Meio Ambiente

Queimadas! As condições ambientais ajudam, mas quem acende o fósforo ou o maçarico é o agronegócio pecuário

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Queimadas! As condições ambientais ajudam, mas quem acende o fósforo ou o maçarico é o agronegócio pecuário
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Por JEAN MARK VON DER WEID* Dos rios voadores aos rios de fumaça Estamos assistindo há semanas (ou meses?) a mais espetacular estação de queimadas da história do país, ainda em curso e mais sinistra do que o domingo de fogo de 2019 ou o mar de chamas, de 2004. Já é um sinal preocupante para o meio ambiente do Brasil e, pela sua amplitude, do planeta, que tenhamos tal nome de batismo para o período de inverno. Mas a ocupação acelerada das fronteiras agrícolas pelo agronegócio, desde o tempo da ditadura militar, habituou-nos às imagens, cada vez mais gigantescas de florestas e outros ecossistemas sendo devorados pelas chamas ao longo de meses. Nos anos setenta, foi um escândalo internacional a queimada de uma propriedade de cem mil hectares no Pará, pertencente à empresa alemã Volkswagen. No Brasil, este fato não chegou a ser notícia, a não ser quando denunciado no exterior ao ser detectado por fotografias de satélite. De lá para cá, as queimadas viraram rotina e foram se expandindo, do arco de fogo subindo pelo mapa a partir do sul da Amazônia, do oeste do Mato Grosso ao leste do Pará, aos incêndios na intensa ocupação de Rondônia, Roraima e Acre e expandindo-se para o Cerrado e o Pantanal. [caption id="attachment_15680" align="aligncenter" width="1200"] Fumaça de fogo na Amazônia chega ao Sul e Sudeste do Brasil - Foto: INPE[/caption] Nada disso é uma novidade na nossa história. Lembremos que o primeiro bioma a ser destruído foi a outrora pujante Mata Atlântica, derrubada a ferro e fogo desde os primórdios da colonização. A diferença é que a redução em mais de 90% da cobertura vegetal deste bioma, quase toda de floresta tropical de enorme biodiversidade, durou cinco séculos. O que estamos assistindo ocorre em menos de duas gerações. Nestes dias, como foi o caso em 2019 e, menos intensamente, em outros anos, os ventos que trazem a humidade evaporada pela floresta amazônica para irrigar o centro-oeste e o sudeste do Brasil, fenômeno hoje conhecido como “rios voadores”, passaram a empurrar uma densa fumaça negra produzida por milhões e milhões de hectares de vegetação, da floresta tropical Amazônica a matas menos densas do Cerrado e os campos alagáveis do Pantanal, todos sequíssimos por sete meses de estiagem total. Além da fumaça gerada pela queima de áreas de pastagem, cuja cobertura vegetal original já foi devastada há mais tempo. No mesmo momento em que ardem três biomas de nova fronteira agrícola, ardem também grandes áreas cultivadas com cana de açúcar, no que foi o bioma Mata Atlântica, mais precisamente no centro-oeste paulista. Neste caso, a ocorrência é uma novidade, pelo menos desde 2007. A queima de canaviais em São Paulo só é fenomenal pelo fato de que o início da maior parte dos focos de incêndio foi simultâneo, como detectado pelas imagens de satélite. Crimes? A gritaria na imprensa e nas redes sociais foi grande. O bolsonarismo acusou o MST nos incêndios em São Paulo, enquanto a esquerda acusava uma ação criminosa do agronegócio canavieiro neste estado e o pecuário na Amazônia, Cerrado e Pantanal visando desmoralizar a política de controle de desmatamento do governo Lula e manchar a imagem e a liderança do Brasil para a COP-30. Tudo seria orquestrado, a exemplo do domingo de fogo de 2019 e o agronegócio bolsonarista seria o criminoso a combater. Estas hipóteses têm que ser mais bem estudadas. A meu ver não há uma orquestração política criminosa nacional reunindo criminosos em todas as áreas de incêndio, quase que do Oiapoque ao Chuí. Muitos destes incêndios são, sem dúvida, atos criminosos cujos intuitos devemos analisar caso a caso. Mas outros são derivados de outro tipo de causa, natural ou não. E as condições naturais têm que ser levadas em conta para verificar o quanto da área queimada resulta de uma perda de controle de operações usando fogo e que são legais. E há situações que requerem investigação mais aprofundada de tipo policial. Incêndios nos canaviais de São Paulo A suspeição de crime é estimulada pelas imagens de satélite, mostrando o surgimento de centenas de focos de fogo na região de Ribeirão Preto em um curtíssimo intervalo de tempo (horas). Além disso, circulou um vídeo de um caminhão de uma usina de açúcar e álcool, acompanhando trabalhadores uniformizados que incendiavam a palha seca sob os canaviais com o uso de maçaricos. A intenção criminosa parece comprovada, mas quem são os culpados? Os usineiros teriam algo a ganhar com a queima dos canaviais? [caption id="attachment_15681" align="aligncenter" width="848"] Ribeirão Preto é o principal foco de queimadas em SP - Foto: https://edup.ecowas.int/new/regiao-de-ribeiro-preto-e-o-principal-foco-de-queimadas-em-sp/[/caption] Os jornais têm apresentado estimativas das perdas dos usineiros que