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LES MISÉRABLES AUJOURD’HUI

LES MISÉRABLES AUJOURD’HUI

Politica por RED
26/10/2024 11:00 • Atualizado em 27/10/2024 15:26
LES MISÉRABLES AUJOURD’HUI

Por Carlos Águedo Paiva*

A diferença de classe está em tudo.

É por isso que a diferença de classe é tão violenta.

Quando passei a conviver com pessoas

da classe dominante, todos me perguntavam:

Por que você fala alto como os pobres?

Édouard Louis, Entrevista TV Cultura

Umberto Eco e a legião de imbecis

Em 2015, durante a cerimônia de outorga do título de Doutor honoris causa na Universidade de Turim, o romancista, filósofo e semiólogo Umberto Eco fez uma declaração polêmica, que alimentou um longo debate. Segundo o célebre autor de O Nome da Rosa, a internet teria dado voz a uma verdadeira legião de imbecis. Inicialmente, a declaração causou estranheza e desconforto. Quase uma década mais tarde, ela se tornou senso comum nos meios de esquerda e na intelectualidade em geral. A questão que fica é: como Umberto Eco conseguiu antecipar o mundo de Fake News e teorias da conspiração que pululam na rede quando parcela expressiva da esquerda ainda a festejava como um espaço democrático de grande potencial revolucionário?

Do meu ponto de vista, a premonição de Eco se baseava simplesmente em sua percepção crítica e (dialeticamente) pouco esperançosa da cultura popular. Uma visão que se expressa com toda a clareza no romance que o catapultou para a fama.

O grande sucesso de O Nome da Rosa advém justamente de sua estrutura de “cebola”. Existem diversas camadas nesse trabalho magnífico. E um leitor não iniciado nos debates teológicos e filosóficos da Idade Média pode desfrutar de suas camadas mais superficiais – em que ele se apresenta como uma história de detetive ao estilo de Conan Doyle – sem perceber o tratamento dado por Eco às disputas internas à Igreja Católica. Disputas irredutíveis às divisões das ordens religiosas ou às controvérsias acerca do papel de Platão e Aristóteles na construção de uma teologia genuinamente cristã. Eco vai muito além dessas dimensões, e resgata a emergência (e sobrevivência, nos interstícios da Igreja) dos movimentos cristãos populares na crise do feudalismo (valdenses, cátaros, fraticelli etc.), que anunciam a ebulição das Reformas de Lutero e Calvino. Mas ainda há mais do que isso: Lutero e Calvino são dois teólogos de grande cultura e enorme habilidade política. Eco aponta para algo mais simples: a emergência de um tipo de agente social que, simultaneamente, vê a Igreja como um antro de perdição e pretende que qualquer um possa ler e interpretar a Bíblia esem a mediação dos “doutos”. A visão de Guilherme (e de Eco) dessa ousadia é, simultaneamente, de admiração, temor e repulsa.

A admiração encontra-se no que ela anuncia de esfacelamento da ordem hierárquica medieval e de nascimento do igualitarismo mercantil do mundo moderno. Tal como Marx nos explicou nos Grundrisse:

Um trabalhador que compra uma mercadoria por 3 shillings aparece ao vendedor na mesma função, na mesma igualdade – na forma de 3 shillings –, em que apareceria o rei que fizesse o mesmo. Toda diferença entre eles é apagada. (Marx, 2011, Boitempo, p. 189).

Mas se há um avanço social real no igualitarismo que emerge da retomada das trocas mercantis na crise da ordem feudal, há uma dimensão trágica nesse processo: o apagamento de diferenças reais associadas à especialização produtiva e ao conhecimento. É verdade que esse apagamento tem seus limites. Dificilmente um cidadão sem formação como construtor ousaria construir uma ponte ou uma catedral. Mas quando avançamos para áreas do conhecimento onde reina a controvérsia, o ceticismo se difunde e a petulância dos charlatões e opinadores toma conta do espetáculo. Trazendo o tema para a atualidade: na recente pandemia, até médicos formados combatiam a vacinação e receitavam cloroquina (quando não, aplicação de ozônio no reto). E isso numa área onde a evidência empírica da distinção entre tratamentos eficazes (que resultaram em recuperação) e ineficazes (que resultaram em morte) era cotidiana e vivenciada por todos.

