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Para você, para mim, para todos nós!

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Para você, para mim, para todos nós!
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Por ANGELO CAVALCANTE* Erra feio, bem feio quem pensa que o acontecido em Brasília com os indiciamentos de Bolsonaro e de todo seu staff golpista por comprovado atentado ao estado democrático de direito se limita a lutas e refregas pelo poder central do país. Bem mais... Muito mais que isso! Vamos partir do óbvio e mais substantivo! Estou a tratar do mais correto e pertinente e que, justamente, é o magistral texto/relatório e primorosamente produzido pela Polícia Federal do Brasil, aliás, das maiores e melhores polícias do mundo. Pois sim... O Relatório apresentado é um libelo, um primor, um ornamento fino, irretocável e da mais elevada qualidade e precisão. Por sinal, digo e afirmo que esse Relatório deve mesmo é ser emoldurado e posto na sala-de-estar de todos os democratas do país. É que o " quase poema " do Relatório soube combinar uma descrição sumamente técnica com um adensado claro, coeso e incontestável de dados e informações onde o mais estúpido dos homens não pode não compreender. Tudo com linguagem clara, óbvia e, em seu geral, de rasgado domínio público. Bom... A malta golpista, mais do que esquadrinhar um golpe, logrou desenvolver um esquema de morte com metodologia de guerra muito bem definida; era, digamos assim, espécie de "máquina criminal" operando adequada e coerentemente com começo, meio e fim. Isso, e o que chamo de "Método anti-Brasil", se utilizava, reparem bem, de técnicas e dispositivos próprios e específicos de exércitos regulares a envolver a toma e o domínio de territórios, a constituição de ampla base de dados a envolver o cotidiano, os usos e costumes do "inimigo", passando pelo estudo minucioso das defesas do adversário até a utilização de práticas assumidamente terroristas como a explosão de carros, residências, prédios e pessoas. Isso é o bolsonarismo em sua fase mais elaborada, carnal e escancarada. É morte! Pois bem... O momento posterior ao que estava dado no script do golpe era precisamente o que se utiliza no jargão militar como sendo "ações de normalidade". Explico... Depois que o Presidente da República estivesse morto, o vice-presidente igualmente eliminado e o presidente do TSE, o crème de la crème, do ódio bolsonarista, o ministro Alexandre de Moraes, devidamente executado, visando impedir ebulições de resistências país afora, milicos e gendarmes de todos os tamanhos, padrões e coturnos partiriam contra os ditos "inimigos internos ". Agora, atrevidamente, lhes lanço uma questão: sabem quem são os "inimigos internos"? Conseguem imaginar? Confabular algo a respeito? Que dizem? Eu digo sem nenhum medo de errar... ...Os "inimigos internos" são os legalistas, os democratas; são todos os brasileiros e brasileiras que exigem o cumprimento da Constituição; os " inimigos" são todos os que se opõem ao ódio do fascismo, são os que defendem justiça, igualdade, liberdade e direitos humanos. São todas e todos que corajosamente dizem que um homem não pode ser torturado nos fundos de uma delegacia porque roubou uma maçã, um pote de margarina ou dois quilos de arroz de qualidade "C". Meu caro... Minha cara... Os " inimigos internos " sou eu, é você, é o padre do meu bairro e que, a cada homilia feita, condena a fome, o analfabetismo e a violência policial; o " inimigo " somos nós, os professores e que não param de denunciar as desgraças sociais advindas de sociedades abissalmente assimétricas, feito a goiana e a brasileira. Os "inimigos" são todas e todos que não admitem a miséria e a injustiça como desígnio divino, como coisa natural ou como ociosidade e incuúria surgida de 3/4 dos brasileiros. Por fim... Acredite... ...Essa, mais essa tentativa de golpe, veio e foi formatada, sobretudo, para nós, os povos do "chão", da base social, do mundo do trabalho, de onde, não por menos, as subversões, resistências e revoluções mais urgentes e necessárias surgem. Até cito profícua conversa com o Professor Glauber Xavier (ECO/UEG), aliás, um excelente analista político, e que tive na noite de ontem, 6ª feira, acerca de mais essa intentona onde o arremate da conversa foi: "... O golpe, ora, ora... O golpe foi para você, para mim, para nós!". Viva a República! A luta segue porque, como nos ensina o icônico corso Antônio Gramsci, não por menos morto pelo fascismo de Benito Mussolini: "A cadela do fascismo está sempre no cio!". E essa desgraça é pródiga em parir!   * Angelo Cavalcante é Economista, professor da Universidade Estadual de Goiás (UEG), Itumbiara. Ilustração de capa: Reprodução Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.  

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Os Militares no Brasil

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Os Militares no Brasil
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Por LINCOLN PENNA* Os militares estão de volta ao cenário político do país do qual nunca saíram mesmo depois do término do regime militar. E como das inúmeras vezes em que aparecem no centro das atenções de uma República que julgam lhes pertencer. Esse reaparecimento constante tem a ver com interesses próprios a essa crença de um regime cujo destino deve ser pautado de acordo com o que pensam sobre sua existência e os seus rumos. Formam uma casta. A denominação não lhes é impróprio, uma vez que tem muito a ver com dados que conferem essa identidade. Segundo pesquisa, junto a mais de dois mil aspirantes da Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), sabe-se que mais de 50% dos seus integrantes fazem parte de famílias militares, de modo a conferir aos seus quadros uma forte componente de grupo quase fechado a transmitir valores aos seus descendentes e agregados, e com forte sentimento de pertencimento e de distinção em relação a quem não integra essas corporações. As várias intervenções militares na ordem pública do país decorreram desse instinto de preservação de uma vocação que eles se atribuíram segundo a qual o regime republicano lhes pertence e deve ser zelado. E nesse sentido, orientá-los cabe com primazia aos seus verdadeiros fundadores. Com isso, os golpes tentados e bem-sucedidos ao longo desses cento e trinta e cinco anos de República tiveram nos militares um papel mais do que saliente, diria decisivo para o bem ou o mal da nação brasileira. Por ocasião da instauração da República, pela via golpista, embora amparado por uma parcela da sociedade que admitia a mudança do regime, a corporação militar fundamentalmente representada pelo exército era radicalmente contrária às oligarquias que mandavam no país. Aderiram à adoção do republicanismo mais em conformidade com essa convicção do que pelo repúdio à monarquia e ao monarca de ocasião. E assim foi durante toda a Primeira República. Contudo, a partir da Segunda Guerra e especialmente com a criação da Escola Superior de Guerra (ESG) em 1948, moldada na sua similar norte-americana, a situação mudou significativamente. De apoiadores discretos a medidas restritivas aos já amplamente privilegiados, filhos da Velha Casa Grande, durante os anos de 1930, passaram a se tornar coadjuvantes das classes dominantes que trazem o DNA do patrimonialismo, e das taras da escravocracia modernizada e cúmplice do grande capital internacional, sempre em nome de uma doença incurável, o anticomunismo, impregnado nas escolas militares, isto é, reativos a mudanças estruturais tementes de seus efeitos. Não é, portanto, de se estranhar que passados sessenta anos do principal golpe capitaneado e assumido pelos militares, em 1964, estejam os militares de novo na ordem-do-dia. As novas oficialidades não têm ou não exibem qualquer compromisso com os destinos da nação brasileira. Adotam sim, a permanente manifestação de fidelidade com a orientação que definem que a ameaça à nação não parte de fora, mas de dentro; isto é, são os próprios brasileiros que devem ser vigiados para não cederem às ideologias “exóticas”. Logo, as nossas Forças Armadas se convertem em guardiões de uma ordem que atende a um sistema de poder que reprime as mais justas demandas do povo brasileiro. Nesses últimos dias temos tido evidências de que há pelo menos em conjecturas novas tentativas de intervenção extralegais, ainda que representadas por uma parcela dos militares e não por toda as corporações militares. Mas, sempre foi assim. Em nenhum dos movimentos golpistas em nossa história houve unanimidade nas forças militares, o que não impediu que parte delas agissem de forma antidemocrática. Logo, essas mais do que evidências provam que ainda estamos submetidos aos caprichos delirantes e criminosos dos agentes da subversão da democracia. A manutenção de uma orientação que se escuda em propósitos movidos pelos embates entre as grandes potências representadas no passado recente pela Guerra Fria e hoje realimentada pelo império norte-americano para frear os impulsos legítimos de países do Sul global, produziu um empobrecimento na qualificação da oficialidade. Essas novas gerações de oficiais enxergam mais o perigo das transformações no âmbito da realidade brasileira e voltadas para o atendimento das demandas nacionais, do que o crescimento de nossa subalternidade em relação a um Ocidente, que investe na manutenção de uma ordem mundial injusta. Além dessa questão vinculada à uma visão impregnada de valores que reforçam a "missão" garantidora da hipotética democracia há de acrescer a investida de uma falsa religiosidade com vistas a inocular nas massas mais desinformadas a ideia de que existe a ameaça de uma pregação voltada para a prática de um terrorismo antirreligioso estimulado pela esquerda. Essa pregação faz parte de uma estratégia de dominação junto às classes mais desassistidas existentes no país e mundo afora. Em face dessa situação, é preciso que se reformule radicalmente os currículos escolares em geral, especialmente, o das escolas militares, e ampliemos no mundo civil e militar a formação de cidadania, pois só conscientes de nosso papel de representação da nacionalidade é que poderemos evitar que conteúdos antinacionais venham tornem os nossos concidadãos em instrumentos a serviço de interesses que não são os nossos.   *Lincoln Penna É Doutor em História Social; Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (MODECON); Vice-presidente do IBEP (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos). Foto de capa: Antonio Cruz/Agência Brasil Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.  