vão de 500 milhões a um bilhão de reais com os incêndios. Li mais de uma análise apontando para o fato de que a prática de queima dos canaviais era usual no passado e que os usineiros teriam voltado a utilizá-la. O argumento só se explica pela alta probabilidade de os autores serem leigos em matéria de economia e agronomia açucareira. Até o final do século passado, havia uma polêmica entre os usineiros e entre os plantadores de cana, fornecedores de matéria prima para as usinas. Entre os usineiros havia uma crescente adesão às propostas técnicas da Embrapa que favoreciam a colheita mecanizada e o abandono da queima. As vantagens eram múltiplas para o corte da cana crua (não queimada): mais restos de cultura (folhas e pontas) para incorporação nos solos, diminuindo a necessidade de adubação química, evitar as perdas em conteúdo de açúcar (chamado de brix) da ordem de 8% se as canas queimadas fossem processadas em menos de seis dias e muito mais se os prazos se alongassem, menores problemas com a rebrota das canas para a próxima safra, eliminação dos inimigos naturais da cigarrinha, praga maior dos canaviais. As desvantagens estavam nos custos das operações de colheita. Se feitas com uso de mão de obra (boias frias), a quantidade de cana colhida por trabalhador por dia era três vezes menor do que com a cana queimada. Isto ocorre porque o trabalhador, em um canavial não queimado, tem que fazer três operações: cortar a cana, eliminar as folhas e pontas e amontoar. Isto cobrava contratar mais gente, já que é preciso aproveitar as canas no seu momento de maturação ideal para obter o máximo de açúcar (ou álcool). No balanço de perdas e ganhos, a economia de mão de obra, que estava escasseando no mundo rural paulista nos anos 70, acabava apontando para mais lucros com a queima. A solução da mecanização foi adotada para eliminar este gargalo de mão de obra, mas as colheitadeiras disponíveis inicialmente tinham problemas de operação. A palhada da cana não queimada provocava o chamado embuchamento das máquinas, com frequente interrupção da colheita para limpar a vegetação acumulada nos dentes das colheitadeiras. Ou seja, a queima continuou por muito tempo na prática da colheita mecanizada, por facilitar o processo e torná-lo mais rápido. Entretanto, novas e mais avançadas máquinas vieram a superar este problema, mas o seu custo elevado fez com que muitas usinas e fornecedores de cana mantivessem a prática de queima e uso de mão de obra. O câmbio tecnológico na cultura de cana em São Paulo foi acelerado com a desaparição dos fornecedores (que tinham mais restrições financeiras) e com a adoção da mecanização moderna pelas usinas, induzidas por uma legislação introduzida em 2006, proibindo a queima por razões de saúde pública devido à fumaça que se espalhava pelas zonas urbanas da região. Os ganhos com o abandono da queima foram maiores do que os previstos inicialmente, entre outros o uso do bagaço das canas trituradas como combustível ou como matéria prima para polpa de papel, impossível com a cana queimada. Vinte anos depois do abandono da queima em São Paulo parece totalmente improvável que os usineiros tenham decidido, em bloco, violar a lei enquanto perdem dinheiro com menor produtividade da cana queimada e outras perdas que seria longo detalhar. Eliminada a hipótese absurda de capitalistas do agronegócio mais avançado do país estarem, literalmente, queimando dinheiro, fica a pergunta valendo um bilhão de reais: quem queimou os canaviais em Ribeirão Preto? E por que o fez? A hipótese bolsonarista de uma ação terrorista do MST também é absurda. Queimar os canaviais não facilita o assentamento de Sem Terras. E como explicar o vídeo com o caminhão de uma usina, acompanhando empregados empenhados na queima com maçaricos? Com a palavra a polícia de São Paulo ou a federal. Não tenho resposta, e considero a hipótese de que os usineiros teriam feito isto para provocar uma alta nos preços do açúcar no mercado internacional uma bobagem. Houve, de fato, uma alta de 3% no mercado de comodities em Nova Iorque, mas os ganhos não vão para as áreas queimadas, mas para quem não queimou. Que fique claro que não estou aqui defendendo o agronegócio canavieiro. Este setor tem um histórico de desprezo pelo meio ambiente e pelos direitos dos trabalhadores, além de se escorar com frequência em subsídios e isenções de impostos. Mas não acredito que, neste caso, eles tenham responsabilidade nas queimadas, que significam perdas importantes nos seus lucros. Amazônia em chamas O governo Lula, pela voz da ministra Marina Silva, proclamou uma redução de 46% no desmatamento da Amazônia no período entre agosto de 2023 e julho de 2024. Apesar deste resultado positivo, os índices de desmatamento no período Bolsonaro eram tão altos que, mesmo reduzida, a área atingida ainda era gigantesca. O sucesso na redução do desmatamento foi atribuído pelo governo à retomada da fiscalização na região. É preciso, entretanto, analisar esta explicação com um grão de sal. Afinal de contas, o desmonte das instituições de defesa do meio ambiente, Ibama e ICMBio, no