A situação é ainda mais grave quando avançamos para temas em que a (pretensa?) ciência confronta a Bíblia, o senso comum e/ou a ideologia arraigada. Esse é o caso da Geologia, da Paleontologia e da Teoria da Evolução, que ousam contestar a Bíblia e afirmar que o mundo exista há muito mais do que 5 mil anos. Este também é o caso de historiadores, sociólogos, antropólogos e psicólogos que se contrapõe à “cura gay” afirmando que a homossexualidade esteve e está presente em todas as sociedades conhecidas. A prova inquestionável da falsidade dessa assertiva encontra-se na Bíblia: por que Deus teria destruído Sodoma se o sexo anal não fosse uma aberração? E nem só da Bíblia se alimenta a certeza popular. A TV aberta também constrói certezas. Miriam Leitão, Carlos Sardenberg e Roberto Campos nos ensinam todos os dias que, sem superávit primário, não há como controlar a inflação. Aparentemente, até mesmo Fernando Haddad concorda com essa platitude. E, aí, vêm aqueles loucos heterodoxos querendo nos convencer que o déficit é capaz de promover o crescimento econômico. Há prova maior de que a loucura está em todas as partes e que a esquerda é completamente irresponsável?

O descrédito popular contemporâneo diante da produção científica acadêmica é a nova versão – radicalizada – do descrédito popular com relação à Igreja Católica, retratada por Eco em O Nome da Rosa. No embate de então, Guilherme era um sujeito desconfortável. Ele buscava a equidistância e flertava com a solidão e o isolamento. Mas, na prática, era um agente do Imperador e da Igreja; era um agente da ordem, do status quo. Sua cultura refinada, seu domínio das obras dos grandes filósofos medievais (Tomás de Aquino, Guilherme de Ockham, Roger Bacon, Duns Scott etc.) o impedia de tomar com seriedade as heresias populares, que se pretendiam superiores pela sua “pureza e inocência”. Para Guilherme, essas construções eram, sem dúvida, pura inocência, pura simplicidade; elas eram absolutamente simplórias. De outro lado, Guilherme também via com temor os esforços da Igreja e dos senhores para manter “a ordem no mundo”. A Cruzada Albigense, a Inquisição, a repressão violenta a toda e qualquer forma de manifestação de religiosidade popular, eram vistas por Guilherme como igualmente desprezíveis e avessas aos ensinamentos, seja de Cristo, seja da filosofia.

Tal como Guilherme-Eco, a intelectualidade de esquerda luta para preservar os elementos positivos da civilização burguesa e avançar no sentido de um mundo mais solidário. Mas a verdade é que o mundo está “em frangalhos”. E há chances não desprezíveis de que nossos esforços de avanço dentro da ordem sejam tão “bem-sucedidos” quanto os esforços de Guilherme para obter um acordo entre o Imperador e o Papa, avançar no diálogo entre as ordens religiosas e preservar a grande biblioteca do Mosteiro Beneditino. Vale dizer: que demos com os burros n’água.

Édouard Louis e a estratificação social no mundo do trabalho precário

Édouard Louis é um jovem escritor francês, filho de um faxineiro de empresa fabril que sofreu um sério acidente de trabalho e passou a ter crescentes dificuldades de locomoção, vivendo em casa com os parcos recursos da Assistência Social. A mãe de Louis era dona de casa que, como o marido e o filho mais velho, hostilizava o caçula por suas pretensões intelectuais. Louis está no Brasil. Veio lançar seu livro mais recente na Flip, em Paraty, e foi o entrevistado do programa Roda Viva do dia 21 de outubro. Diz-se, popularmente, que os artistas têm um “radar” para detectar as contradições de seu tempo. Louis tem dois radares: o do artista e o do sociólogo. Excelente leitor de Bourdieu (em cuja homenagem organizou uma coletânea de ensaios), Louis se serviu do mestre para compreender melhor um elemento central em sua vida: a oposição de seus pais, familiares e membros da comunidade de Hallencourt (onde nasceu e viveu até a adolescência) à sua paixão pela literatura. Na entrevista concedida ao Roda Viva, Lou afirma (minuto 15)

