professional, termo anglófono cunhado na Era Neoliberal  para designar um Jovem Profissional Urbano ganancioso, seja em  Wall Street, seja na Faria Lima ou no Leblon.  

Z – Zangão: apelido de operador e/ou investidor na bolsa de valores  sem habilitação credenciada: investe todo o dinheiro em ações; não  suporta variações de renda variável; diversifica ingenuamente o  portfólio em ações das exportadoras de commodities; faz day trade freneticamente para se antecipar diante o Market-to-Market, isto é, o  processo pelo qual se define o preço de liquidação oficial de um ativo  futuro e ajusta as posições; não faz análise fundamentalista e  equivoca-se na análise técnica ou grafista; não reinveste os  dividendos; abandona a meta de melhor qualificação em sua  profissão, com a qual poderia obter maior renda, por causa da  ganância de enriquecimento rápido e fácil…


*Professor Titular do Instituto de Economia da UNICAMP. Ex vice-presidente da Caixa Econômica Federal (2003-2007). Obras (Quase) Completas em livros digitais para download gratuito em: https://fernandonogueiracosta.wordpress.com/.

Imagem em Pixabay.

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