governo de Bolsonaro, foi enorme. Ambas as instituições estão com poucos funcionários e equipamentos e, além disso, passaram por um longo período de greve por salários e planos de carreira que paralisou as ações de fiscalização. Por outro lado, e veremos este ponto mais em detalhe mais adiante, o desmatamento em todos os outros biomas cresceu. Porque o desmatamento caiu na Amazônia é algo que cobra uma análise mais aprofundada e eu não tenho elementos que respondam a esta pergunta. Tenho hipóteses, mas não fatos e dados. Teria havido uma concentração de esforços das agências de proteção ambiental neste bioma, com o consequente enfraquecimento nos outros? É improvável pois não se transfere pessoal de um lugar para outro tão facilmente. Terá havido um esgotamento da fome de terras da grilagem na Amazônia? Negativo. O histórico de desmatamento não indica que o processo esteja minimamente arrefecendo. O único elemento novo a se considerar é a ameaça formulada pela União Europeia de impedir a importação de produtos agrícolas ou madeireiros oriundos de áreas desmatadas a partir de 2015, em todo o mundo. Esta decisão já foi tomada no Parlamento Europeu e já foi ratificada na grande maioria dos países membros do bloco e deve entrar em vigor em 2025. Esta decisão foi incluída nos debates do acordo UE/Mercosul no início do ano passado, gerando reações do agronegócio e do próprio governo Lula. Isto poderia explicar o recuo do agronegócio, mas seria surpreendente este gesto de antecipação de medidas antes mesmo que a decisão da UE esteja em vigor. Para não confundir os leitores pouco afetos a estas práticas do agronegócio, esclareço que existem algumas etapas no que se chama, de forma geral, de desmatamento. O processo começa com a retirada da madeira de lei, seguido pelo chamado corte raso, feito com tratores de esteira arrastando grandes correntes deitando a vegetação, árvores de qualquer tamanho e arbustos no solo. A etapa seguinte, após um período de espera para a matéria vegetal secar, é a queima. As queimadas na Amazônia ou em outros biomas não se reduzem às áreas em desmatamento. Queimam-se pastos para provocar a rebrota do capim e queimam-se áreas de matas nas bordas das florestas virgens. É menos comum a queima das próprias florestas virgens, tanto por eliminar os ganhos com madeira de lei como pelo fato de que florestas tropicais húmidas e densas são mais difíceis de queimar. Se o desmatamento diminuiu significativamente, as queimadas na Amazônia cresceram muito. Para começar, a temporada de fogo começou mais cedo. Entre janeiro e julho de 2024 a área queimada aumentou 83% em relação ao mesmo período de 2023 e 38% a mais do que a média dos 10 anos anteriores. A novidade, no período de janeiro a março de 2024, foi o descolamento entre as áreas de desmatamento recente (9% dos focos) e as áreas de floresta primária (34% dos focos). No primeiro trimestre de 2023, 5% das queimadas foram em áreas de floresta primária e 21% nas áreas de desmatamento recente. Não tenho os dados para o segundo trimestre, mas a tendência aponta para a continuidade da mudança no direcionamento dos focos de incêndio. Isto pode ser explicado pelo fato de que as condições ambientais estarem favorecendo a queima nas floretas primárias, com um longo período de seca, altas temperaturas, baixa humidade do ar e ventos fortes. O resultado, intencional ou não, é que a redução do desmatamento, proclamada pelo governo, foi comprometida pelo aumento da área de queima em floretas primárias. Pode não ter sido fogo ateado por grileiros e simplesmente o alastramento do fogo dos pastos para as áreas de borda das florestas primárias, encontrando condições para penetrar nestas últimas. Ou esta pode ser uma parte da explicação. Em outra hipótese, a grilagem de terras que abre espaço para a expansão do agronegócio pecuário na Amazônia pode ter invertido as etapas do processo habitual, aproveitando as condições ambientais excepcionais para queimar primeiro e depois passar os tratores de esteira e correntes para retirar as árvores calcinadas restantes e semear pastagem. Isto vem ocorrendo de forma crescente nos últimos anos, a partir do aperfeiçoamento dos sistemas de controle por satélite do INPE, hoje capazes de captar e localizar em tempo real qualquer área de corte raso da floresta acima de 30 hectares. Este controle explicaria a troca do corte raso pela queimada direta, sobretudo em áreas onde foi retirada a madeira de lei, raleando a floresta e facilitando a queima. Queimadas no Cerrado Neste bioma, o processo de desmatamento é mais simples e brutal, com o uso de fogo diretamente sobre a vegetação primária. Isto se explica pelo fato de que a cobertura vegetal desta região não oferecer madeira de lei em quantidade tentadora para a exploração e pela maior facilidade da queima em matas menos densas, do tipo savanas arbóreas e arbustivas. O objetivo do agronegócio é focado na formação ou renovação de pastos, sendo que esta região concentra o segundo maior rebanho do país. Em termos percentuais este é o bioma com a maior taxa de conversão da vegetação