A cultura é o maior abismo entre a classe dominante e a classe dominada. Lembro que quando eu era criança, toda a vez que minha mãe me via com um livro, ou via um grande jornal cultural, como o Le Monde ou o Libération, ou via algum romance que eu trazia da escola (porque na escola líamos Émile Zola ou Victor Hugo, minha mãe se sentia agredida. Porque quando ela via um livro, ela via um símbolo da vida à qual ela jamais teria acesso; a vida dos que tinham tempo para ler, dos que tinham o privilégio de ler; dos que tinham a capacidade de ler (pois ler é algo difícil). … E lembro que quando eu pegava um livro em casa minha mãe me dizia: – Você se acha melhor do que nós! Porque ela se sentia terrivelmente agredida. Era como um marcador absoluto da diferença. E bizarramente, o dinheiro era menos violento. Bizarro. Ao ver a mansão kitsch, toda dourada, de Donald Trump, minha mãe sonhava e dizia: – Eu gostaria de ter uma casa assim um dia! Adoraria ter essas coisas. Claro que o sonho dela era uma alienação. Era o que o capitalismo lhe fazia crer que ela deveria almejar. Mas pelo menos ela sonhava. Já, quando via um livro, ela via um veredito definitivo: Você não faz parte desse mundo!

Se Louis se restringisse a trazer à luz a dimensão do “capital cultural” enquanto signo de diferenciação e estratificação social, ele não estaria fazendo mais do que reproduzir (ainda que com toda a riqueza associada à dimensão do vivido, do experienciado) as lições de Bourdieu sobre o tema. Mas sua contribuição mais original é outra: ele aponta para um elemento novo na estratificação cultural: o peso do tempo. Louis chama a atenção para o fato de que “ler demanda tempo”. Um tempo que vai além da leitura propriamente dita. Ler é acessar outras vivências, outras perspectivas; as quais se contrapõem ao já sabido: o tempo da reflexão e da síntese entre a concepção prévia e a nova. E isso é assim em tudo: na Literatura, na Física, na Matemática, na Sociologia, na História. E, para Louis, esse é um tempo que a nova classe trabalhadora não tem. Ele apresenta essa questão comparando os temas/problemas de sua produção literária com a produção da escritora francesa Annie Ernaux, também oriunda da classe operária e que toma sua história pessoal como matéria-prima de seus trabalhos. Nas palavras de Louis (minuto 20):

Na época em que Annie Ernaux cresceu, a classe operária era muito forte. Na França e no mundo todo. Havia grandes fábricas, sindicatos, partidos políticos que representavam a classe operária. Havia Partidos Comunistas muito poderosos em toda a Europa. Eu cresci num mundo onde os sindicatos desapareceram quase totalmente. Durante minha infância, a maior parte das fábricas da França foram fechadas. …. O que mudou? A solidariedade da classe operária desapareceu na medida em que os trabalhadores não eram mais operários no sentido rigoroso do termo. Como recriá-la é uma das questões mais complexas que se colocam para o mundo hoje.

Para Louis, o trabalhador fabril dos tempos do fordismo era um trabalhador que havia conquistado alguma estabilidade no emprego, uma remuneração condizente com suas necessidades básicas de reprodução e uma jornada de trabalho de 5 dias por semana. Esse trabalhador sabia que essas conquistas eram indissociáveis dos sindicatos e dos partidos que os representavam. Tinha orgulho de sua trajetória e olhava com respeito e admiração para as lideranças sindicais e políticas que o representavam. E sabia que poderia vir a ser, também ele, uma liderança. Mas, para tanto, precisava conquistar uma compreensão mais organizada e complexa do mundo; precisava ler, estudar, refletir, debater, avançar.

Por oposição, o trabalhador de hoje é um “biscateiro”, sem contrato de trabalho, sem segurança, sem saber quais serão suas condições de vida amanhã. Ele é contundente nesse ponto (minuto 59). Segundo ele, até os anos 80 havia uma expectativa de melhora, de avanço, de progresso. Essa expectativa foi destruída pelo neoliberalismo e pela emergência de um mundo unipolar e pela escassez de tempo. De um lado, porque a sobrevivência exige que se trabalhe cada vez mais horas. De outro, porque a insegurança assola e assoberba de tal forma que não há tempo para ler, para refletir, para debater. Falta tempo e falta esperança. O que se pode esperar do exercício da leitura e da reflexão num mundo que elimina direitos, proteções, oportunidades? Nada, absolutamente nada!

