Artigo

Por que temos que salvar a política?

Destaque

Por que temos que salvar a política?
RED

De ELIS RADMANN* Como pesquisadora que estuda o comportamento da sociedade, tenho visto se ampliar a descrença e a negação da política. Esse fenômeno ocorre associado ao aumento do individualismo e da intolerância, motivado pela influência da tecnologia em nosso cotidiano. Tenho destacado o quanto a política é fundamental para guiar nossa vida em sociedade. A política define as leis (o que podemos ou não fazer) e define a gestão dos serviços públicos (como será o atendimento da saúde, qual será a forma utilizada para combater a violência, se a educação será a prioridade e até o que será ensinado nas escolas). A política define o tamanho do Estado, de uma cidade e influência nos rumos da economia. E também é a política que diz a quantidade de impostos e tributos que devemos pagar e o que será feito com esse dinheiro. A política pode diminuir a tendência ao individualismo e ampliar o sentimento de comunidade. Com a política somos parte, somos inclusos, ela traz o sentimento de pertencimento. A política é a arte do diálogo, da negociação, da capacidade de transformar tese e antítese em uma síntese, de fazer com que o conjunto A e o conjunto B formem uma intersecção. A política fomenta o estabelecimento de regras, a harmonia do convívio social e transforma moral em ética. A política é responsável pelo contrato social entre as pessoas, entre as instituições e entre os governos. A política nos faz evoluir como seres humanos e sociais. Nos faz ver que precisamos uns dos outros, que o direito de um acaba quando começa o do outro. A política nos ensina que somos diferentes e podemos pensar de forma diferente, mas temos que lidar com a diferença de forma respeitosa e fazer isso com tolerância e empatia. Com a política podemos transformar sonhos em realidade. Mas, para que a política seja tudo o que ela se propõe, temos que ter consciência de que o jeitinho brasileiro está impregnado em nossa cultura e que temos que fazer a nossa parte. Que não adianta reclamar dos políticos e continuar praticando o jeitinho ou ficar omisso diante de pessoas que praticam o jeitinho. Temos a missão de salvar a política. Mas para salvar a política temos que ajudar a resgatar e ressignificar a política. E para fazer isso, temos que rever o nosso comportamento e o nosso envolvimento com a política. Se cada um de nós fizer um pouquinho em prol do bem comum, estaremos salvando a política e o resultado dessa ação irá repercutir e influenciar no comportamento e nas práticas dos partidos e dos políticos. *Cientista social e política. Fundadora do IPO – Instituto Pesquisas de Opinião. Conselheira da Associação Brasileira de Pesquisadores de Mercado, Opinião e Mídia (ASBPM) e Conselheira de Desburocratização e Empreendedorismo no Governo do Rio Grande do Sul. Coordenou a execução da pesquisa EPICOVID-19 no Estado. Imagem em Pixabay. Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaositered@gmail.com . Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