primária em pastagens, embora a Amazônia ganhe o primeiro lugar em valores absolutos de área alterada. Em 2022/2023, queimaram 665 mil hectares da vegetação nativa do Cerrado. Neste bioma, 50% da cobertura vegetal original já foi desmatada, ou 100 milhões de hectares. A contribuição da queima para a devastação do Cerrado, no ano indicado acima, parece pequena (0,66%), mas ela se concentrou em uma das últimas fronteiras de vegetação ainda intocada, área comum a quatro estados – Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia – o MATOPIBA, com 77% de todo o desmatamento no Cerrado. No período 2023/2024, o desmatamento (queimada) aumentou 16%, chegando a 771 mil hectares. Em anos do governo Bolsonaro, estes números foram mais espetaculares, mas lembremos que o período das queimadas está apenas começando. As digitais do agronegócio criador de gado bovino estão nítidas em todo o processo de desmatamento na região mais ao norte do bioma, mas do centro ao sul é o agronegócio sojeiro que predomina. O Pantanal no rumo acelerado de desaparição Os números para este bioma são assustadores. A área queimada aumentou 2362% em 2024, na comparação com o primeiro semestre de 2023 e 529% a mais em relação à média dos últimos cinco anos. E como a temporada do fogo apenas começou, eles podem piorar muito até o fim do ano. Espera-se que a área queimada chegue a 3 milhões de hectares. Estes dados estarrecedores indicam que o ano recorde de área queimada, 2020, já foi superado em 54%. Os satélites apontam para um fato importante: 95% do fogo começa em propriedades privadas, prevalecendo as de criação de gado. O fogo já atingiu 57% do bioma pelo menos uma vez, sobretudo nos últimos 35 anos. Segundo a Ministra Marina Silva, o que estamos assistindo é o processo de desaparição da maior planície alagada do mundo, que pode ocorrer antes do fim do século, numa visão otimista. A prolongada estiagem na região já é a mais extensa e intensa em 74 anos (40 anos na Amazônia). Com baixa expectativa de chuvas no próximo verão, as cotas de cheia dos rios e da planície alagável não vão ser alcançadas. Com isso, a rebrota da vegetação queimada não deve ocorrer e as condições para novas queimadas devastadoras vão se manter para os próximos anos. Ela queixou-se dos cortes orçamentários impostos pelo Congresso, deixando o Ibama e ICMBio sem condições de fiscalizar os focos de incêndio e sem o pessoal necessário para combatê-los. Efeito fumaça? As temporadas de queimadas, aceitas como parte da realidade do agronegócio na Amazônia, Cerrado e Pantanal, há muito tempo tem sido um problema de saúde pública para as populações do Norte e Centro-Oeste, devido às grandes concentrações de fumaça. No resto do país, em anos “normais”, mal são notícia de jornais e televisões. Em anos de queimadas um pouco mais intensas, a fumaçada provoca a suspensão das operações de pouso e decolagem nos aeroportos destas regiões e as notícias no “sul maravilha” são mais frequentes. Mas, nos anos das grandes queimadas, que vem se tornando cada vez mais frequentes, é a fumaça nos narizes e pulmões de paulistas e fluminenses que faz a notícia ser manchete. [caption id="attachment_15682" align="aligncenter" width="1024"] Brasília (DF), 24/08/2024 - Brigadistas do Instituto Brasília Ambiental e Bombeiros do Distrito Federal combatem incêndio em área de cerrado próxima ao aeroporto de Brasília. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil[/caption] [caption id="attachment_15683" align="aligncenter" width="1024"] Fumaça nas ruas de Brasília/DF - Imagem: Marcelo Camargo/Agência Brasil[/caption] Embora a questão da saúde pública seja muito relevante, ela está longe de ser a mais grave para o país e para o planeta. A eliminação cada vez mais rápida das florestas tropicais e outras formações vegetais em escala gigante, abrange anualmente milhões de hectares, afeta o clima diretamente, tanto o local como o planetário. A contribuição do Brasil para o aquecimento global provém, em 70%, do desmatamento e das queimadas e só é menor do que a dos Estados Unidos, China, União Europeia, Rússia e Índia, os maiores emissores de gases de efeito estufa a partir da queima de combustíveis fósseis (petróleo, gás e carvão). O efeito do processo de desmatamento e queimada no Brasil é ainda mais rápido e intenso do que no resto do mundo. Nosso clima está mudando e estamos assistindo, nos últimos anos, uma sucessão de ondas de calor e secas mais intensas e extensas (em área atingida e em duração). O regime de chuvas, no Sul e no Sudeste, altamente dependente dos “rios voadores” (chuvas originadas na evaporação na região Amazônica e carregadas pelos ventos) tornou-se errático, com precipitações concentradas em algumas áreas (vide o caso mais recente do Rio Grande do Sul) e estiagens prolongadas no Sudeste. A agricultura do agronegócio já está fortemente afetada por este “novo normal” e as previsões são catastróficas para o futuro. Outras perdas colossais são menos percebidas pelo público. A riquíssima biodiversidade vegetal e animal dos citados biomas vem sendo devastada por este