Já vimos, em outro artigo, dedicado aos trabalhos de Da Empoli (em especial, ao seu magnífico Os Engenheiros do Caos) o papel dos think tanks e das “Fundações para o Desenvolvimento da Demo-Cracia” na difusão de Fake News e na conquista de corações e mentes para o campo da direita. Louis nos traz o “outro lado” dessa história: o lado “self-service”, o lado “popular”. Tal como nos advertia Marx, é um equívoco pretender que a ideologia seja apenas inculcada no povo. Para suportar suas dores, o povo mais humilde colabora na produção do ópio que amortece seu sofrimento.

Fabiano Mielniczuk e a esquerda atlantista e otanista

Guilherme de Baskerville era um homem à frente de seu tempo. Mas não estava fora de seu tempo. E, por isso mesmo, representava o Imperador Ludovico no encontro “religioso” da Mosteiro Beneditino. A esquerda brasileira hoje encarnou Guilherme de Baskerville. A despeito de ter sofrido duros golpes no impeachment de Dilma e na prisão de Lula, é ela que está à frente da defesa da Constituição e das instituições democráticas. A começar pelo Judiciário, pela Corte Suprema (STF) e pelo inimigo público número um da direita: o Xerife Xandão. Essa contradição não é menor. A verdade é que o Judiciário brasileiro perfaz uma casta que aufere rendimentos exorbitantes e que utiliza pesos e medidas muito distintos para avaliar e julgar crimes e réus de estrato social distinto. Negros pobres com dez gramas de maconha são traficantes. Brancos milionários com um quilograma de cocaína são meros usuários. … E la nave va. Pro brejo.

O problema é que essa contradição é apenas a ponta do iceberg. Em uma entrevista da linha “tem que ver”, o professor de Ciência Política da UFRGS Fabiano Mielniczuk traz elementos muito mais preocupantes. Assim como a Lava-Jato conquistou inúmeros corações e mentes da esquerda de mãos limpinhas e cheirosas, alguns dos maiores think tanks norte-americanos estão tentando atrair para o seu campo programático e discursivo um grande número de Organizações Não-Governamentais brasileiras. Os instrumentos são os de sempre: financiamento e cursos de formação para lideranças. Os temas e as ONGs financiadas são os mais diversos. Mas Fabiano identifica três eixos fundamentais nos aportes financeiros mais recentes: 1) direito das minorias, com ênfase no segmento LGBTQIA+; 2) direito à privacidade dos usuários das redes sociais frente ao Estado; e 3) taxação dos super ricos.

A questão que Fabiano introduz é: porque tanto interesse em financiar, doutrinar e arregimentar as lideranças “onguísticas tupis”? Segundo ele, só encontraremos uma resposta se atentarmos para o fato de que o Brasil assumirá a presidência dos BRICS, em 2025. Desde o início da Guerra da Ucrânia e das retaliações econômicas e financeiras dos EUA e UE à Rússia que um tema se colocou na ordem do dia para praticamente todos os países do mundo: a criação de uma alternativa ao dólar como moeda internacional. Ora, dada a equação de forças na ONU, no FMI e no Banco Mundial – entidades criadas ao fim da Segunda Guerra Mundial, sob hegemonia dos EUA – só há uma alternativa para a estruturação de um sistema internacional de pagamentos que prescinda do dólar: os BRICS. Se os EUA perderem seu principal instrumento de poder imperial – o monopólio do dólar nas transações econômicas internacionais – estará encerrada a era do mundo unipolar.

Hoje, os BRICS contam com nove membros. Além do Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, desde 20023 que ingressaram no bloco Irã, Somália, Egito e Emirados Árabes. Na cúpula de Kazan, foram convidados mais 13 países: Turquia, Indonésia, Belarus, Cuba, Bolívia, Malásia, Uzbequistão, Cazaquistão, Tailândia, Vietnã, Nigéria, Uganda e Argélia. Isso é um xeque. Ainda não é mate. Mas é xeque. E está assustando muito a “turma do andar de cima”.

Fabiano pergunta: qual é a principal característica dos BRICS? A diversidade e o respeito pela diversidade. A Índia é hindu, a China é socialista-confuciana, o Irã é Xiita, a Arábia Saudita é sunita, a Etiópia é cristã ortodoxa, a Rússia é … a Rússia. O país mais ocidental do bloco é o Brasil. E o Brasil ocupará a presidência do novo e ampliado BRICS a partir de 2025. Não é gratuito que as atenções das velhas (e decadentes) potências imperialistas – EUA, UE e Reino-Unido – voltem-se para nós. O que se almeja? Que o Brasil exerça o seu “destino manifesto” do Ocidente: civilizar a periferia e ensinar “bons modos”.