Economia

O Coringa Venceu a Mulher Gato. E Agora, José?

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O Coringa Venceu a Mulher Gato. E Agora, José?
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Por CARLOS ÁGUEDO PAIVA* A eleição de Trump não se deu porque o povo confia nele. Ela se deu porque Harris não trouxe nada além de críticas a Trump. Há quem tente explicar o fracasso de sua candidatura pela misoginia. Ora, convenhamos: até o México tem uma mulher presidente! A questão é muito outra: a eleição era um plebiscito entre mais do mesmo ou o risco do caos. Quando “mais do mesmo” parece horrível, é preferível o risco do caos. Norman Finkelstein, Entrevista ao The Middle East Eye   Introdução A vitória de Donald Trump caiu como uma bomba de dispersão sobre a quase totalidade dos “liberais e progressistas” do mundo contemporâneo, que sonhavam com mais quatro anos de gestão do Partido Democrata (PD) nos EUA. Nas bombas de dispersão, o artefato principal carrega consigo artefatos menores – as bomblets - que, lançadas à grande distância, explodem ao atingir novos alvos. A bomba principal – Donald Trump – explodiu sobre o PD, nos EUA. Mas também impôs enormes estragos em seus Avatares Europeus: o Partido (nem tão) Trabalhista de Starmer, no Reino-Unido; o Partido (nem tão) Social-Democrata de Scholz, coligado com o (nem tão) Verde de Analenna Baerbock, na Alemanha; o Renascimento (algo moribundo) de Macron, na França; e a coalizão centrista que sustenta (“balança, mas não cai”) Ursula von Der Leyen na Presidência da Comissão Europeia. Em suma: a bomba principal atingiu em cheio os partidos e organizações políticas que (até a posse de Trump, em 2025) estão no comando das principais economias ocidentais. Partidos, organizações e governos que – em luta diuturna pela preservação da ordem mundial baseada em SUAS regras - vêm sustentando, com armas, recursos financeiros e apoio tecnológico, informacional e logístico, o morticínio na Ucrânia e o genocídio em Gaza. Em uma entrevista extremamente esclarecedora dada ao The Telegraph, o embaixador norte-americano John Bolton, ex-assessor dos Presidentes Reagan, Bush (pai), Bush (filho) e Trump, esclarece por que decidiu apoiar Kamala Harris no pleito desse ano. Segundo Bolton, não há dúvida de que Harris daria continuidade à política externa norte-americana, e não pouparia recursos em apoio à Ucrânia e a Israel. Diferentemente, Trump é uma incógnita. Não é possível prever o que fará. Ele é até capaz de impor um cessar fogo na Ucrânia e na Palestina. Pior! De acordo com Bolton, Trump seria capaz de até mesmo romper com a OTAN, inviabilizando financeira e militarmente este pilar da “segurança e da paz” (sic, coff, argh, irc) no mundo. .... Pois é. I intão? [1] Economista, Doutor em Economia e Diretor da Paradoxo Consultoria Econômica. Por sua vez, as bomblets se espraiaram mundo afora. Na Argentina, Milei comemorou a vitória de Trump, afirmando que, doravante, a Argentina não terá dificuldades em obter novos empréstimos junto ao FMI. As redes sociais no Brasil foram tomadas pelos festejos dos bolsonaristas, confiantes de que Trump usará de sua influência para conquistar a anistia do Mito. Políticos, jornalistas e “influencers” conservadores do mundo todo comemoraram a derrota de Kamala Harris, pretendendo que ela representaria a derrota do esquerdismo identitário (veja aqui, aqui e aqui). Até a usualmente ponderada (e sempre centrista) Mônica de Bolle caracterizou a campanha de Kamala Harris como “esquerdista”, porquanto demasiadamente apegada às pautas identitárias. O mais interessante, contudo, foi assistir à explosão das bomblets de esquerda. Fazendo eco às críticas de conservadores e centristas, parte não desprezível da esquerda encampou o discurso de que o apego às pautas identitárias teria sido uma das causas centrais da derrota de Kamala (para um exemplo extremo, veja-se a análise do PCO). Do meu ponto de vista, isso é pura bull shit. Finkelstein destrói com esse argumento na entrevista donde extraímos a epígrafe. No Brasil, Luis Felipe Miguel, foi na mesma linha: o problema da campanha de Harris não foi seu excessivo identitarismo, mas a ausência de um projeto capaz de falar ... à multidão de perdedores da “América”. Trump falou a eles — mentiras, mas falou. Os democratas tentaram mascarar sua falta de qualquer projeto transformador com os atributos identitários da candidata”. O bom é que toda a desgraça tem seu lado cômico. E esse lado ficou sob a responsabilidade dos defensores mais ardorosos do “wokismo”. Tal como seria de se esperar de todes que apostam no poder revolucionário dos pronomes, a esquerda identitária assumiu a defesa da derrota. Seu argumento principal é que o mundo vive uma “onda conservadora”; o que torna ainda mais urgente e relevante a defesa militante des minories. E não ouse questionar as determinações de tal “onde conservadere”. Só deterministas são capazes de colocar uma tal questão. O culturalismo woke é pós-tudo e abandonou o determinismo marxista. As ondas políticas e culturais caem do céu. Na dúvida, leia Nostradamus. Ou ouça Tetê Espíndola: estava escrito nas estrelas, tava sim. 2.Os dados e os números: estes “estraga-certezas” O Missouri não é um Swing State, mas um “curral” do Partido Republicano (PR). Tal como seria de se esperar, Trump foi o vencedor nas eleições de 2024, superando Kamala Harris por quase 20 pontos percentuais (60 x 40). Mais: o PR elegeu o governador, o vice-governador, o senador e 75% dos deputados federais. Haja conservadorismo! ... Será? Em 2022 a Suprema Corte dos Estados Unidos determinou que a legislação sobre aborto caberia aos Estados. Tal como em outros dez Estados norte-americanos, o pleito de 2024 foi utilizado no Missouri para a realização do plebiscito acerca do tema. E o direito das mulheres por optarem pelo aborto até o momento em que o nascituro pode sobreviver fora do útero foi consagrado no Missouri, Arizona, Nevada, Montana, Maryland, New York e Colorado Os quatro primeiros Estados deram maioria a Trump. Na Florida (trumpista), exigiu-se 60% dos votos para a flexibilização da lei vigente sobre o aborto, que o limita às primeiras seis semanas de gestação. Apesar de ter obtido folgada maioria, os votos pró-flexibilização não atingiram 60%. Em Nebraska, a flexibilização também foi perdedora: aprovou-se a manutenção da lei vigente, que garante o direito ao aborto até a décima-segunda semana de gestação. O único Estado que deliberou pelo fim do aborto (exceto em caso de estupro, risco de vida para a mãe, anencefalia) foi South Dakota; onde Trump obteve quase dois terços dos votos totais. “Detalhe” nada trivial: a população de South Dakota não chega a 1 milhão de habitantes e – em função do contínuo êxodo da população mais jovem – a maioria da população não está mais em idade reprodutiva. E o Missouri não aprovou apenas o direito ao aborto. O “curral do PR” também aprovou a elevação do salário-mínimo por hora trabalhada, que passou de US$ 1,25 para US$ 13,75. ... Será mesmo que o voto no PR (em geral) e em Trump (em particular) é sinônimo de voto reacionário e expressa a recusa radical das pautas identitárias? ... Observemos os resultados globais das recentes eleições nos EUA. Na primeira linha do Quadro acima (a linha A), temos os dados da votação de Trump em 2020 (quando foi derrotado por Biden) e em 2024 (quando derrotou Kamala). O crescimento da votação em Trump foi de 2,45 milhões de votos; 3,3%% acima dos votos obtidos em 2020. A maior diferença percentual e absoluta encontra-se na segunda linha (B) do Quadro 1: em 2024: Kamala angariou 7,2 milhões de votos a menos que Biden em 2020; uma queda de -8,84%. Na terceira linha (C), temos a soma dos votos no PR (em Trump) e dos votos no PD (em Biden e Kamala) em 2020 e em 2024. Ela mostra uma queda expressiva – de 4,73 milhões - no número de eleitores dos dois principais partidos norte-americanos. Na quarta linha (D) temos a evolução dos votos nos demais candidatos: uma queda de 150 mil (-3,04%). Na quinta linha (E) temos a evolução do voto total nos EUA nas duas eleições, revelando uma queda de quase 5 milhões de eleitores. Mas a linha realmente reveladora é a linha F. O que ela nos informa? Em primeiro lugar, que a vitória de Biden sobre Trump foi de 7 milhões de votos, enquanto a “incensada e magnificada” vitória de Trump sobre Kamala foi de apenas 2,57 milhões. Só que essa diferença é maior do que o acréscimo dos votos de Trump (última célula da linha A: 2,45 milhões). O significado desses dados é muito claro: não foi Trump que ganhou a eleição; foi Kamala (e o PD) que a perdeu. A vitória do PR está integralmente baseada na expressiva queda de votos recebidos pela candidata do PD e pelos “candidatos alternativos”. A eleição de Trump é a expressão da desesperança com a política em geral e da perda de confiança dos eleitores progressistas com o PD. Por quê? 3.  