processo, empobrecendo o futuro do país e do planeta. Já foi citado acima o risco (próximo de uma triste certeza) da desaparição do Pantanal, mas pouca gente se dá conta do risco, anunciado pelos cientistas do INPE, da proximidade do chamado “ponto de não retorno” na capacidade de regeneração da floresta Amazônica. Segundo esta avaliação, estamos a poucos anos do momento em que a maior floresta tropical do planeta vai colapsar, mesmo se o desmatamento e queimadas forem interrompidos bruscamente. Passado o ponto de inflexão, o bioma vai começar um processo irreversível de degeneração, involuindo para uma vegetação de savana arbórea e arbustiva, chegando até a um processo de desertificação. Para o resto do país o problema será uma crescente falta de chuvas, com o estancamento da formação dos rios voadores. Não é preciso dizer o que isto representa para a agricultura nas regiões mais produtivas do Brasil. A apregoada pujança do nosso agronegócio vai ser abalada, enterrando tanto exportações como o abastecimento alimentar da nossa população. Vídeo: Veja como fumaça das queimadas se espalhou pelo Brasil no último mês E quem é o responsável por esta catástrofe anunciada? A resposta é sabida por todos os minimamente informados, mas não pelo público em geral, bombardeado pela propaganda do “agro é pop, agro é tec e agro é tudo”, louvando a pujança do agronegócio. O incrível neste quadro é a falta de reação dos setores do agronegócio do Sul e do Sudeste, que preferem apoiar toda e qualquer medida que facilite o processo de destruição em curso nos três biomas, que beneficia apenas a pecuária extensiva no Norte e no Centro-Oeste. Nos últimos 35 anos, 71 milhões de hectares de florestas foram transformadas em pasto, só na Amazônia, hoje concentrando quase a metade do nosso imenso rebanho de mais de 216 milhões de cabeças de gado. Esta conversão vem crescendo em um contínuo, cada ano superando as médias dos anos anteriores. As tentativas de controlar o desmatamento têm sido inúteis. Os Termos de Ajuste de Conduta e outros acordos com os frigoríficos (JBS, Minerva e Marfrig, e outros menores) estão em vigor há mais de 15 anos com efeito zero. Estes acordos impõe a compra de gado oriundo de áreas que não passaram por desmatamento desde 2010 e os frigoríficos garantem que estão cumprindo as regras, mostrando certificados de fornecedores de gado em pé que os abastecem. Entretanto, há um mecanismo para driblar o controle e os frigoríficos sabem muito bem explorá-los. O gado criado em pastos oriundos de desmatamento é vendido para outras fazendas para recria e engorda e estas estão, vamos dizer, “limpas”, fora da área de desmatamento. É puro cinismo. A medida a ser adotada para um controle total é conhecida: colocar um chip de controle eletrônico em cada cabeça de gado, permitindo saber onde cada res nasceu e por onde passou. Tecnicamente e economicamente isto é simples e relativamente barato, mas não é aplicado, simplesmente porque a maior parte do gado vem realmente de áreas desmatadas. Quando a União Europeia decidiu que só vai comprar carne provinda de áreas não desmatadas foi exatamente esta medida de controle (rastreamento) que ela exigiu. A reação do agronegócio brasileiro como um todo, e de seus representantes na poderosa bancada ruralista no Congresso foi de ira, com protestos contra o que chamaram de “protecionismo” e “reserva de mercado”. E o governo Lula embarcou neste discurso, com o silêncio obsequioso da Ministra Marina Silva. Se é espantoso que outros setores do agro não tenham apoiado esta medida (que já vem sendo discutida há tempos no Brasil), é ainda mais incompreensível que o governo Lula cerre fileiras para apoiar o agronegócio pecuário da Amazônia, do Cerrado e do Pantanal, entre outras razões (econômicas e ambientais) por ser foco do mais exacerbado bolsonarismo. Ou talvez o governo esteja defendendo os grandes frigoríficos, com os quais já teve acordos importantes nos governos anteriores de Lula e Dilma. Alguém se lembra das imensas vantagens obtidas pela JBS para expandir seus negócios no exterior, na chamada política de “campeões nacionais” financiados pelo BNDES? Atualmente, apoiar os frigoríficos é o mesmo que apoiar os pecuaristas que compraram terras baratas em áreas desmatadas por grileiros e que estão levando não só à destruição de três biomas, mas comprometendo o futuro de toda a nossa agricultura (sim, a familiar está sendo e será prejudicada também) e do país. *Jean Marc von der Weid é Ex-presidente da UNE (entre 1969 e 1971), Fundador da ONG Agricultura Familiar e Agroecologia, Membro do CONDRAF/MDA e Militante do movimento Geração 68 Sempre na Luta Foto da capa: Brigadistas do Instituto Brasília Ambiental e Bombeiros do Distrito Federal combatem incêndio em área de cerrado próxima ao aeroporto de Brasília. Brasília (DF), 24/08/2024 - Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil (Para mais informações sobre "O ponto de não retorno", assista o vídeo: Amazônia pode atingir ponto de não retorno em 2029; entenda o que isso quer dizer) Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