Artigo

Despedidas sem lágrimas

Destaque

Despedidas sem lágrimas
RED

De SOLON SALDANHA* Se torna muito mais fácil perceber porque a prefeitura não estava nem aí para a fiscalização das condições da pousada que incendiou e de outras que contrata, quando se sabe o que houve nos velórios de quatro das vítimas fatais do incêndio. Nenhum familiar ou amigo compareceu. Após, seus corpos desceram para as sepulturas acompanhados da mesma solidão e do mesmo descaso que tiveram em vida. Eles já não existiam antes da sua morte. Eram ninguém, figuras descartadas pela sociedade. Só mesmo o céu chorou, com a chuva que caía na tarde do sábado. Maribel Teresinha Padilha, Dionatan Cardoso da Rosa, Julcemar Carvalho Amador e Silvério Roni Martin de seu tinham apenas os nomes, que cito aqui em reverência. E deles sobrou ao menos as impressões digitais, que puderam ser comparadas com cópias de documentos que a Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc) guardava. Também foi sepultado, mas com familiares presentes, Anderson Gaúna Corrêa. Quanto aos outros cinco corpos, está sendo aguardada a realização de exames de DNA ou de arcada dentária para que sejam identificados. A psicologia reconhece a solidão como sendo uma condição associada à dor e à tristeza. Quem se sente só percebe em seu entorno e dentro de si um vazio, uma desimportância, uma não identidade. Pouco importa se a pessoa tem ou não real desejo da companhia de outras, de pertencer. Isso porque não carrega a impressão de que possa vivenciar isso. Acredita não ter ou não merecer essa oportunidade. Já o abandono, esse vem de fora, ele é externo ao indivíduo. É a renúncia consciente ou não de terceiros ou da sociedade em relação ao indivíduo. Trata-se de um desinteresse, uma invisibilidade. Assim como se o “problema” não visto deixasse de existir. O mundo contemporâneo, organizado em torno da estrutura capitalista e da valorização do consumo, não reconhece como digno de viver aquele que não é produtivo. O que não agrega aquilo que a sociedade considera importante só tem valor enquanto possibilidade de gerar ganho indireto para outros. Se não está vendendo seu tempo, seu trabalho, que venda a sua presença, a sua existência inútil. Como ser um número dentro de uma organização que é paga pelos poderes públicos, que o fazem como forma de parecer que se importam, que cuidam de todos de forma igual. O que vive na rua não está sendo acolhido por ser humano, mas porque aplaca consciências e dá lucro com aparência de honesto a quem nem parece ser. Essa foi a triste realidade prévia: ela antecedeu ao incêndio e deve sobreviver a ele, tão logo nos esqueçamos deste “lamentável incidente”. Não quero terminar sem reconhecer aqui a generosidade da Funerária Angelus, na pessoa do seu diretor Ary Bortolotto, que fez os serviços fúnebres gratuitamente, fornecendo os ataúdes e colocando sobre cada um deles coroa de flores com o nome da pessoa. Ou seja, nem isso foi a prefeitura municipal de Porto Alegre que custeou, apesar de todas as manifestações cheias de promessas feitas pelo prefeito Sebastião Melo. Sugiro ainda que a leitura continue mais abaixo, após o bônus de hoje, porque listei uma série de informações relevantes sobre o caso. O bônus do autor é a música Lei da Vida, com a