A “evolução” da Economia Norte-Americana Em setembro de 2024 John Mearsheimer e Jeffrey Sachs participaram de um debate no All-In Summit de Los Angeles. A primeira pergunta dirigida aos debatedores foi se eles haviam se surpreendido com o apoio de Dick Cheney (do PR e ex-Vice-presidente dos EUA, nas gestões de Bush-filho) a Kamala Harris. O primeiro a responder foi Sachs, que disse: Não me surpreende de forma alguma. Existe basicamente um único partido nos EUA e ele é o Partido do “Estado Profundo”. Este é o Partido de Cheney, de Harris e de Biden. É o Partido de Victoria Nuland que ... é a cara desse Partido. Ela participou de todos os governos norte-americanos nos últimos 30 anos. Ela participou do governo Clinton, destruindo todas as políticas de aproximação com a Rússia. Ela participou da gestão de Bush Júnior, como assessora de Cheney, minando os compromissos de contenção da OTAN em direção ao Leste Europeu. Ela participou da gestão Obama como porta voz de Hillary Clinton, quando orquestrou o golpe de Estado na Ucrânia em 2014. No Governo Biden ela se tornou Secretária de Estado Adjunta e esteve à frente da articulação da Guerra na Ucrânia. ... Não existem dois partidos nos EUA, mas um só. John Mearsheimer foi mais suscinto em sua resposta. E afirmou: “Eu gosto de me referir aos partidos Republicano e Democrata como Tweedledee e Tweedledum (os irmãos gêmeos de Alice Através do Espelho). Ao longo do debate, ambos foram trazendo à luz a evolução recente da Economia e da Diplomacia norte-americana. E anteciparam a derrota de Kamala Harris e os motivos da mesma. Que não tem qualquer relação com o “compromisso” do PD com as políticas identitárias. Mas, isto sim, com o privilegiamento do complexo militar-industrial e com as guerras imperialistas em detrimento do atendimento das demandas populares de emprego, salário, renda e assistência social. Vejamos a questão mais de perto. Quer nos parecer que um bom ponto de partida seja a evolução da distribuição da renda nos Estados Unidos ao longo do últimos cem anos. A Figura 1, abaixo, apresenta a participação na renda dos 1% mais ricos (linha vermelha) e dos 50% mais pobres (linha azul).   O gráfico foi extraído de um artigo publicado na Real World Economics Review (número 107) sintomaticamente intitulado Back to the Past. Tal como se pode observar a participação na renda da parcela mais rica da população em 1913 era pouco superior a 20%; um patamar similar à participação desse estrato em 2021. Por outro lado, a participação dos 50% mais pobres era de aproximadamente 15% na segunda década do século XX e, atualmente, gira em torno de 13%. O gráfico de barras (em verde) nos informa quantas vezes a renda média do estrato mais rico supera a renda média e do estrato mais pobre. Sua escala está representada no eixo vertical à direita. No início do século XX e no início do século XXI esta relação gira em torno de 70 vezes. Mas se a estrutura distributiva atual é similar àquela do início do século XX, ela é radicalmente distinta da estrutura distributiva de meados do século passado. A transição se deu nos anos 30, na gestão de Franklin Delano Roosevelt. E se consolidou no pós-Segunda Guerra, nas gestões de Truman, Eisenhower, Kennedy e Johnson. Com exceção de Eisenhower, todos esses presidentes eram filiados ao PD. É só a partir dos anos 70 que a participação dos 50% mais pobres na renda volta a cair. A inflexão tem início nas gestões de Nixon e Ford. Mas persiste na gestão Carter, do PD. E se aprofunda nas gestões Republicanas de Reagan e Bush pai. O retorno do PD à Casa Branca com Clinton, em 1993 não altera a tendência. Pelo contrário: será nos anos Clinton que se dará a “volta para o passado”, quando a participação dos 1% mais ricos volta a superar a participação dos 50% mais pobres. A tendência persiste nas gestões de Bush filho e Obama. Mas – surpreendentemente! – se estabilizará nos anos Trump. A questão que fica é: qual foi o papel dos Republicanos e dos Democratas nesse processo de concentração de renda? Será que Tweedledee e Tweedleldum “contribuíram” da mesma forma? Ou será que – tal como no texto de Lewis Caroll – os irmãos gêmeos se complementam e um conclui a frase iniciada pelo outro? 4. Tweedledee e Tweedledum não são iguais: apenas se completam De acordo com o “bom senso comum”, o processo de concentração de renda que emerge nos anos 70 nos EUA e no Reino-Unido e, com um pequeno retardo, na totalidade das economias capitalistas centrais, seria filho do neoliberalismo. A tese não está errada, mas é insuficiente. Seu lado correto encontra-se no reconhecimento de que os cortes nos gastos sociais implementados por Nixon no início dos anos 70 e a nova política tributária de Reagan no início dos anos 80 (assentada em cortes expressivos dos impostos sobre rendimentos superiores e sobre o lucro das empresas) encontram-se na base da inflexão das linhas azul e vermelha do gráfico acima. Mas há uma contribuição específica do PD para o processo de concentração de renda. Essa contribuição encontra-se na forma particular como os EUA (em especial, nas gestões do PD) abraçou e promoveu o processo de globalização a partir do último quartel do século passado. Mais exatamente, encontra-se nas consequências da estratégia adotada: a desindustrialização da economia norte-americana e, por extensão, na perda de expressão econômica e política daquele segmento social que havia sido a principal base de apoio do PD desde as gestões de Franklin Delano Roosevelt: o operariado industrial. O Quadro 2, abaixo, apresenta a evolução do emprego por segmento produtivo na economia norte-americana entre 1979 e 2019. Vejamos o que ele nos informa. x' Em 1979, a participação do emprego industrial no emprego total nos EUA era de aproximadamente 28%, sendo que quase 1 em cada 4 cidadãos eram operários da Indústria de Transformação. Em 2019, a participação do emprego industrial caiu para 14%. E só não caiu mais porque houve elevação na Construção Civil. Afinal, ainda não podemos importar residências e edifícios. Mas a queda do emprego manufatureiro foi brutal: quase 7 milhões de postos deixaram de existir. E mesmo o emprego na Construção Civil cresce abaixo da média nacional. Por oposição, as ocupações nos serviços privados mais que duplicam, com ênfase nas áreas de gestão, consultoria, educação, saúde, hotelaria, gastronomia e lazer. Não há como superestimar o impacto social, político e cultural de uma mudança tão radical na estrutura de ocupação. Pois ela vem associada a uma depressão relativa dos salários industriais (que, historicamente, eram mais elevados que os salários pagos nos serviços não especializados) e a uma crescente insegurança com relação à preservação do emprego. Para que possamos entender a contribuição específica do PD para esse processo, precisamos, primeiro, entender o que diferencia a “visão de mundo” e o horizonte político-programático dos filiados ao PD e ao PR. O mapa abaixo, com a votação dos dois partidos em 2024 por condado, nos ajudará a captar essa diferença. O mapa foi extraído do site de Cyrus Janssen; mais exatamente do vídeo cujo título encontra-se na parte superior à esquerda do mapa. O que vemos é um mar vermelho com algumas ilhas azuis. Porém, a geografia física pode ser enganosa se a tomamos literalmente. Sabemos que Trump obteve pouco mais da metade dos votos válidos; mais exatamente, obteve 50,85% soma dos votos dos dois partidos competitivos, e Harris obteve 49,15%. Ocorre que Harris venceu nos centros urbanos mais populosos. Mire o Texas, no centro-sul do mapa: os pontos azuis são os municípios de Dallas, Houston, Austin, El Paso e condados do entorno. Em Nebraska, Harris obteve a maioria apenas na capital, Lincoln, e na cidade mais populosa, Douglas. Já o voto Republicano é predominantemente interiorano e rural. Esta diferença vem acompanhada de outra: o voto no PD é predominantemente “costeiro”. Harris venceu em todos os condados costeiros da California (exceto El Norte) e perdeu em todos os condados interioranos (exceto Nevada, Al Pine e Mono). E também conta com uma inflexão étnica: seus votos interioranos no Novo México e no Arizona são, predominantemente, latinos. Enquanto os votos interioranos na porção leste do “Cinturão do Sol” (Carolina do Sul, Georgia, Alabama, Mississipi, Arkansas e Lousiana) são, predominantemente, oriundos da população negra. Por fim, há uma grande mancha azul no Nordeste dos EUA, na região chamada de Nova Inglaterra (Maine, Vermont, New Hampshire, Massachusetts, Connecticut e Rhode Island), que faz divisa, à sudoeste, com New York, um Estado “quase novo inglês”. A despeito do Mapa 1, acima, estar referido à eleição de 2024, a informação que ele traz tem dimensões estruturais. Não é gratuito