Internacional

Estratégia e maestria política: lições de Sun Tzu no confronto democrático

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Estratégia e maestria política: lições de Sun Tzu no confronto democrático
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Por ALEXANDRE CRUZ* Aqueles que sabem lutar são estrategistas que dominam a arte de escolher quando, onde e como se envolver em uma disputa. Este princípio, extraído de "A Arte da Guerra" de Sun Tzu, é crucial não apenas em batalhas militares, mas também em debates políticos e confrontos econômicos. Recentemente, o Partido Democrata (EUA) tem exemplificado essa estratégia com notável habilidade, especialmente em relação ao ex-presidente Donald Trump. Tzu nos ensina a evitar ser arrastado para o terreno escolhido pelo adversário. Em vez disso, os estrategistas bem-sucedidos atraem o inimigo para um campo onde possuem vantagem. Essa abordagem exige planejamento meticuloso e leitura perspicaz das circunstâncias, garantindo que a disputa seja travada nas condições mais favoráveis. Os democratas têm aplicado essa filosofia de forma eficaz, desde o atentado que aumentou as tensões políticas até o debate realizado nesta terça-feira, 10 de setembro. Ao escolher estrategicamente os momentos e os locais de confronto, eles conseguiram se posicionar favoravelmente. A performance de Kamala Harris no debate foi um exemplo claro dessa estratégia. Ela destacou seus pontos fortes e explorou as fraquezas de Trump, demonstrando uma abordagem calculada que garantiu sua vitória. Harris não apenas exibiu suas capacidades políticas, mas também refletiu uma compreensão profunda das dinâmicas do debate. Sua atuação evidenciou que a verdadeira força reside na habilidade de controlar o terreno da disputa, transformando desafios em oportunidades. Este episódio destaca a importância de uma estratégia bem elaborada. No campo político, assim como no militar, o sucesso frequentemente depende da capacidade de escolher as batalhas certas e de levá-las nas condições mais favoráveis. A vitória de Kamala Harris é um testemunho da eficácia de dominar a arte de saber lutar, moldando o cenário político a favor dos democratas e garantindo triunfos nas circunstâncias mais vantajosas. *Alexandre Cruz é jornalista político Ilustração da capa by DC9 Nightclub/Eventbrite Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

Crônica

O Melo da Propaganda e o Real

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O Melo da Propaganda e o Real
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Por SOLON SALDANHA* Aqui entre nós, quando a propaganda eleitoral que estamos vendo agora na televisão, aqui em Porto Alegre, afirma “o Melo vai fazer”, não lhe ocorre perguntar por que ele não fez nada disso que está prometendo agora, ao longo dos quatro anos em que está no comando do Executivo? Outra coisa inacreditável é o uso do slogan “deixa o Melo trabalhar”. Ele é um plágio escrachado do que foi usado nas eleições presidenciais de 2006, por Lula. “Deixa o homem trabalhar” estava no jingle, nas peças impressas e nos clipes gravados pelo petista, naquela ocasião. Difere o momento atual daquele o fato de que o presidente vinha de um mandato de intensas realizações e de conquistas históricas para o país e o povo brasileiro. O prefeito está concluindo um mandato melancólico, sem que se tenha nadica de nada para comemorar. Para finalizar, Sebastião Melo tem repetido à exaustão que os projetos necessários para a posterior execução de obras de contenção de enchentes, estão todos sendo feitos pelos engenheiros. Essa não é uma confissão de que, nos últimos anos, houve uma total negligência? Nos primeiros dias da campanha este último foi o mote principal. Porque era necessário tentar tirar a lama das mãos do prefeito, que havia zerado o orçamento para a manutenção dos diques e casas de bombas. De um prefeito que se associara ao governador Eduardo Leite no esforço para inclusive retirar o muro existente na Avenida Mauá, facilitando interesses da especulação imobiliária, marca principal do seu governo. Então, numa sucessão de mentiras e meias verdades, ele tentou assumir como seus os méritos do combate feito por voluntários. E buscou ainda dizer que os investimentos emergenciais, todos eles realizados com recursos federais, eram decorrentes do esforço de sua administração. Melo é um desastre, um embuste, alguém com “pés de barro”. Aliás, uma imagem muito apropriada, considerando o que aconteceu em especial no Sarandi, Humaitá e outros bairros periféricos que sua administração tinha abandonado. Essa expressão tem origem bíblica – tomara que aqueles apoiadores que ele tem no povo neopentecostal percebam –, servindo na identificação de líderes que são carentes de méritos intrínsecos. Aqueles que não tem sustentação real, nem nas ideias, nem nas ações. E a sua propaganda eleitoral, essa tem cheiro de engodo. Ela escancara o blefe que ele próprio é, sendo ao menos nisso coerente. Vamos voltar um pouco atrás no tempo, ajudando quem não tenha uma memória mais aguçada. Para tanto, que se esqueça momentaneamente a enchente e se recue até ao período de outra crise que não teve quem enfrentasse, com pulso firme e competência. Quando da pandemia de Covid-19, em meio ao caos sanitário que se instalava, Melo se recusou a adotar medidas de isolamento social. E não adquiriu vacinas, mesmo com a autorização que a Câmara Municipal lhe deu, aprovando projeto que ele próprio enviara. Na mesma época e aproveitando a permissividade que o momento garantiu, ele anulou a revisão da Planta de Valores do IPTU aprovada na gestão anterior, o que beneficiou os mais ricos moradores da cidade. Melo também fatiou a revisão do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental. Encaminhou projetos pontuais atendendo interesses de grandes construtoras no Centro Histórico, na Fazenda do Arado e no 4º Distrito, descaracterizando totalmente o espaço urbano e contrariando as recomendações do Ministério Público. Enquanto isso, seu governo era atingido por uma série de escândalos, como o verificado na Secretaria da Educação, com compras superfaturadas e desvio de recursos públicos. O que se repete agora, com a descoberta de mais falcatruas envolvendo o Dmae. Isso sem falarmos na série de contratos com terceiros mais do que suspeitos, como o assinado com as Pousadas Garoa. Foi preciso um incêndio matar dez pessoas para que seu governo fingisse que iria rever a situação: os valores absurdos continuam sendo pagos. Porto Alegre está pobre, suja, abandonada, insegura. É uma calamidade o transporte público. A saúde, com as UBSs terceirizadas, não consegue ter um atendimento efetivo. Faltam profissionais, as filas são enormes, as cirurgias eletivas estão represadas. Para essas ele agora fala em realizar um mutirão. Por que nada fez nesse sentido, até agora? A educação está deixada ao Deus dará. Os pequenos produtores do cinturão agrícola do município foram abandonados. O recolhimento do lixo vive enfrentando crises. Árvores estão sendo derrubadas sem necessidade, sem critério algum. A Carris, empresa fundada por Dom Pedro II em 1872, foi privatizada por uma merreca. Os servidores públicos têm os seus direitos permanentemente ameaçados e valorização nenhuma. Numa pequena cidade do interior, onde morei muitos anos, costumavam chamar um deputado da região, que só aparecia por lá de quatro em quatro anos, no momento de pedir novos votos, de “Copa do Mundo”. Claro que em função da idêntica periodicidade. Se por abstração isso fosse agora aplicado a Sebastião Melo, ele estaria mais para um 7×1, como o sofrido da Alemanha. Ou talvez para, aproveitando os mesmos números, 171. *Solon Saldanha é jornalista Ilustração da capa: Não se pode esquecer: a negligência de Melo agravou em muito os efeitos da enchente. Autoria Nando Motta - Brasil 247 Crônica publicada originalmente no blog do autor: O MELO DA PROPAGANDA E O REAL – VIRTUALIDADES Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com . Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

