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O Melo da Propaganda e o Real
O Melo da Propaganda e o Real
Por SOLON SALDANHA*
Aqui entre nós, quando a propaganda eleitoral que estamos vendo agora na televisão, aqui em Porto Alegre, afirma “o Melo vai fazer”, não lhe ocorre perguntar por que ele não fez nada disso que está prometendo agora, ao longo dos quatro anos em que está no comando do Executivo? Outra coisa inacreditável é o uso do slogan “deixa o Melo trabalhar”. Ele é um plágio escrachado do que foi usado nas eleições presidenciais de 2006, por Lula. “Deixa o homem trabalhar” estava no jingle, nas peças impressas e nos clipes gravados pelo petista, naquela ocasião. Difere o momento atual daquele o fato de que o presidente vinha de um mandato de intensas realizações e de conquistas históricas para o país e o povo brasileiro. O prefeito está concluindo um mandato melancólico, sem que se tenha nadica de nada para comemorar. Para finalizar, Sebastião Melo tem repetido à exaustão que os projetos necessários para a posterior execução de obras de contenção de enchentes, estão todos sendo feitos pelos engenheiros. Essa não é uma confissão de que, nos últimos anos, houve uma total negligência?
Nos primeiros dias da campanha este último foi o mote principal. Porque era necessário tentar tirar a lama das mãos do prefeito, que havia zerado o orçamento para a manutenção dos diques e casas de bombas. De um prefeito que se associara ao governador Eduardo Leite no esforço para inclusive retirar o muro existente na Avenida Mauá, facilitando interesses da especulação imobiliária, marca principal do seu governo. Então, numa sucessão de mentiras e meias verdades, ele tentou assumir como seus os méritos do combate feito por voluntários. E buscou ainda dizer que os investimentos emergenciais, todos eles realizados com recursos federais, eram decorrentes do esforço de sua administração.
Melo é um desastre, um embuste, alguém com “pés de barro”. Aliás, uma imagem muito apropriada, considerando o que aconteceu em especial no Sarandi, Humaitá e outros bairros periféricos que sua administração tinha abandonado. Essa expressão tem origem bíblica – tomara que aqueles apoiadores que ele tem no povo neopentecostal percebam –, servindo na identificação de líderes que são carentes de méritos intrínsecos. Aqueles que não tem sustentação real, nem nas ideias, nem nas ações. E a sua propaganda eleitoral, essa tem cheiro de engodo. Ela escancara o blefe que ele próprio é, sendo ao menos nisso coerente.
Vamos voltar um pouco atrás no tempo, ajudando quem não tenha uma memória mais aguçada. Para tanto, que se esqueça momentaneamente a enchente e se recue até ao período de outra crise que não teve quem enfrentasse, com pulso firme e competência. Quando da pandemia de Covid-19, em meio ao caos sanitário que se instalava, Melo se recusou a adotar medidas de isolamento social. E não adquiriu vacinas, mesmo com a autorização que a Câmara Municipal lhe deu, aprovando projeto que ele próprio enviara. Na mesma época e aproveitando a permissividade que o momento garantiu, ele anulou a revisão da Planta de Valores do IPTU aprovada na gestão anterior, o que beneficiou os mais ricos moradores da cidade.
Melo também fatiou a revisão do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental. Encaminhou projetos pontuais atendendo interesses de grandes construtoras no Centro Histórico, na Fazenda do Arado e no 4º Distrito, descaracterizando totalmente o espaço urbano e contrariando as recomendações do Ministério Público. Enquanto isso, seu governo era atingido por uma série de escândalos, como o verificado na Secretaria da Educação, com compras superfaturadas e desvio de recursos públicos. O que se repete agora, com a descoberta de mais falcatruas envolvendo o Dmae. Isso sem falarmos na série de contratos com terceiros mais do que suspeitos, como o assinado com as Pousadas Garoa. Foi preciso um incêndio matar dez pessoas para que seu governo fingisse que iria rever a situação: os valores absurdos continuam sendo pagos.
Porto Alegre está pobre, suja, abandonada, insegura. É uma calamidade o transporte público. A saúde, com as UBSs terceirizadas, não consegue ter um atendimento efetivo. Faltam profissionais, as filas são enormes, as cirurgias eletivas estão represadas. Para essas ele agora fala em realizar um mutirão. Por que nada fez nesse sentido, até agora? A educação está deixada ao Deus dará. Os pequenos produtores do cinturão agrícola do município foram abandonados. O recolhimento do lixo vive enfrentando crises. Árvores estão sendo derrubadas sem necessidade, sem critério algum. A Carris, empresa fundada por Dom Pedro II em 1872, foi privatizada por uma merreca. Os servidores públicos têm os seus direitos permanentemente ameaçados e valorização nenhuma.
Numa pequena cidade do interior, onde morei muitos anos, costumavam chamar um deputado da região, que só aparecia por lá de quatro em quatro anos, no momento de pedir novos votos, de “Copa do Mundo”. Claro que em função da idêntica periodicidade. Se por abstração isso fosse agora aplicado a Sebastião Melo, ele estaria mais para um 7×1, como o sofrido da Alemanha. Ou talvez para, aproveitando os mesmos números, 171.
*Solon Saldanha é jornalista
Ilustração da capa: Não se pode esquecer: a negligência de Melo agravou em muito os efeitos da enchente. Autoria Nando Motta – Brasil 247
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