que boa parte do debate sobre prognósticos eleitorais nos EUA se refiram aos “Swing States”, vale dizer, àqueles POUCOS Estados que “balançam” entre os dois partidos. A grande maioria dos Estados Norte-Americanos é fiel ao mesmo partido. Por quê? Porque há uma forte conexão entre o território e o horizonte sociopolítico do eleitor típico dos dois partidos. O eleitor padrão do PR é aquele sujeito que hierarquiza sua vida e suas relações na seguinte ordem: a família vem em primeiro lugar, seguida pelo seu negócio, a sua igreja, a comunidade de fiéis, a sua comunidade política (condado e município), o seu Estado natal, os EUA e, por fim, o “resto do mundo”. A visão de mundo do Democrata padrão é invertida. Tal como os ingleses do século XIX, os novo-ingleses entendem que os EUA carregam um destino manifesto: civilizar e democratizar (sic, cof, argh, irc) o mundo. Esta conexão com o mundo é reforçada pelo caráter costeiro-portuário e urbano-metropolitano do eleitor do PD. Sua base no século XX era composta por operários e assalariados urbanos das áreas de comércio, e dos serviços privados e públicos. A desindustrialização acelerada dos EUA nas últimas décadas ceifou o eleitorado industrial. E impôs uma rotação (bastante perversa) da base social do PD em direção aos trabalhadores do setor de serviços com alta qualificação. Apesar dos maioria dos líderes das organizações sindicais norte-americanas ainda manifestarem apoio aos candidatos do PD, emergem exceções importantes (como a Teamster Union). Além disso, a influência das lideranças sindicais sobre o voto de suas bases é cada vez menor. De acordo com pesquisas realizadas às vésperas das eleições, a vantagem de Harris sobre Trump entre trabalhadores sindicalizados era inferior à margem de erro. Além disso, a percentagem de trabalhadores sindicalizados vem caindo ano após ano nos EUA. Atualmente é de apenas 10% do total; em 1983, correspondia a 20,1%. E mesmo esta percentagem de 10% é enganadora: a sindicalização é relativamente expressiva entre funcionários públicos (32,5% do total), mas apenas 6% dos trabalhadores na iniciativa privada estão vinculados a algum sindicato. Não podemos nos surpreender, pois, com os resultados da pesquisa do Economic Innovation Group (EIG) sobre o perfil dos eleitores de Trump e Harris: a maioria dos apoiadores do Republicano são trabalhadores manuais (blue collars) sem nível superior, enquanto a maioria dos apoiadores de Harris são trabalhadores de escritório (white collars); e cerca de 50% dos eleitores de Harris contam com nível superior (esta percentagem é de 37,7% para o conjunto da população adulta dos EUA). O que ajuda a entender os resultados expostos no Quadro 3, oriundo da mesma pesquisa do EIG. O Quadro mostra a avaliação que os eleitores e Kamala (K) e Trump (T), com nível superior (C, de College) ou sem nível superior (nC) fazem do impacto previsível sobre seu emprego e renda da sustentação e/ou aprofundamento de 4 tendências presentes na economia atual: 1) introdução de novas tecnologias; 2) liberação da importação de bens e serviços; 3) ingresso de imigrantes legais; 4) ingresso de imigrantes ilegais. Quadro 3: Avaliação dos Eleitores de Kamala e Trump e Kamala acerca do Impacto de Distintas Tendências da Economia Contemporânea sobre sua Renda e Emprego O primeiro a observar é que o eleitor de Trump sem nível superior (T-nC) é o mais refratário a todas estas tendências. Veja-se a última coluna do Quadro acima. Ela diz que: 1) 32,5% dos T-nC acreditam que as novas tecnologias podem deprimir seu mercado de trabalho e sua taxa de salário; 2) 54% temem o aumento de importações; 3) 51,5% temem novos imigrantes legais; e 4) 74%acreditam que a imigração ilegal é funesta para seus rendimentos e estabilidade. Quem é esse sujeito? Ele é o trabalhador fabril (que teme os impactos da automação); o vendedor no comércio (que teme os impactos do débito automático via celular quando o consumidor atravessa as portas da loja com a mercadoria); é o motorista de Uber, que teme o desenvolvimento de automóveis inteligentes; é o entregador de pizza que teme a concorrência do drone. Ele teme que o aumento das importações e da venda por catálogo lhe tire do chão de fábrica e do comércio. Ele teme o imigrante – seja legal, seja ilegal – pois vive acossado pelo desemprego, e não quer novos concorrentes. Mas ele teme, acima de tudo, o ilegal. Pois este é tão pouco qualificado quanto ele próprio e vai concorrer diretamente consigo. De outro lado o “típico” eleitor de Kamala, o K-C, encontra-se representado na primeira coluna do Quadro 3 e tem o espectro oposto. Ele atua em atividades vinculadas ao P&D e vê o progresso técnico (o robô, o carro inteligente, o drone entregador, etc.) como uma oportunidade de melhorar sua inserção profissional; ele é um profissional do setor de serviços não-importáveis, e percebe uma vantagem nas importações de bens de consumo baratos, opondo-se à elevação de alíquotas aduaneiras; ele não teme o imigrante legal (que pode colaborar consigo no desenvolvimento de P&D, nas bancas de Advocacia ou no sistema financeiro) e tem pouca resistência ao imigrante ilegal (que pode, até, vir a se tornar seu motorista ou faxineiro). Quem tem razão? ... Ambos e nenhum. Não se trata de uma questão científica, mas de uma questão de interesses e temores. Não se trata de debater a emergência – ou não! – de novos nichos de trabalho com o aprofundamento do progresso técnico. Não se trata de analisar - com apoio de 200 economistas e dez megacomputadores - quais serão os impactos da imigração ilegal sobre o salário e o emprego do norte-americano “braçal” daqui a 15 anos em 5000 cenários distintos. Não se trata de um exercício teórico ou da disputa da “modelagem mais elegante”. Trata-se de se ter medo ou não. A única contribuição “científica” ao debate seria: o medo dos eleitores T-nC é paranoico ou é sensato e racional? E a resposta à essa pergunta é inequívoca: o trabalhador que vem assistindo à depressão de seu mercado de trabalho (o operário industrial) e/ou à depressão de seu salário médio e de seu  bem-estar; o trabalhador que teme perder sua casa cada vez que o Secretário do Tesouro (ou  Ministro da Fazenda) decide “acalmar os mercados”; o sujeito que “opta” por ficar em casa quando doente, tratando-se com ervas e rezas, para não abrir falência após receber a conta hospitalar, tem todos os motivos do mundo para ter medo. E tem inúmeros motivos para não acreditar que os Democratas, hoje, estejam efetivamente preocupados e comprometidos com a mudança das condições políticas e econômicas que os fazem ter medo. Em duas entrevistas que têm que ser vistas, Michael Sandel e Norman Finkelstein tentam nos explicar o que a vitória de Trump diz sobre a sociedade norte-americana atual. Não vou reproduzir seus argumentos. Seria ocioso: qualquer leitor pode assistir suas exposições com grande vantagem para si. Mas reproduzo o que me parece ser a ideia principal. Segundo os dois pensadores, mais do que uma guinada à direita do PD, assistimos a uma mudança radical do padrão de trabalho e de estratificação social nos EUA e no mundo nos últimos 40 anos. No novo padrão de estratificação social, os neo-winners (por oposição ao “ever-winner”, o burguês) são os trabalhadores altamente qualificado, que atuam em serviços de TI, saúde, educação, P&D, jurídicos, logística, marketing, finanças, etc. As políticas do PD tendem a promover e a qualificar a inserção socioeconômica desse sujeito. ... Ok. ... É um direito do PD tomar a nova elite cultural e econômica como sua principal base eleitoral. Só não tem o direito de acusar os eleitores da base da pirâmide que se voltaram para os PR de traidores, caipiras, misóginos, ignorantes e fascistas. MenAs, pliss. Bem menAs.   