Justiça

Gonet na eleição

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Gonet na eleição
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Por JEFERSON MIOLA* O Procurador-Geral da República Paulo Gonet usa pretextos formais para a embromação em relação aos processos contra Bolsonaro, mas no fundo ele objetiva impedir o andamento normal das ações penais para não prejudicar o bolsonarismo na eleição. Gonet justificou, por exemplo, a necessidade de mais prazo no caso das jóias porque, “antes de apresentar seu juízo acusatório, é essencial que o titular da ação penal tenha acesso à íntegra de todos os elementos informativos, para que valore adequadamente as condutas e evite posteriores alterações da imputação”. Não deixa de ser uma justificativa curiosa, para não dizer inventiva, porque até os estagiários da PGR sabem que há um verdadeiro excesso de provas dos crimes cometidos por Bolsonaro e seus comparsas civis e fardados. Em março passado, Paulo Gonet decidiu assumir pessoalmente a condução do processo sobre o crime de falsificação das carteiras de vacina. E, segundo noticia a imprensa, ele continua até hoje à procura de detalhes sobre a fraude, e nada do processo andar. De acordo com interlocutores do procurador-geral, Gonet “adota cautela” a respeito das denúncias contra Bolsonaro para “não contaminar o período eleitoral”. No entanto, ao retardar o ritmo normal das apurações e comprometer o andamento regular da justiça, o efeito é exatamente o oposto, pois Gonet acaba contaminando inteiramente a eleição. Ao proteger a imagem de delinquentes políticos, ele assume uma parcialidade indevida na eleição: exclui do debate eleitoral fatos e circunstâncias com potencial de prejudicar o desempenho da extrema-direita nas urnas. Beneficiado pelas manobras processuais de Gonet, Bolsonaro circula desimpedido pelo país fazendo comícios, propagando ódio e violência, ameaçando ministros do STF e organizando o movimento de anistia a golpistas e a si próprio. Em decisão mais recente [8/9], Gonet decidiu “esperar definição do STF sobre foro para decidir sobre denúncia contra Bolsonaro”. Trata-se de mero formalismo de conveniência para a estratégia de ganhar tempo e não avançar as ações penais, pois embora o julgamento do STF ainda não esteja concluído devido a um pedido de vistas feito pelo ministro bolsonarista André Mendonça em março, a Corte já constituiu o entendimento majoritário de que crimes cometidos por presidentes no desempenho das funções são julgados no STF mesmo após o fim dos mandatos. À rigor, não faz o menor sentido Gonet esperar o STF terminar a votação sobre esta matéria, porque o resultado já é de antemão conhecido e não será alterado, de modo que os crimes cometidos por Bolsonaro no cargo deverão ser julgados, sim, pela Suprema Corte. Ainda que possa não ser a intenção real de Gonet, o fato concreto é que a demora evitável e inexplicável no andamento das ações penais que envolvem Bolsonaro e seus cúmplices equivale a um ativismo eleitoral passivo dele em prol do bolsonarismo e da extrema-direita. *Jeferson Miola é jornalista. Texto originalmente publicado no blog do autor.: Gonet na eleição – jeferson miola (wordpress.com) Foto da capa: Brasília (DF), 19/12/2023 - O procurador-geral da República, Paulo Gonet, durante sessão de encerramento do Ano Judiciário, no Supremo Tribunal Federal (STF). Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com . Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