cantora e compositora paulistana Sabrina Lopes. https://www.youtube.com/watch?v=EUOabl_rLYg MAIS COISAS QUE PRECISAM SER DITAS: 1)   Se a lei resultante da comoção pós tragédia da Boate Kiss, em Santa Maria, não tivesse sido “flexibilizada” pela ação de parlamentares mais preocupados em atender demandas de empresários, ao invés da segurança da população, a intensidade do incêndio da Pousada Garoa teria sido muito menor. Ela previa a obrigatoriedade de a edificação ter hidrantes e revestimento adequado, para dificultar a propagação das chamas. 2)   Matéria da Matinal Jornalismo revela que o proprietário da rede de pousadas Garoa, André Luis Kologeski da Silva, havia sido condenado em dois processos por estelionato. Foi por ter ludibriado pessoas com anúncios de aluguel de imóveis que não eram de sua propriedade. Mas, ao que tudo indica, a prefeitura de Porto Alegre não busca saber dos antecedentes das pessoas responsáveis por empresas com as quais firma contratos milionários. Ou sabe e não se importa com isso. 3)   Cezar Schirmer (MDB), que era prefeito de Santa Maria quando da tragédia da Boate Kiss, é atualmente o Secretário Municipal de Planejamento, na administração de Sebastião Melo, seu companheiro de partido. 4)   O jornal Boca de Rua, que é feito por moradores em situação de rua na capital gaúcha, com o auxílio de profissionais voluntários, foi barrado e não pode participar da coletiva de imprensa na qual a prefeitura procurava se explicar sobre o incêndio. A publicação já havia feito denúncias, no passado, contra a Pousada Garoa e as péssimas condições do serviço prestado. 5) Uma estratégia adotada pelo prefeito de Porto Alegre para afastar de si e dos seus secretários a responsabilidade em relação ao incêndio que teve dez vítimas fatais foi a de transferir para os Bombeiros – e o governador Eduardo Leite, por tabela –, alegando não terem feito corretamente o seu trabalho. Mas, em momento algum falou sobre a falta das vistorias que deveria ter feito e que só agora começarão. Convém lembrar que o encaminhamento do PPCI feito em 2019 sequer informava que o local seria uma pousada. E também que o processo não teve continuidade por parte do solicitante. 6) Quem acessa o site da Pousada Garoa se depara com imagens de quartos que, mesmo simples, são limpos e bem mobiliados. Entretanto, a RBS TV entrou em endereços da rede, com uma câmera escondida, revelando que a realidade é bem outra. Em pensão que fica na José do Patrocínio, no bairro Cidade Baixa, se viu em um quarto apenas um colchão apodrecido e um pequeno armário, bem velho. Segundo a reportagem, o cheiro era forte e desagradável. E havia lixo no corredor. 7) Outro detalhe, esse em pousada na Júlio de Castilhos: não havia sequer um único extintor de incêndio, apesar de um suporte para a colocação do equipamento estar visível. Ou seja, se as vistorias agora prometidas não levarem a mudanças profundas, outras tragédias anunciadas irão se seguir, mais cedo ou mais tarde. *Jornalista e blogueiro. Apresentador do programa Espaço Plural – Debates e Entrevistas, da RED. Texto publicado originalmente no Blog Virtualidades. Imagem: reprodução. Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaositered@gmail.com . Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