5. Querid@s, precisamos falar sobre Jimmy Dissemos acima que a contribuição especificamente Democrata para a concentração de renda nos EUA foi a promoção da desindustrialização do país. Não há como tratar desse tema de forma exaustiva. Vamos deixá-lo para um próximo artigo. Mas não podemos deixar de dedicar um brevíssimo comentário à questão. Eric Hobsbawm costumava dizer que poucos homens na História da Humanidade conquistaram tanta admiração (no limite da idolatria) com contribuições tão modestas quanto John Kennedy. Estou de pleno acordo. Mas creio que o desnível entre “political appeal” e “political effectiveness” não é uma exclusividade de JFK, mas uma característica difundida entre as lideranças do Partido Democrata. Bill Clinton destruiu o acordo de Reagan e Bush pai com Gorbachev e Ieltsin de preservar as fronteiras da OTAN sem perder o sorriso nos lábios e a pose de galã. Ele conseguiu transformar a OTAN em uma organização ofensiva – ao bombardear a Sérvia – com olhos lacrimejantes pelos muçulmanos mortos na Bósnia-Herzegovina. Hilary não faria melhor. Um líder do PD não precisa ser humanista e/ou pacifista; basta parecer. Obama venceu Hilary nas prévias e recebeu o Nobel da Paz em avant-première. Ele tem a devida aparência. E governou os EUA por 8 anos sem um único dia de paz. Com o apoio de Hilary Clinton e Victoria Nuland, bombardeou a Síria, a Líbia, o Iraque e o Afeganistão, articulou “revoluções alaranjadas” mundo afora, promoveu o golpe de 2014 na Ucrânia com cookies feitos em casa por tia Victoria, e chamou Lula de “o cara” enquanto seu governo patrocinava a Lava-Jato. Biden não é charmoso como JFK, Bill e Barak. Seu political appeal está no seu papel de Uncle Joe: 100% Teflon. Não há escândalo sobre uso de drogas, negócios escusos, corrupção, uso de informações privilegiadas de seus filhos que fira sua imagem de Tiozão. O amor da mídia pelo bom velhinho é tamanho que levou ao racha do The Intercept às vésperas das eleições de 2020, quando Glenn Greenwald insistiu em publicar um artigo denunciando a corrupção de Hunter Biden (filho de Joe) e foi censurado para “não atrapalhar as eleições”. Durante seu mandato, a imprensa “livre e liberal” dos EUA incensou seu apoio a Zelenski (e aos neo-nazistas do Batalhão Azov) e a Israel (que perpetra um genocídio em Gaza com bombas e bomblets norte-americanas). Mas há uma figura fora da curva nesse grupo. Jimmy Carter não está, nem no time dos charmosos e cultos (Roosevelt, JFK, Clinton e Obama), nem no time dos tiozões (Biden, Truman e Johnson). Ele é a expressão mais pura do (pretenso) “bom mocismo” Democrata. Apesar de ter rompido com a détente de Nixon e reiniciado a Guerra Fria ele ainda hoje é incensado como inimigo das ditaduras e defensor dos direitos humanos. Ninguém parece lembrar de seu boicote às Olímpiadas de Moscou, das sanções impostas à URSS (com o embargo comercial), do fracasso do SALT II, de seu apoio ao Xá Palehvi e aos governos ditatoriais e/ou conservadores do Oriente Médio com vistas a criar uma aliança Anti-Irã após a revolução islâmica, ou do apoio aos Talibãs no conflito do Afeganistão. Mas deixemos estas questões “polêmicas” de lado. O que nos importa entender é sua “contribuição” particular para a desindustrialização dos EUA. Com o fim do lastro ouro e a transformação do dólar em uma moeda estritamente fiduciária em 1971, sua taxa de câmbio com outras moedas passou a variar. Mas os EUA continuavam a apresentar déficit nas Balanças Comercial e de Transações Correntes, e os pagava com “papel pintado”. Após o primeiro choque do petróleo (1973) a inflação voltou a subir nos EUA. E estes dois fatores – excesso de dólares no mercado internacional e inflação interna – levaram a um conjunto de desvalorizações da moeda americana, o que colocava mais pressão sobre os preços domésticos pela elevação dos preços dos importados. Com o segundo choque do petróleo associado à Revolução Iraniana a situação tornou-se insustentável, e Carter optou por indicar um economista ultra ortodoxo para o Banco Central - John Volcker –, que impôs um brutal choque nos juros pagos pelos títulos da dívida pública: eles passaram de algo em torno de -2% a.a. para algo em torno de 10% reais ao ano. O resultado foi a ampliação da demanda por dólares (que volta a se valorizar) e a canalização de todo o excesso de liquidez mundial para os EUA. Com a revalorização do dólar, caem os preços dos importados e a inflação doméstica é posta sob controle. As medidas de Carter-Volker tiveram, contudo, dois “efeitos colaterais” importantes: a taxa de desemprego nos EUA elevou-se abruptamente (chegando a 10%) e   os países endividados da periferia tiveram crescentes dificuldades para rolar suas dívidas externas. No plano interno, as medidas levam à derrota do PD nas eleições de 1980, com a consagração de Ronald Reagan. No plano externo, os custos de rolagem das dívidas dos países do Terceiro Mundo levaram à suspenção de pagamentos e à capitulação ao FMI, que impôs a adoção de políticas ortodoxas e ao encerramento dos programas nacional-desenvolvimentistas. Com o recrudescimento das relações com a URSS, Carter se aproximará da China de Deng Xiao Ping (vista como um polo de resistência aos soviéticos), dando início ao processo de extroversão industrial norte-americana com direção à Ásia (Coca-Cola, em 1978; IBM e GE, em 1979, etc.). Esses dois movimentos de Carter/Volcker – apoio à instalação de plantas industriais na China e a política de dólar forte e importados baratos – estão na base do movimento de desindustrialização dos EUA e ganharam dimensão estrutural nas gestões subsequentes de Reagan, Bush pai, Clinton, Bush filho e Obama. A melhor expressão é a evolução do número de empregados na indústria norte-americana, cujo ápice histórico ocorreu em 1979. Desde então, este número vem caindo de forma sistemática (a despeito de raras, honrosas e fugazes recuperações). 6. E agora, José? A esquerda amante do PD não para de chorar a derrota de Kamala Harris. Ora, a sobrinha de Biden obteve 92,4% dos votos “populares” na capital federal, Washington - Distrito de Columbia. Trump obteve apenas 6,7% dos votos do DC.  Será que isso nos diz algo sobre as preferências do deep state norte-americano? Será que nos diz algo sobre os limites estruturais da contrarrevolução proposta por Trump? Segundo Max Weber, modernização, racionalização, normatização e burocratização são sinônimos. Mas a esquerda intelectualizada, que ama o Partido Democrata e seus avatares europeus, só esgrime Max Weber quando lhe convém. Ela não reconhece esta sinonímia. No fundo, acredita que os Presidentes eleitos têm um poder que, de fato, eles não têm. E sempre que seus partidos charmosos, modernosos, wokistas e (pseudo) reformistas sucumbem em pleitos eleitorais, ela chama a patuleia de burra e anuncia o retorno do fascismo. Não se trata de negar essa possibilidade. O mundo não vai nada bem e o desespero é crescente. Porém, mais até do que na Alemanha de Weimar, qualquer retomada do fascismo tem de ser integralmente imputada à capitulação da esquerda. Nos idos anos 20 e 30 do século passado, a Alemanha se encontrava sufocada pelos trágicos termos do Acordo de Versalhes (que deveria se chamar “Imposto de Versalhes”), pela hiperinflação e pela crise global dos anos 30. Nada disso está posto, hoje, nos EUA, na Europa ou no mundo. De sorte que as chances de Trump impor uma ditadura nos EUA são tão grandes quanto as chances de seu programa econômico ser bem-sucedido: praticamente nenhuma. Não se trata de negar os enormes desafios e riscos postos à frente; é preciso ser cego para não ver que estamos destruindo o planeta enquanto as redes sociais disseminam fake News e imbecilizam as massas. Trump, Milei e Bolsonaro não são mais do que expressões tragicômicas dessa imbecilização global. Mas a dimensão mais preocupante do emburrecimento global é aquela que diz respeito ao nosso campo: encontra-se na subserviência aos ditames do mercado de uma esquerda envelhecida e desdentada, que se mostra totalmente incapaz de levantar palavras de ordem minimamente consistentes com as demandas populares contemporâneas. De uma “eXquerda” que taxa de antissemita qualquer protesto contra o genocídio em Gaza. De um eXquerda que privilegia o equilíbrio fiscal ao enfrentamento da fome. De uma   numa eXquerda que finge acreditar que o avanço conservador é fruto de uma “onda misógina, racista e homofóbica” que caiu sobre a Terra porque estava escrito nas estrelas. De uma eXquerda que não se olha no espelho para não ver o óbvio: que seus projetos não são apenas velhos: são elitistas. Na dúvida, volte ao Quadro 3 acima e veja onde você, leitor, se situa. Se você está na primeira coluna, no Kamala-College, você é um winner. Parabéns! Seja bem-vindo à nova elite! Você é um privilegiado! Mas, pliss, reconheça-se como tal e tente ter alguma empatia com as demandas do andar de baixo. Caso não consiga, assuma-se neoconservador. Um neoconservador woke, chic e descolado. Tem coisa mais up to date? Se conselhos fossem realmente valiosos, não seriam dados, mas vendidos. Infelizmente, sou um péssimo negociante e não consigo resistir a distribuir graciosamente meus conselhos; mesmo os que reputo mais valiosos. E gostaria de dar um conselho ao seu José: pare de se preocupar com o Coringa e trate de observar melhor o que a Mulher Gato e o Tiozão Joe fizeram de errado. No limite, siga a dica de Brizola sobre a Globo:observe o caminho tomado pelo PD nos últimos 40 anos. Desde a financeirização desindustrializante de Carter até o belicismo genocida de Biden. E tente o caminho oposto. O caminho de Roosevelt. Vitória garantida ou seu dinheiro de volta!   *Carlos Águedo Paiva é Economista, Doutor em Economia e Diretor da Paradoxo Consultoria Econômica. Ilustração de capa: Reprodução Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.              