Não fale tão alto. Só os pobres falam assim. Não confunda Estado e religião: isso é primitivo; é coisa de muçulmano. Não ouse impedir que a Ucrânia faça parte da OTAN, não ouse defender a população russa de Donbas! A Ucrânia pertence à Europa. Tire suas patas de urso do nosso território. É preciso eliminar as castas! Isso é vergonhoso. Não controle as redes sociais: a liberdade de expressão (e de manipulação dos algoritmos) é um princípio absolutamente inegociável. Não persiga, nem condene os homossexuais: a tolerância com a diferença é uma medida de civilidade (ainda que o hinduísmo e o islamismo sejam intoleráveis; claro). Qual foi a última vez que vocês tiveram eleições diretas para Presidente? Os EUA, a UE e a ONU fiscalizaram o processo? Não? Então vocês são uma ditadura! Vocês têm regras para impedir a explosão do déficit público? Não? E como os bancos e demais credores terão certeza de que seus empréstimos serão horados? Como se dá a exação fiscal em seu país? Os super ricos têm uma taxação especial ou os magnatas são amigos dos líderes políticos? Isso não seria corrupção? Nos nossos países, o déficit só sai do controle quando se trata de salvar os bancos e as grandes corporações. Mas só o fazemos em nome do bem público. O que vocês fazem, para nós, é corrupção. … Intão tá! Acemoglu para Nobel de Economia!

Nós, a elite

Tal como na crise da Idade Média, há, hoje, um “precariado” se movendo e contestando. E há um amplo conjunto de defensores do “pacto civilizatório” e do “sistema internacional baseado em regras” que observa esse movimento com grande temor. A crise do fordismo, do socialismo real, da social-democracia e do Welfare State abriu um fosso entre o “novo operariado” (o precariado; que não tem, nem tempo, nem motivo, nem esperança para ler) e todas as elites. Inclusive a elite intelectual de esquerda. Da qual fazemos parte. Mas da qual a patuleia não faz! E Chimelo pretende não fazer.

Umberto Eco e Édouard Louis nos dão algumas pistas de como retomar a interlocução que se impõe. A despeito da “falta de tempo para ler”, ambos caminham pela literatura. Mas uma literatura peculiar, desprovida daquela sofisticação que seduziu o mundo desde Proust e Joyce. Eco usa a estratégia da cebola: ele escreve para todo e qualquer leitor. Mesmo aquele leitor que navega apenas pelas dimensões mais superficiais, terá de passear pelas demais camadas. E elas penetrarão em seu subconsciente como que por osmose. Louis opta pelo caminho do choque, da crueza. E nos leva direto ao caroço. Ambos são exemplares. Não só por serem autores de sucesso, mas por conquistarem leitores e, como tal, corações e mentes.

Fabiano nos provoca por um outro lado; pelo nosso lado diretamente intelectual. E pede que atentemos para aquilo que é inaparente: a relação entre a benevolência filantrópica da Fundação Ford e da Fundação Open Society (de George Soros) para o financiamento de movimentos e palavras de ordem que nos aproximam das velhas potências imperialistas. E que nos afastam daqueles parceiros que podem abrir um novo amanhã. Parceiros que podem nos levar muito mais longe. A despeito de não terem as mãos tão limpinhas e cheirosas (sic, aff, argh, cof), de arrotem na mesa durante o jantar e falarem alto demais. Fabiano nos lembra que a tolerância deve ser universal. Que ela deve ir bem além dos movimentos identitários (woke), incluindo, até mesmo (pasmem!) muçulmanos, comunistas, russos e africanos. … Será que conseguiremos?

Talvez sim; talvez não. Mas uma coisa me parece certa: se a esquerda continuar sonhando com um mundo fordista que já se foi, se preservar seu tom discursivo professoral e se mantiver apegada à tolerância seletiva que caracteriza o atlantismo (woke is good; Rússia, China e Irã are bad!) estamos fadados à derrota. E o Mosteiro Beneditino – com sua maravilhosa biblioteca – vai pegar fogo. Acorda, Guilherme.

*Diretor da Paradoxo Consultoria Econômica e professor de economia.

Foto: Divulgação

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