Artigo

O artigo de Frei Betto e as gerações com sinais trocados

Destaque

O artigo de Frei Betto e as gerações com sinais trocados
RED

De RUDÁ RICCI* Há poucos dias, Frei Betto escreveu um artigo intitulado “Cabelos brancos” em que citava, quase em tom de alerta, um encontro nacional de Fé e Política realizado em BH em que apenas 30% tinham cabelos escuros. O restante, perto das faixas de idade dele (perto dos 80 anos) e da minha (acima de 60). O artigo assume a função de para-raio e sintetiza o que tantos engajados de minha geração vêm se queixando: envelhecemos, o que parece normal, mas, conosco, envelheceu o engajamento pela mudança social, pela justiça social, pela ousadia política, pela solidariedade. Viceja pela sociedade o hiperindividualismo, a projeção do sucesso individual e certo desencanto com a aventura humana. Resolvi comentar o artigo não para fazer coro ao seu conceito, mas para problematizá-lo. O primeiro obstáculo que gostaria de saltar é sobre as novas gerações. Vou destacar dois aspectos, dentre tantos. Não se trata de juventude, mas de juventudes, no plural. São tribos, coletivos e comunidades virtuais que professam de tudo, até mesmo os hikikomoris japoneses que não saem de seu quarto e se fecham em grutas urbanas. Temos os identitários que, não sabem, mas professam individualismos e conservadorismos porque, a despeito da agressividade na defesa de seu direito de fala e existência, não se projetam em discursos solidários, não falam sobre o mundo, sobre política econômica, sobre muitos outros assuntos que não sejam de seu interesse grupal exclusivo. Podemos pinçar, dentre tantas juventudes, a Geração Z, tão comentada atualmente. Ela pode ser a lâmina a ser examinada no nosso microscópio. Esta geração nasceu a partir de 1995 e se forjou a partir das redes sociais e múltiplos aplicativos, de maneira que possuem uma vida dupla, entre o mundo concreto, offline, e o mundo virtual, online. Alguns autores sugerem que não possuem uma visão sequencial do tempo, mas tempos sobrepostos. São pragmáticos e práticos, tolerantes em relação às diferentes formas de viver e se apresentar, ativistas de coletivos e causas gerais, avessos a rótulos, adeptos da acessibilidade e simplicidade. O estranho para minha geração é que esta fica alheia ao ambiente e às relações interpessoais de primeira hora, se fechando no teclado do celular por horas. Aqui aparece uma dissonância cognitiva, entre o que pensa e projeto e o que realmente faz. Projeta um mundo melhor e participação em pautas de lutas por direitos – incluindo os dos animais -, mas vive fechado no mundo das comunidades virtuais. Uma maneira de socialização profundamente distinta das de Frei Betto e da minha. Há, ainda, a derivação desta geração para a altamente sexualizada, como a dos funkeiros: coloridos, exuberantes, agressivas e quase debochadas, que operam nas redes sociais e se expressam pela música, sensualizando e se apresentando por inteiro, nas confusões e insuficiências. Esta é a geração de Anitta, uma das personalidades mais ousadas e inventivas desta subcultura juvenil. Em meio a esta explosão de juventudes peculiares, emerge a dos jovens conservadores e reacionários. Não tão conservadores, mas que são vistos pela minha geração como tal. Comecemos pelos jovens aparentemente conservadores. A revista evangélica americana Relevant divulgou uma reportagem apontando que muitos evangélicos solteiros mantêm relações sexuais antes do casamento com a mesma frequência que os jovens não-cristãos: 80% dos solteiros evangélicos entre 18 e 29 anos afirmaram que já tiveram relações sexuais, quase o mesmo percentual que os 88% de solteiros adultos não evangélicos. Há igrejas e vertentes evangélicas que envolvem jovens com comportamentos e vestimentas pouco conservadoras. No caso dos jovens reacionários, o cenário é ainda mais dissonante. Não apresentam, evidentemente, semblantes pacatos e recatados. Gritam, estrebucham, e agridem beirando o sadismo, como fazem os jovens do MBL. Mas, há casos ainda mais instigantes, como os de Carluxo e Nikolas Ferreira. Sabemos de suas aventuras sexuais até mesmo retratados em fotos. O olhar dos dois tem algo provocador e