Internacional

A desigualdade nos Estados Unidos

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A desigualdade nos Estados Unidos
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Por WAGNER SOUSA* Uma das características das mudanças engendradas na economia política dos países ricos, desde o início da década de 1980, tem sido a concentração de renda. Do “consenso keynesiano”, que vigorou do pós-guerra ao fim dos anos 1970, (o republicano Richard Nixon disse, certo momento, “somos todos keynesianos”), que tinha no investimento público e adição dos ganhos de produtividade aos salários, duas de suas principais “âncoras”, a economia passou a ser gerida tendo como premissas de sua eficiência a redução do papel do Estado, e portanto do investimento público, e a “financeirização” da gestão da riqueza, na qual os lucros de curto prazo passaram a ditar a estratégia empresarial. Assim, a contenção de gastos das empresas, com demissões e redução de custos salariais, está, desde então, no cerne destes planos. Na virada dos anos 1970 para a década de 1980 viu-se aumento brutal da taxa de juros pelo Federal Reserve, então dirigido por Paul Volcker, no intuito de domar a inflação e reafirmar o papel do dólar como moeda reserva mundial e do lugar central do sistema financeiro dos EUA no mundo. A “revolução conservadora” de Ronald Reagan, no entanto, tirou a economia norte-americana da recessão com um “keynesianismo militar”, resultado de forte expansão dos gastos de defesa. Este investimento na capacidade bélica cumpriu a função de dar sustentação necessária para a recuperação da economia e debilitar a economia da URSS provocando o colapso de seu regime político, um objetivo geopolítico, portanto. Reafirmação da supremacia da moeda e das armas dos EUA em nível global compunham o processo muito bem descrito no artigo “A retomada da hegemonia norte-americana”, obra da saudosa professora Maria da Conceição Tavares. A vitória norte-americana na Guerra Fria, com o fim da URSS e do bloco socialista e a reunificação da Alemanha fez com que a “hegemonia unipolar” dos EUA se estabelecesse a partir dos anos 1990 e com esta a consolidação do chamado “neoliberalismo” tendo como seus principais objetivos as liberalizaçôes comercial e financeira, as privatizações e desregulamentações das normas vistas como “empecilhos” ao investimento privado. A economia das “bolhas de ativos” com inflação dos valores de ações (a “bolha pontocom” dos anos 1990) e imóveis (“bolha imobiliária” dos anos 2000) substituiu a dinâmica anterior da economia com crescimento contínuo dos salários reais e “aburguesamento” da classe trabalhadora e sua integração à classe média. O proletariado norte-americano viu seus empregos industriais escassearem ao se deslocarem para o exterior, pela busca da indústria por mão-de-obra mais barata. Novos empregos surgiram na “economia de serviços”, porém, na maioria das vezes, com remuneração pior, condições de trabalho precarizadas, em situações que variam das jornadas extenuantes aos “part time jobs”, que fazem com que muitos trabalhadores trabalhem menos horas do que gostariam e ganhem, em consequência, salários menores. O trabalho nos Estados Unidos se tornou, em grande medida, mais precário, instável e com remuneração menor. O filósofo britânico John Gray em “Falso Amanhecer – os equívocos do capitalismo global” descreveu a realidade do capitalismo norte-americano de fins dos anos 1990: “É interessante notar que essas ansiedades não são um efeito colateral da estagnação econômica. Ao contrário. Durante os últimos quinze anos, a economia norte-americana manteve-se em uma expansão quase contínua. A produtividade e a riqueza nacional cresceram firmemente. A reestruturação da indústria americana deu-lhe condições de recuperar mercados que se pensava estarem definitivamente perdidos para o Japão. Como na Inglaterra de meados da era vitoriana, a liberalização dos mercados na América do final do século 20 construiu um espetacular- e não reproduzível – boom econômico. Ao mesmo tempo, a renda da maioria dos americanos estagnou. Mesmo para aqueles cujas rendas aumentaram, o risco econômico pessoal cresceu visivelmente. A maioria dos americanos tem pavor de um distúrbio econômico do qual – suspeitam – nunca mais se recuperarão. Poucos pensam agora em termos de uma ocupação vitalícia. Muitos preveem, não sem razão, que suas rendas cairão no futuro. Estas, evidentemente, não são circunstâncias que alimentam uma cultura de satisfação (GRAY, 1998, p. 146)”. Também analisando esta problemática, o economista francês Thomas Piketty, em “O Capital no século XXI”, obra de 2013 que teve grande impacto no debate global sobre a crescente desigualdade, menciona, sobre a concentração de riqueza no extrato do 1% mais rico da população: “Nos anos 1970, a parcela do centésimo superior na renda nacional era muito próxima nos vários países. Ela estava entre 6 e 8% nos quatro países anglo-saxões estudados, e com os Estados Unidos não era diferente, os americanos eram até ligeiramente ultrapassados pelo Canadá, que atingia 9% (...) Trinta anos depois, no começo dos anos 2010 a situação é totalmente diferente. A parcela do centésimo superior atingiu quase 20% da renda nacional nos Estados Unidos (...).” (PIKETTY, 2013, p. 307). Piketty explica que nos países anglo-saxões a concentração de renda foi mais pronunciada do que na Europa continental e no Japão, onde também ocorreu. No Reino Unido e no Canadá o centésimo superior passou a ter entre 14-15% da renda nacional e na Austrália entre 9-10%. Japão e França passaram de 7% para 9%, Suécia, de 4% para 7% e Alemanha de 9% para 11%. (PIKETTY, 2013, p. 308). Em todo o mundo rico houve concentração de renda no topo da pirâmide social, mas foi nos EUA onde aconteceu com mais intensidade. Todo esse processo de polarização de renda e, como consequência, polarização social, visível na paisagem de muitas partes do interior dos EUA, com suas fábricas abandonadas e cidades outrora pujantes, decadentes, alimentou forte ressentimento social daqueles que “ficaram para trás”. A candidatura de Donald Trump, desde quando despontou nas primárias republicanas para a eleição de 2016 e o seu mote de “fazer a América grande novamente” tem relação com esta frustração das massas, especialmente nos eleitores brancos pobres, de que as oportunidades econômicas e o caminho para a ascensão social estavam disponíveis e não mais estão. A crescente polarização social, portanto, vem alimentando a extrema-direita e enfraquecendo consensos existentes na sociedade e na esfera política a respeito de políticas públicas internas e da política externa. John Gray trata, no livro aqui mencionado, do apelo nacionalista da pré-candidatura de Patrick Buchnann pelo Partido Republicano ou da candidatura independente de Ross Perot, que apareceram nos anos 1990 como sintomas desta insatisfação, mas então avaliava como inviáveis candidaturas tão críticas ao status quo bipartidário. Como sabemos, era questão de tempo. *Wagner Sousa é Mestre em Sociologia pela UFPR, Doutor em Economia Política Internacional pela UFRJ. Pós-Doutorando em Economia Política Internacional pela UFRJ. Idealizador e Editor do site América Latina www.americalatina.net.br. Colaborador do boletim Observatório do Século XXI Publicado originalmente no Observatório Internacional do Século XXI (N°8 – Novembro/2024), que é uma publicação do Grupo Foto de capa: Marcelo Camargo/Agência Brasil Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.  

