O julgamento mais importante da história republicana

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O julgamento mais importante da história republicana - Imagem Gerada por IA ChatGPT

Por LÊNIO LUIZ STRECK*

O Brasil já teve 14 golpes e tentativas de golpe desde 1889. Passamos por ditaduras, redemocratizações e, finalmente, conseguimos aprovar, em 1988, a constituição mais democrática do mundo ocidental.

O número 14 é diferente, porque, pela primeira vez, os insurrectos estão no banco dos réus. Mais de 500 pessoas já condenadas. Os mandantes estão sendo julgados em setembro de 2025.

A questão é saber se aprendemos com a história. Para que não tenhamos o número 15 deste rosário de golpes e tentativas. Os alemães “pisaram na bola” em 1924, quando foram lenientes no julgamento de Hitler e seus parceiros golpistas. Falo do golpe da cervejaria de 1923.

Historiadores chamam o julgamento de um grande simulacro. No fundo, o julgamento fez uma ode ao golpismo e ao seu protagonista, Adolf Hitler, que mesmo preso não desistia de tentar novo golpe. A democracia era algo que lhe causava repulsa. Também o ódio à Constituição de Weimar, é claro. Golpistas odeiam constituições democráticas. Golpistas usam a Constituição contra a Constituição. Golpistas são especialistas em oxímoros.

O bizarro: o promotor encerrou sua peroração elogiando o principal réu, Hitler, chamando-lhe de soldado honesto, bravo e altruísta, mas que deveria ser responsabilizado pelos seus atos. O próprio Hitler encerrou os discursos de defesa, em uma fala eloquente de mais de uma hora. Simpaticamente, pediu que o tribunal considerasse apenas ele como responsável. Disse que independentemente da decisão do tribunal, o povo alemão caminharia unido com suásticas pelas ruas lutando contra marxistas e judeus e que a história os absolveria.

O diabo mora nos detalhes: um jornalista de Berlim que acompanhou o julgamento vaticinou: se esse homem quiser, pode levar o mundo ao colapso.

Detalhes técnicos: o Código Penal Alemão previa prisão perpétua para o crime de alta traição. Mais: Hitler era estrangeiro. Deveria ser expulso, como previa a legislação. Mas a acusação pediu apenas uma pena de oito anos a Hitler.

Em 1º de abril de 1924, o austríaco Hitler era considerado culpado pelo crime de alta traição, mas sua pena em razão de “circunstâncias atenuantes” poderia variar de cinco a 15 anos.

O tribunal considerou que Hitler agiu com sentimento patriótico e motivos nobres. Um golpista patriota. Hitler pegou a pena mínima, cinco anos, podendo receber liberdade condicional após seis meses

Nota relevante: o simulacro de julgamento foi considerado uma vitória gigantesca de Hitler, do nazismo e dos golpistas. E Hitler foi solto, em liberdade condicional, em 20 de dezembro de 1924. A tentativa de golpe de Estado — ou o crime de alta traição — cuja pena era a perpétua — rendeu ao comandante nazista oito meses e meio de prisão, tempo em que escreveu sua obra Mein Kampf.

O resto sabemos.

Ou não sabemos?

Aprende-se? A história é implacável. O problema é saber ler nas linhas e entrelinhas da história, essa ave de minerva. Que levanta voo somente ao entardecer.

*LÊNIO LUIZ STRECK é jurista conhecido por suas publicações sobre filosofia do direito e hermenêutica jurídica. É professor da pós-graduação em Direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, e atua como advogado. Procurador de Justiça aposentado do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul. É membro do Grupo Prerrogativas.

ASSISTA AQUI AO JULGAMENTO DA TRAMA GOLPISTA

Ilustração da capa: O julgamento mais importante da história republicana – Imagem Gerada por IA ChatGPT

Tags: STF, julgamento histórico, Lenio Luiz Streck, golpe de Estado, democracia, Constituição de 1988, história política, Brasil, Hitler, Mein Kampf, justiça.

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