sexualizado. Parecem professar o não binário, tons não muito definidos de sua vida íntima, algo de misterioso e histriônico. Se falam algo que tateie o ideário conservador, seu semblante e sua história apontam para outra direção. Carluxo, nas redes sociais, estimulava o mistério. No primeiro Carnaval brasileiro sob o domínio do governo Jair Bolsonaro, ocorreu a postagem nas redes sociais, atribuída à Carluxo, de um vídeo exibindo um Golden Shower. Adota uma postura “goy”, homens que não se identificam com a homossexualidade e a bissexualidade, mas que também não se identificam com a heterossexualidade. Este lusco-fusco e alta pluralidade de ideários e comportamentos jovens confundem as gerações mais velhas e não se alinham com padrões pré-estabelecidos. Aliás, o que dizer dos mais velhos? Novamente, o plural para nos descrever. Se temos idosos progressistas, subproduto da revolução sexual e cubana, temos os idosos destroçados pelo tédio, pregados em seus porta-comprimidos ou à espera de alguma aventura tresloucada como a de 8 de janeiro. Mas, para não fazer novo périplo à pluralidade de uma geração, vou destacar a dos progressistas. E, aqui, destaco um ícone quando jovem: Zé Dirceu. Zé foi um líder dos estudantes universitários. Até hoje, desperta suspiros de mulheres que vivenciaram aqueles dias de passeatas e palavras de ordem em praças públicas e avenidas. Cabelos compridos, alto, discursos explosivos e seguros, transpirava um “sex appeal” que causava invejas e ressentimentos. Pois bem, nos últimos meses, Zé Dirceu assumiu o papel de cavaleiro do anti-clímax. Repreendeu publicamente o diretório nacional de seu partido e Gleisi Hoffman por terem criticado a política econômica do governo federal. Exigiu que se alinhassem ao governo e apoiassem o ministro Haddad sob pena de... não ficou muito claro o que a rebeldia petista poderia provocar de estrago. Ora, esta fala de Zé Dirceu é exatamente o inverso do que o PT propunha quando foi criado. A palavra central do petismo era autonomia. Autonomia dos movimentos sociais frente aos comandos políticos centrais, autonomia dos filiados frente às deliberações dos parlamentares do próprio partido, autonomia para viver. Autonomia é palavra central do método Paulo Freire que sugere que temos que assumir nossos atos com consciência. No caso, a consciência é uma leitura de nossa função e papel num coletivo ou num projeto. Não é liberdade individual absoluta, mas minha visão do que devo ser no todo, sem me subordinar. Foram tantos petistas que trataram disso nas origens do PT, de Eder Sader à Marilena Chauí. A fala de Zé Dirceu se choca e demole este ideário libertário do petismo original. Numa fala subsequente, disse que a conjuntura atual impõe um governo lulista de centro-direita. Pouco importa se tentou corrigir o que disse. O fato é que sua fala é coerente com sua fase anti-clímax, mais próximo do chá de camomila que de ingredientes excitantes. Se o PT, quando criado, seguisse este ideário radical do pragmatismo, não teria futuro. O petismo empurrou a correlação de forças durante duas décadas. Ousou ousar e a destilar autonomias. E venceu. Zé Dirceu retoma as teses do Partidão das décadas de 1950 e 1960, do etapismo e alianças preferenciais com a burguesia. Houve resistências de lideranças regionais e da base comunista que organizaram greves e estruturas descentralizadas. Mas o enfrentamento com as direções centrais foi constante. Enfim, o que sugiro é que Zé Dirceu está sendo um nítido representante das cabeças brancas citadas no artigo de Frei Betto: recuadas, castradoras, envelhecidas, com lampejos da energia e frescor de tempos atrás, mas que sugerem a passividade e o conformismo. É fato que, como há juventudes, há idosos distintos e é justamente essa pluralidade que faz o mundo girar. Nem sempre conseguem se expressar e convencer rapidamente. Mas, estão lá. A vida está na ousadia, não no conformismo. O artigo de Frei Betto, afinal, propõe a vida. *Doutor em Ciências Sociais e Presidente do Instituto Cultiva em Minas Gerais. Imagem em Pixabay. Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaositered@gmail.com . Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