Cultura

Programas – de 21 a 29 de Novembro

Curtas

Programas – de 21 a 29 de Novembro
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Por LÉA MARIA AARÃO REIS* Parar o genocídio. O silêncio mata! É preciso reagir aos novos e terríveis massacres israelitas, nos últimos dias 19 e 20, no norte, centro e sul da Faixa de Gaza! Esses são os títulos das correspondências da mídia Europalestina com sede em Paris, aos jornais europeus. “Pelo menos 22 palestinos, segundo relatório provisório, foram assassinados na sequência de um bombardeamento de duas casas nos bairros de Al-Sabra e Jabalia Al-Balad, em Gaza”. ”O médico Salem Mohammed Joudah foi morto nesse atentado e o seu assassinato ocorre um ano depois de ter perdido a mãe, as irmãs, a esposa e os filhos em outro ataque israelita à sua casa, no início do genocídio. Essa família foi retirada do registro civil”. (…) “Dezenas de crianças levadas ao hospital após o bombardeio israelense contra um prédio residencial no campo de refugiados de Al-Bureij”. E assim por diante. Como se vê, o silêncio mata. Outro importante programa dessa semana é essa informação: “Relatório final da Polícia Federal, após quase dois anos de investigações, segundo algumas fontes, terá mais de 800 páginas e vai propor que o ex-presidente, tido como peça-chave na trama golpista, seja responsabilizado criminalmente pelos crimes de golpe de Estado, abolição violenta do Estado democrático de direito e organização criminosa”. Mais um programa: ecoar e reforçar a importante Nota da Associação Brasileira de Imprensa, a ABI: “A ABI exige prisão de todos os golpistas”, e defende a rigorosa punição de todos os militares das Forças Armadas envolvidos na tentativa de assassinato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do vice-presidente Geraldo Alckmin e do ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes. “Diante da ameaça ao Estado Democrático de Direito, a Nação exige a prisão de todos os envolvidos na conspiração palaciana, seja qual for a patente ou o cargo”. Ou seja: expor, denunciar e punir, não apenas os operadores dos atentados mortais planejados, mas, sobretudo os mandatários e financiadores das ações criminosas. Um outro programa pertinente é refletir na declaração do presidente Lula ao encerrar a reunião do G20 e saudando a visita do presidente Xi Jinping ao Brasil: “Jamais venceremos o flagelo da fome em meio à insensatez das guerras”. O filme Kasa Branca, de Luciano Vidigal, inspirado em histórias reais, acompanha Dé, morador da periferia do Rio de Janeiro, na Chatuba, que passa a viver com a avó, Dona Almerinda, diagnosticada com Alzheimer e com pouco tempo de vida. O filme tem estreia internacional no Festival de Torino, na Itália, no próximo dia 28, com o ator Ramon Francisco presente junto com Vidigal, que afirma: “É um filme feito do povo e para o povo. Afinal, é o filho da empregada doméstica que tá fazendo cinema.” Atenção a esse filme. De olho em outra estreia: O Clube das Mulheres de Negócios, da premiada diretora Anna Muylaert, anunciado como “uma mistura de comédia e suspense”. Também estará nos cinemas no próximo dia 28. Estreou na Mostra Ambiental de Cinema do Recife o doc Os Sonhos de Pepe, de Pablo Trobo. Dia 5 de dezembro o filme entra em cadeia nos cinemas. No Estação Botafogo, no Rio, até o próximo dia 28, Mostra Cinemina, exclusivamente com produções de diretoras brasileiras. No dia 27, Um Dia Antes de Todos os Outros, de Valentina Homem e Tati Bond. As vencedoras da 17ª edição do Prêmio São Paulo de Literatura, que procura estimular o surgimento de novos talentos, este ano foram Luciany Aparecida e Eliane Marques. A primeira, com Mata doce (Ed. Alfaguara) e Eliane com Louças de Família, prêmio de melhor romance de estreia (Ed. Autêntica). Dia 25, mais um ato em defesa do mandato do deputado federal Glauber Braga, do PSOL do Rio de Janeiro, que corre o risco de ser cassado por perseguição política no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados. Dessa vez é no Circo Voador, na Lapa, com vários parlamentares presentes, e representantes de movimentos sociais, sindicatos, e estrelas da arte e da cultura da cidade. Coleção Desafios da Leitura agora com o recente volume O Cérebro leitor, da neuropsicóloga norte-americana Maryanne Wolf, que se encontra nas principais estantes das livrarias. A mesma autora de O Cérebro no mundo digital revela as relações entre o desenvolvimento do cérebro e da leitura. Como as pessoas aprendem a ler e a escrever; e como o desenvolvimento dessas habilidades transformou o cérebro e o próprio mundo. Maryanne Wolf é especialista em desenvolvimento infantil (Editora Contexto). Na contramão, programa com informação decepcionante: 53% da população brasileira não tem o hábito da leitura e/ou não está interessada em livros. O pior é que nos últimos três meses essa percentagem aumentou. A pesquisa 6ª Edição de Retratos da Leitura no Brasil é realizada pelo Instituto Pró-Livro com incentivo fiscal da Lei Rouanet. É a primeira vez que o levantamento conclui que a maioria dos brasileiros não leem livros. Na semana passada, associações e sindicatos representantes de profissionais do setor audiovisual enviaram carta ao presidente Lula apontando dificuldades enfrentadas pela área e criticando a condução das políticas culturais pela atual gestão do Ministério da Cultura. A Associação Brasileira dos Autores Roteiristas (Abra) e a Associação Brasileira de Cineastas (Abraci) destacam a ausência de uma política pública que reconheça o audiovisual como uma indústria estratégica. “A ausência de uma política que reconheça o setor audiovisual como uma atividade industrial estratégica está colocando as empresas do setor em uma situação de desvantagem no mercado global, e afetando trabalhadores, técnicos, talentos criativos e roteiristas”, afirmam as entidades. Uma boa notícia: “Para quem gosta de poesia e cinema (quem não?), acaba de chegar às livrarias um volume precioso: O cinema de perto, que reúne textos em prosa e verso de Carlos Drummond de Andrade dedicados ao assunto”, anuncia o crítico de cinema José Geraldo Couto, em A Terra É Redonda. O cinema de perto, livro póstumo de Drummond, é organizado pelo neto do poeta, Pedro Augusto Graña e pelo escritor e editor Rodrigo Lacerda. Com crônicas e poemas publicados entre 1920 e 1986, ou seja, desde os 18 até os 84 anos de idade do autor (Editora Record) Em São Paulo, na Sala do Conservatório, na Praça das Artes, no próximo dia 24, show do duo formado por Heloísa Fernandes ao piano, e Toninho Carrasqueira na flauta, celebrando a riqueza da música instrumental brasileira. Às 11 horas, com entrada gratuita. Ainda estamos aqui: Indicado pela Academia Brasileira de Cinema para representar o Brasil na disputa pelo Oscar 2025 na categoria de melhor filme internacional, Ainda estou aqui, de Walter Salles, estrelado por Fernanda Torres (indicada na categoria Atriz) e Selton Mello, Fernanda Montenegro e grande e eficiente elenco, chegou a fazer mais de um milhão de espectadores em apenas onze dias de exibição. E Marcelo Rubens Paiva já entregou à Editora Companhia das Letras os originais do seu novo trabalho, O novo agora. Pai de Joaquim e Sebastião, de dez e sete anos, ele recebeu do editor Luiz Schwarcz a encomenda de escrever um livro sobre paternidade. O novo agora começa onde Ainda estou aqui termina: “Não é mais um livro sobre a minha mãe. É sobre o que veio depois: as manifestações de 2013, o governo Bolsonaro, a pandemia de covid-19…”, ele enumera. Lançamento previsto para o início de 2025. Cachorros, livro do jornalista Marcelo Godoy publicado esse ano, voltou a frequentar a mídia. Nele, é revelada a história de um dos maiores espiões dos serviços secretos dos militares do tempo da ditadura de 64. Severino Deodoro de Mello (nome de guerra, “Vinícius”), militante do Partido Comunista Brasileiro, se tornou um dos mais importantes espias cooptados durante os anos de chumbo. No volume, é relatado como o deputado Rubens Paiva foi espionado em uma operação conjunta da Aeronáutica com o Ministério das Relações Exteriores, e em seguida entregue ao Exército – o responsável pelo seu desaparecimento; e morte. Godoy é autor também de A Casa da Vovó: Uma Biografia do Doi-Codi (1969-1991), centro de sequestro, tortura e morte da ditadura civil-militar. Programa em Porto Alegre: visitar a nova mostra da Fundação Iberê Camargo, às margens do rio Guaíba, na zona sul da cidade, celebrando 110 anos do artista que morreu em 1994, aos 79 anos, deixando um acervo de sete mil obras. A bela exposição vai até 9 de março de 2025. O volume Machado de Assis em Quadrinhos está nas estantes de frente de várias livrarias cariocas. Uma adaptação do trabalho do bruxo do Cosme Velho pelo ilustrador paulista Caeto, cujo primeiro romance gráfico é Memória de Elefante. Frase (ou meme) que atravessa programas, noticiário, diálogos, conversas, encontros e, sobretudo, advertências, esta semana: “Ainda estamos aqui”. E até mesmo o presidente Lula: “Tentativa de envenenar eu e o Alckmin não deu certo; estamos aqui”.   *Léa Maria Aarão Reis é jornalista. Ilustração de capa: Marcos Diniz Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.  