Justiça

Bolsonaro chutou fora e a próxima jogada é de Moraes e Gonet

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Bolsonaro chutou fora e a próxima jogada é de Moraes e Gonet
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Por MOISÉS MENDES* Se o embate entre o bolsonarismo e Alexandre de Moraes fosse um jogo com alternância de lances e movimentos, a jogada da vez seria do ministro do Supremo, desde que receba o passe de Paulo Gonet. No 7 de Setembro da Avenida Paulista, o bolsonarismo jogou a bola para longe, em direção ao Itaim Bibi. Mesmo que parte da grande imprensa tenha achado que não foi bem assim, a aglomeração foi uma derrota para todos eles, das antigas e das novas facções. Perderam, no sábado, o velho bolsonarismo cansado da guerra de Bolsonaro, o pretenso novo bolsonarismo dos seguidores de Pablo Marçal e os rejeitados da arca de Malafaia, acomodados no caminhão de som de Carla Zambelli. Qualquer aprendiz de ações políticas sabe que, após um movimento ou uma ação política de massa, o próximo ato precisa superar ou se igualar ao primeiro gesto, em tamanho e repercussão. Foi assim nas grandes mobilizações da história recente: nos esforços pelo fim da ditadura, pelas Diretas, pela queda de Collor e até, é preciso admitir, pelo golpe contra Dilma Rousseff. Pela democracia ou pelo golpismo, a lição é clara: não há como avançar com fracassos em sequência. E os últimos dois atos do bolsonarismo, no Rio e agora novamente na Paulista, ficaram muito abaixo do primeiro, ocorrido em 25 de fevereiro, em São Paulo. Os três atos contra Moraes reuniram 185 mil pessoas em fevereiro, 33 mil em abril e 45 mil agora. Houve retração e estagnação de público. Juntando as aglomerações dos últimos dois atos, não chega à metade do primeiro. E a rua sempre foi a melhor expressão do ativismo dos apoiadores de Bolsonaro. E agora? Agora, Bolsonaro sabe que a capacidade de mobilização da extrema direita está em declínio. Ele é um líder questionado tanto pelos grupos que se expressam, como os de Marçal e Zambelli, quanto pelos que se calam e desaparecem, como muitos que sumiram da Paulista. A extrema direita fracionada (até Silas Malafaia tenta ocupar espaço nessa guerra) está sem forças para continuar nas ruas, gritando com o ímpeto do início do ano. No jogo do "agora é a tua vez", Moraes tem a preferência, mas, se quiser, pode adotar a estratégia de ficar no mesmo lugar. Fingir inércia pode ser seu jogo, mesmo sabendo que Bolsonaro está enfraquecido. Moraes e Gonet sabem que as divisões no bolsonarismo tendem a se intensificar e que mais pessoas subirão em caminhões diversos, muito mais para afrontar Bolsonaro do que para se somar às tropas envelhecidas do tenente cansado. Mas chegamos ao momento em que os prazos começam a se esgotar para quase tudo que envolve os acertos de contas do fascismo com a Justiça, nas mais variadas frentes. A bola está com Gonet e Moraes. *Moisés Mendes é jornalista, autor de “Todos querem ser Mujica” (Editora Diadorim). Foi editor especial e colunista de Zero hora, de Porto Alegre. Artigo originalmente publicado no site Brasil 247. Foto da capa: Brasília (DF), 22/08/2024 - O ministro do STF, Alexandre de Moraes, e o Procurador-Geral da República, Paulo Gonet, durante a solenidade comemorativa ao Dia do Soldado, no Quartel-General do Exército, em Brasília. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

Opinião

Liberdade de expressão e responsabilidade:  STF e a decisão sobre a conta X

Notícia

Liberdade de expressão e responsabilidade: STF e a decisão sobre a conta X
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Por ALEXANDRE CRUZ* O recente bloqueio da conta X, anteriormente conhecida como Twitter, pelo Supremo Tribunal Federal (STF) representa um momento decisivo na relação entre tecnologia e jurisprudência. Este movimento não deve ser interpretado como uma tentativa de cercear a comunicação, mas como uma reafirmação da necessidade de que as plataformas digitais operem dentro dos parâmetros legais estabelecidos. No seguimento do meu artigo "Caverna de Platão nos dias de hoje: como a internet mantém presos às sombras da desinformação", é crucial destacar que a decisão do STF visa garantir que as redes sociais respeitem a legislação brasileira, sem comprometer o debate público. A ação do Supremo Tribunal se alinha com a necessidade de proteger a integridade das informações e assegurar que o ambiente digital não seja um veículo para desinformação. A qualidade da democracia em nossa era digital está profundamente ligada ao acesso a informações precisas e responsáveis. Em um cenário dominado por fake news e manipulações, é fundamental que as plataformas digitais ajam conforme as normas legais para preservar a confiança pública. O bloqueio da conta X, ao remover conteúdos que violam essas normas, é uma medida que visa proteger a sociedade de abusos e garantir que o debate público seja informado e construtivo. Esse ato do STF não é uma imposição ao direito de censura, mas uma tentativa de assegurar que a comunicação digital não prejudique a coesão social e o bem-estar coletivo. O objetivo é garantir que a informação veiculada nas redes seja transparente e fiel à verdade, evitando a proliferação de dados enganosos. Portanto, a decisão deve ser vista como uma etapa necessária para que a liberdade de expressão seja exercida com responsabilidade. A legislação serve para manter a ordem e assegurar que o espaço digital não seja usado para propagar desinformação e manipulação. O Supremo Tribunal Federal reafirma, assim, o compromisso com a justiça e a integridade das informações. Em suma, a medida adotada pelo STF é um exemplo de como é possível equilibrar a liberdade de comunicação com a responsabilidade necessária para preservar a qualidade democrática. Como nos complexos enredos de Stieg Larsson, o desafio está em garantir que a verdade e a justiça prevaleçam, mesmo em um cenário digital desafiador. *Alexandre Cruz é jornalista político. Foto da capa: Logo do X Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

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