Artigo

DAD – Teatro em Porto Alegre

Destaque

DAD – Teatro em Porto Alegre
RED

De ADELI SELL* Já tinha lido coisas boas sobre o nosso Theatro São Pedro. Também li sobre os primórdios de outras casas de espetáculos. Mas nunca tinha me deparado com um escrito sobre o DAD - Departamento de Arte Dramática da UFRGS. Como aluno do Curso de Letras fiz uma disciplina optativa naquele prediozinho ali da Avenida Salgado Filho. Eis que o Vinícius Cáurio me alcança generosamente o livro de Juliana Wolkmer, “DAD História e Memória”. Uma edição da Libretos, graças ao Fundo Pró-cultura estadual. Na contracapa leio o que é a essência do elogiável escrito:  "Existe um tempo no DAD - Departamento de Arte Dramática da UFRGS que é um tempo diferente. Um tempo de descobertas, acertos, erros, sonhos e desejos de revolucionar a si e ao mundo através da arte. Neste livro, a trajetória da segunda escola universitária de teatro do Brasil, fundada em 1957, é revelada por meio de fragmentos e narrativas. É a história do DAD. É a história do teatro gaúcho." E a autora dedica o livro, pesquisa profunda, às personagens, protagonistas e coadjuvantes, que ocuparam os palcos e os bastidores dos mais diversos episódios desta história. Pelo seu relato temos conhecimento de todos os seus professores e vários ex-alunos que tudo fizeram para manter este espaço de arte, contra a falta de recursos, de espaços, incompreensões e contra a ditadura. Esta ditadura que cassou professores, mentes brilhantes como foi o caso do pensador ímpar, Gerd Bornheim. Por ali passaram e fizeram história pessoas dos meus tempos em Porto Alegre que admirei e admiro, como Ivete Brandalise, Sandra Dani, Luiz Paulo Vasconcelos, só para não me alongar. Mirna Spritzer, nossa atriz tão conhecida, nos dá a graça de apresentar o livro como "um lugar, uma casa, uma escola". Isto mesmo. E ela sarcasticamente nos lembra que "os banheiros nunca tiveram indicação de sexo". Juliana nos conduz através do Curso de Arte Dramática, um sonho coletivo. Descreve a epopeia dos primeiros anos, onde aparecem nomes que acabaram frequentando a cena nacional, para muitos um período pouco conhecido certamente. Quando passa aos Anos 60, ela nos apresenta uma escola de teatro que vive entre arte e política, pois não poderia ser diferente: havia repressão e ditadura, como pelo mundo havia mudanças culturais, rebeliões de costumes e na política. Fala dos papeis de professores, como o diretor Lothar Hessel, que conheci mais tarde no Instituto de Letras, como fala de Gerd, a quem nos anos 70 entre nós era lembrado com reverência, um revolucionário em todos os sentidos. Aparece entre tantas coisas a luta de Ivo Bender pela cena teatral contra o desdém dos governos. Quando chega aos anos 70, apresenta-nos o "resistir para existir", como fora no DAD e nos cursos da UFRGS em geral, mas o DAD sempre como vanguarda. Aparecem o improviso, o imprevisto, o faz tudo para sobreviver. Ao nos falar dos anos 1980 e 1990 apresenta "novas conquistas". Há uma lembrança de enfrentamento à Brigada Militar em 1995 que, às vezes, se esquece da violência policial depois da "democratização". Quando adentramos o século XXI vêm as "transformações e desafios". Lembra o aumento de vagas depois da entrada do governo Lula, a Lei das Cotas, com a presença de pretos/as tão raros no passado nos palcos. Nada passa despercebido pela autora, colocando as cenas pretéritas e mais recentes nas páginas deste livro de memórias: luta pelo Centro Acadêmico no passado, os protestos mais recentes contra a morte de Mariele Franco. Tem tantas coisas marcantes contadas e recontadas em suas quase 170 páginas, por isso deixo um apelo que é mais do que um convite pela leitura. É necessário destacar que a coordenação geral da publicação foi feita pelo Vinícius Cáurio e a produção executiva por Reissoli Moreira, duas figuras marcantes de nossa cena cultural, tendo a minha maior admiração. E lendo o livro acabo de virar fã da autora, Juliana Wolkmer. *Professor, escritor, bacharel em Direito, vereador em Porto Alegre. Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaositered@gmail.com . Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