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Carta aos Evangélicos

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Carta aos Evangélicos
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Por J. CARLOS DE ASSIS* Talvez vocês não estejam diretamente informados disso, mas podem acreditar que a bancada evangélica da Câmara, no mesmo dia em que ajudou a impedir a votação de um projeto para agravar a lei contra a pedofilia, apoiou um  outro que pretende liberar todo tipo de jogos no Brasil. Com isso, seus filhos estão expostos a dois riscos morais de extrema gravidade: o estímulo indireto às práticas sexuais com crianças, e um vício que afeta justamente o povo pobre que gasta o pouco que tem para tentar a sorte num jogo de azar que só beneficia ricos. Talvez vocês não saibam também que, apenas em agosto, pessoas que ganham o  Bolsa Família de R$ 684 mensais, dinheiro que dificilmente dá para uma família viver - considerando os preços dos produtos alimentares cobrados atualmente nos supermercados -, gastaram cerca de R$ 3 bilhões com jogos eletrônicos. Isso dá ideia do desespero dos pobres ao ponto de trocarem o pouco dinheiro garantido que ganham do Governo pelas fortunas milionárias imaginárias que a propaganda dos jogos dos ricos lhes empurra goela abaixo. Dirijo-me principalmente aos evangélicos de “coração puro”, que, entre vocês, imitando Jesus, estendem sua mão para proteger as criancinhas, às quais ele prometeu o Reino dos Céus. Jesus também se colocaria frontalmente contra a exploração de jogos de azar que favorecem os ricos, em detrimento dos pobres, porque ele sabia claramente que o jogo apenas promete uma falsa riqueza, em troca do pouco dinheiro conquistado com sangue e suor pelos trabalhadores e trabalhadoras pobres. Escrevo principalmente para adverti-los sobre os candidatos a cargos públicos que vão escolher nas próximas eleições gerais em 2026. Pensem bem. Vejam quais são seus partidos. Na internet, a que seus filhos adolescentes poderão ter acesso, verificarão quais deles estão indiretamente a favor da pedofilia, e quais estão contra. E quais são pelo jogo sujo que já escraviza milhões de brasileiros pobres, ou são contra ele. Então escolham os deputados federais e os senadores em que vão votar, sobretudo os que vão tentar a reeleição, pois estes são os constituirão o Congresso depois de 2026 e definirão as leis que os regerão até 2030. Tenho vários amigos evangélicos, sinceros, dedicados à causa de Deus. Acompanho, porém, pela televisão e em conversas particulares, alguns que se utilizam de uma falsa “palavra de Deus” para achacar gente pobre e se enriquecerem pessoalmente. Perguntei a uma pastora de Brasília, que indiscutivelmente está do lado “puro” da igreja, porque os pastores responsáveis e sinceros não denunciam os hipócritas. Ela me respondeu com simplicidade: “Não nos metemos com outras igrejas ou pastores. Terão que dar conta de seus atos quando se apresentarem diante de Deus!” Aqui na terra, pastores que se dedicam principalmente à política, como Silas Malafaia, não mostram qualquer sinal de receio quanto ao Julgamento Final. Literalmente vendem a seus fiéis, por alto preço, a entrada no Paraíso. Nas igrejas de Malafaia, as contribuições sugeridas aos frequentadores, indicadas pessoalmente pelo pastor, são apresentadas num quadro bem visível e começam com mil reais e vão abaixando até 50 reais. Nesse ponto ele diz: “Quem não tiver 50 reais para a oferta pode sair imediatamente da igreja.” Na Universal, onde as contribuições indicadas pelos pastores começam com 500 reais e baixam também até 50, o achaque se dá através da venda de “produtos” que supostamente trazem benefícios materiais fantásticos aos fiéis, além dos “espirituais”. Dentre eles, encontram-se tijolos (para obter a ajuda de Jesus a fim de comprar ou construir uma casa), pedaços “milagrosos” de gravatas do pastor, toalhinhas, flores e outros produtos “abençoados” que beneficiariam os compradores com curas e outros milagres. . Pode-se pagar esses “produtos” de qualquer forma: Pix, cartão de crédito, transferência bancária ou em dinheiro. Assim, sequiosos pelas contribuições, facilitam a vida dos fiéis para os pagamentos.  Podem também doar bens materiais em troca dos benefícios prometidos, espirituais e materiais. Sou íntimo de uma senhora que vendeu sua única televisão para dar o dinheiro para uma igreja de Malafaia. Ela é fascinada por suas pregações. Não adiantou que eu ponderasse que ela precisava ver se tudo aquilo não passava de uma trapaça política demagógica, em nome de Jesus, para extrair  dinheiro do povo ingênuo, sobretudo pobre. Tudo isso torna toda a sociedade extremamente vulnerável do ponto de vista político. É que muitos de vocês, com grande boa fé, não procuram saber quais os verdadeiros propósitos dos pastores “podres”, que escondem suas intenções que parecem moralmente conservadoras para os induzirem, na prática, a aceitarem um conservadorismo político que os impede de se beneficiar do desenvolvimentismo econômico. Os pastores que se tem enriquecido barbaramente no Brasil, acumulando patrimônios pessoais altíssimos (o Estado de S. Paulo mostrou uma lista deles), são aparentemente conservadores em moral, mas geralmente ignorantes em economia. Assim, aliam-se no Parlamento à direita ou à extrema direita econômica e, pela força de seu número, contribuem decisivamente para barrar quaisquer políticas no interesse real do povo. Muitos evangélicos ingênuos, como eu soube, participaram da quebradeira da Praça dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023. Um pastor tentou me convencer posteriormente que deveriam ser anistiados, pois, na verdade, a maioria deles teria sido atraída para Brasília em nome da fé e sem saber exatamente qual era o propósito da marcha. Agora, com as investigações da Polícia Federal, ninguém pode ignorar qual era: matar Lula, Alckmin e o ministro do Supremo, Alexandre de Moraes, mergulhando o País no caos. Obviamente, se isso não os chocou, é porque não têm qualquer respeito pela vida humana e pela tranquilidade e paz no País. É muito difícil convencê-los dos riscos para o Brasil das atitudes ingênuas que assumem sob influência da religião. A maioria daqueles aos quais  essa carta se dirige não a lerá, mesmo porque não tem acesso à internet, onde está sendo publicada; os que a lerem provavelmente não concordarão com ela, pois estão obcecados pelos sermões da direita e da extrema direita dos “pastores políticos” , onde impera a mentira descarada para enganar o povo; e os poucos que concordarem com ela serão uma minoria insignificante, que não terá peso para mudar a composição do Congresso em 2026 a favor do desenvolvimentismo. Com  isso, o País continuará subjugado ao jogo reacionário do Centrão, onde os evangélicos têm peso significativo, a não ser que ao menos parte deles abra os olhos para ver o que está acontecendo no Brasil por fora das igrejas dominadas pelos “pastores políticos”, que podemos chamar também de “sujos”.   *J. CARLOS DE ASSIS é jornalista, economista, doutor em Engenharia de Produção, professor aposentado de Economia Política da UEPB, e atualmente economista chefe do Grupo Videirainvest-Agroviva e editor chefe do jornal online “Tribuna da Imprensa”, a ser relançado brevemente.    Foto de capa: Mariana Aldano/TV Globo Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.      

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