Opinião
Onde está a dignidade militar?
Onde está a dignidade militar?
De EUGÊNIO BORTOLON*
Lembro muito bem quando era guri lá pelas bandas de Vacaria como as pessoas tinham respeito pelos militares. Corriam os anos 50/60 e a cidade vivia infestada de militares do 3º Batalhão Ferroviário, responsável pela ferrovia Sul-Norte, que passava por ali. A Vila Militar era sagrada e só ia lá quem tinha muito o que fazer. Caso contrário, nada de acesso. Era uma espécie de bunker sagrado. As pessoas viam aqueles caras como algo para se admirar, gente de caráter inatacável. Ao menos era o que passava pela cabeça de piás como eu. O pessoal do quartel até tinha um time amador poderoso, chamado Rodoviário (não sei a razão, pois o batalhão era ferroviário, ou o nome seria Ferroviário e estou sendo enganado pela memória). Minha irmã namorou o centroavante do time, o Armandinho, um tipo muito bom de bola, afinal marcava muitos gols. E eu, pequeno, até virei chá de pera, o cara que acompanhava a irmã naqueles tempos em que namoro era uma coisa pra lá de difícil. Era um guardião das tentações alheias.
Logo depois, ainda menino, uns 12 anos, vi medo, terror e escuridão em casa e na cidade. Deu golpe em 64, com as mesmas razões e baboseiras dos que querem dar golpe hoje (família, pátria, medo do comunismo). Fui crescendo e vendo as ‘kakakas’ militares com a tal revolução. Torturas, mortes, perseguições, prisões, proibições em massa de qualquer coisa (livros, ideias, filmes, shows e assim por diante). A coisa foi andando de pior a trágico. Nada se podia fazer além do quadrado ou da bolha ditada e ordenada pelos ditadores.
Um dia tudo acabou. Redemocratização, eleições presidenciais. A praga do Collor. Os anos de Itamar, FHC. E a esquerda começou o milênio no poder. O ano era 2003. Pois é. Veio outro golpe na democracia articulado por Temer e o Congresso. E, enfim, Bolsonaro, que agora está na Cochinchina. Hora de começar a esquecer esta figura repugnante, que tanto mal fez a tudo e a todos, mas ainda assim com uma porção de lunáticos a segui-lo tristemente. Onde estavam estes vermes da frente dos quartéis? Precisavam de um messias canalha e charlatão? Sei lá, graças a todas as energias da humanidade está indo embora, mesmo com as badernas que está deixando na sua despedida.
Mas o que queria falar mesmo era dos militares, do Exército, da Marinha e Aeronáutica. Acho que não é só de viagra e comida granfina que eles gostam como está acontecendo por estes tempos de desmoralização desta turma. O guri lá de Vacaria que via militares com olhares de respeito, dignidade, honradez, ética e trabalho já não existe mais. Nem ele, nem os militares. Transformados em uma casta de omissos, de aproveitadores, de dinheiristas e de soldos gigantescos, hoje eles não querem saber de nada. Abraçaram o mau militar, que até foi expulso do quartel por Geisel, e ficaram se arreganhando para o lado do síndico do Planalto durante estes últimos quatro anos. Ganharam tudo que pediram. Jogo de interesses, sem dúvida. Os militares (muitos ainda se salvam) perderam o brio, perderam a dignidade, perderam a sua real função constitucional para se tornarem párias de um governo notoriamente péssimo com o povo. Basta fazer um retrospecto do que foram estes últimos quatro anos de bagunça em tudo, de deboche em tudo e de desrespeito em tudo.
Tomara que agora eles parem de lustrar os coturnos e voltem para os quartéis. Passem a trabalhar, construindo estradas, ferrovias, defendendo fronteiras, evitando contrabando de armas e drogas e cuidem do país. Voltem a ter dignidade aos postos que ocupam. Na democracia, eles têm o seu papel. E que voltem a ser disciplinados como eu os imaginava lá na infância. Agora, qualquer cabo ou sargento se acha no direito de arrotar teses estapafúrdias e de xingar quem lhes garante casa e comida.
*Jornalista com mais de 50 anos de trajetória. Destaque na editoria de economia.
Imagem em Pixabay.
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