Artigo

A gestão pública é responsável pelas mortes

Destaque

A gestão pública é responsável pelas mortes
RED

De SOLON SALDANHA* A atual administração pública de Porto Alegre tem se mostrado notória em termos de descasos. O prefeito Sebastião Melo governa para alguns privilegiados e não para a totalidade da população. Isso tem trazido uma série de problemas, mas agora ele parece ter se superado. Por absoluta negligência e incompetência da sua gestão, contribuiu de forma direta para que dez pessoas morressem carbonizadas e pelos menos outras 15 resultassem feridas, algumas em estado grave. Evidente que o abandono se deu com pessoas desassistidas, todas pobres e a maioria negra, que estavam jogadas dentro de uma pousada sem as menores condições de segurança e habitabilidade, com “estadia” paga pelo governo municipal. Para se ter uma noção mínima do absurdo, o prédio de quatro pisos era de alvenaria, mas com divisórias de madeira, feitas de modo a ampliar sua capacidade. Alguns dos quartos sequer tinham janelas. Uma única porta dava acesso ao local, não se sabe se existiam extintores de incêndio, não havia saídas de emergência e sinalização adequada. O que não surpreende, porque a irregularidade era inclusive documental. No ano de 2019 o proprietário encaminhou um PPCI, sigla de Plano de Prevenção e Proteção Contra Incêndios, informando que seriam instalados escritórios. Além de ter mentido sobre o objetivo real, ele não deu continuidade ao processo e a vistoria técnica a ser feita pelo Corpo de Bombeiros jamais foi realizada. A bem da verdade existia sim uma certidão municipal que dispensava o alvará de funcionamento, que não se entende porque deveria ter sido emitida. Moradores sobreviventes e vizinhos informam que o prédio era tomado por baratas e ratos, não tendo também condições mínimas de higiene. Em 2022 uma outra unidade da mesma Pousada Garoa já havia sofrido incêndio. Naquela ocasião morreu uma pessoa e mais de uma dezena de outras resultaram feridas. Mas, nenhuma providência foi tomada, apesar desse “alerta”. O contrato prosseguiu vigente, o Serviço Social da prefeitura seguiu encaminhando pessoas para a rede – informações desencontradas começaram falando que eram oito unidades em Porto Alegre, dando conta agora de que chegam a 21 – e continuaram sem fazer vistorias ou as fizeram de forma meramente formal. Quem será o proprietário? Alguém duvida que ele seja “muito bem relacionado”? Com certeza ele recebe em dia o pagamento autorizado por Melo. São 320 as vagas contratadas, o que garantia até o ano passado um repasse de R$ 3 milhões, em recursos públicos. O contrato foi renovado em dezembro de 2023, com o valor reduzido para R$ 2,7 milhões. Até a metade da tarde não se tinha informações sobre a identidade das vítimas. O que permite que se questione sobre existirem ou não com controle efetivo sobre o uso do local. Onde estão os registros que deveriam existir, as inscrições para acesso? Essas pessoas são todas ninguém, não têm sobrenomes com os quais as autoridades gostam de conviver ou precisem se preocupar. São pessoas invisibilizadas, excluídas e privadas do acesso ao direito de uma vida digna pelos “homens de bem” que nós cometemos a impropriedade de permitir serem eleitos. Em entrevista o prefeito Sebastião Melo conseguiu a proeza de afirmar que o que consta em documentos nem sempre é o que ocorre na prática. Como se não fosse responsabilidade sua e de sua equipe trabalhar com atenção às leis, regulamentos e protocolos. Não por nada foi vaiado por populares ao comparecer na Avenida Farrapos, local da tragédia. Isso certamente não acontece em outros locais, onde autoriza a construção de prédios que descaracterizam a identidade arquitetônica da cidade, atendendo apenas interesses financeiros de grandes construtoras, com as quais tem afinidade crescente. A apuração da perícia sobre as causas do incêndio desta madrugada irá demorar. O que se pode afirmar desde agora é que Melo só não tem sangue nas mãos porque as mortes não causaram a sua perda: intoxicação pela fumaça e carbonização pelo fogo foram a causa mortis de todas as vítimas. Talvez ele agradeça pelo fato de o sinistro não ter ocorrido no final de setembro, mas agora quando ainda temos cinco meses nos separando das eleições nas quais ele busca ser reeleito. O bônus musical do autor é Tears in Heaven (Lágrimas no Paraíso), de Eric Clapton. https://www.youtube.com/watch?v=kMvLoYW100Q&t=2s *Jornalista e blogueiro. Apresentador do programa Espaço Plural – Debates e Entrevistas, da RED. Texto publicado originalmente no Blog Virtualidades. Imagem: reprodução. Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaositered@gmail.com . Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

Mostrando 6 de 4560 resultados
Carregar mais