Trump: um legado condenado

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Por J. CARLOS DE ASSIS* .

Para se mudar a História na base do voluntarismo é preciso ter poder absoluto. Alexandre, César e Napoleão o tiveram em algum momento de sua trajetória de dominação do mundo. Donald Trump não tem. Ele é prisioneiro de instituições nacionais seculares que, mesmo violadas circunstancialmente, acabam reagindo pela força de suas próprias raízes. Na frente geopolítica, seu maior obstáculo é o poder nuclear que os Estados Unidos dividem com potenciais adversários desde o pós-guerra.

            Tanto na concepção de Hegel quanto na de Marx, os dois maiores  filósofos do século XIX, a História avança dialeticamente mediante conflitos entre forças sociais, econômicas e políticas opostas. Para Hegel, no plano das ideias. Para Marx,  no plano material. É preciso que essas forças entrem em luta e se esgotem, cada uma em seu lado, para produzir uma síntese  num nível superior a ambas, com elementos subsistentes de cada uma delas. Não há avanço linear nem volta ao passado.

            Trump pretende mudar o mundo com ações unilaterais impostas por uma força de que já não dispõe, no plano militar, desde que, no pós guerra, a União Soviética socialista testou a bomba atômica e tornou-se um polo oposto ao capitalismo na construção geopolítica do mundo. A bomba definiu um limite para a expansão imperialista americana nas fronteiras do socialismo. Também no  plano interno ele já enfrenta reações que minam a popularidade de que deu provas nas eleições, com o risco de ruptura de suas bases de apoio político na renovação do Congresso daqui a menos de dois anos.

            A demonstração de fraqueza militar externa, por causa do poder nuclear que os Estados Unidos dividem com outras potências atômicas, sendo que qualquer delas – até a Coreia do Norte – pode  desencadear uma guerra catastrófica que destruiria a Humanidade, é um motivo adicional para que os cidadãos e cidadãs americanos tenham perdido a segurança que tinham em seu “destino manifesto” como nação líder do mundo.

            A pregação de campanha de Donald Trump, tipicamente demagógica e mentirosa, deu a seus eleitores a perspectiva de uma volta aos tempos gloriosos do pós-guerra ignorando a geopolítca. Entretanto, esses eleitores agora estão tendo de curvar-se à realidade. Para haver um novo passo na História com base nas teses de Hegel e de Marx, teria sido necessário um confronto pacífico entre as duas maiores potências não militares do mundo, Estados Unidos e China, já que o conflito armado está vedado. Trump escolheu o conflito comercial, uma iniciativa absurda num planeta universamente conectado pelas trocas de bens e serviços, onde o adversário é imbatível.   

Os resultados negativos do processo que ele iniciou com a guerra tarifária estão recaindo, em boa parte, sobre os próprios Estados Unidos. Empresas como a Volvo anunciaram a demissão de mais de 600 trabalhadores, certamente por falta de peças e componentes cuja aquisição se tornou inviável com o nível das tarifas que ele impôs. Isso ficará particularmente evidente quanto saírem as estatísticas nacionais.

Os bilionários americanos que fizeram fila para aplicar milhões de dólares em sua candidatura perderam o entusiasmo com política adotada pelo novo presidente, pois odeiam a alta instabilidade das bolsas devida a suas ações errantes. A opinião pública está espantada com suas atitudes autoritárias e inconstitucionais. Ficou claro que o homem que liderou, quatro anos antes, o assalto ao Capitólio, se tornou na Presidência, aos olhos das próprias elites e classes dominantes que o cortejaram antes das eleições, um risco real para a democracia norte-americana.

Sem qualquer escrúpulo, Trump está violando os princípios constitucionais de independência dos Poderes e do federalismo, ambos características de um país que se orgulhava como a primeira democracia do mundo moderno. Não respeita determinações da Justiça sobre imigrantes, mandou prender uma juíza que ousou aplicar a lei num desses casos e abriu uma guerra contra as maiores universidades do País, expulsando imigrantes que barateiam a mão de obra disponível para as atividades empresariais.

Pelas leis dialéticas, sua presença no cenário do mundo se revela como uma reação à abertura excessiva dos costumes que teriam avançado muito nas últimas décadas contra o conservadorismo, o fundamentalismo religioso e o tradicionalismo secular, características dos séculos passados. Entretanto, ele não tem poder, na realidade, para impor, sozinho, uma regressão à ética social que imperou séculos atrás. O movimento LGBT, por exemplo, veio para ficar. E as jovens de hoje, nas praias, não vão deixar de usar biquínis fio dental por causa dele.

A única contribuição que dará à História é ser a oposição conjuntural às teses progressistas que se desenvolveram em fins do século XIX e nas primeiras décadas do século XX. A História, contudo, não vai regredir. Trump passará como uma sombra insignificante do passado que, aproveitando-se da situação de apatia e decadência moral da sociedade norte-americana, elegeu-se presidente da República.

Provavelmente, quando completar seu mandato, os Estados Unidos estarão numa situação pior do que aquela quando entrou. Tendo prometido demais – “América grande de novo” -, entregará de menos. Seu principal fiasco, como está ficando cada vez mais claro, será na economia. A guerra tarifária esbarrou numa força intransponível: a muralha da China. Os chineses estão organizando parceiros na Ásia para lhe impor não apenas uma derrota econômica, mas também geopolítica.

Seu voluntarismo o levou a um “principismo” contraditório, só possível numa cabeça oca. Como ele pode conciliar a defesa do dólar como padrão monetário internacional e como reserva de valor se a política tarifária pretende tornar os Estados Unidos superavitários? Sim, porque alguém terá de vender bens aos Estados Unidos e comprar os dólares que ele vier a emitir para sustentar seu valor, e isso só pode acontecer se houver parceiros que façam superávits comerciais com os Estados Unidos, a despeito das tarifas elevadas.

A ideia de trazer de volta ao País empresas que foram buscar fora dele oportunidades de investimento mais favoráveis do que as de dentro de casa é outro contrassenso. Como isso pode ser feito a curto ou mesmo a médio prazo, para os grandes empreendimentos industriais norte-americanos espalhados pelo mundo, a tempo das eleições para o Congresso daqui a pouco menos de dois anos? Antes disso, as empresas internas fecharão pois não suportarão os custos dos insumos e componentes importados por causa das altas tarifas. O desemprego, com seus efeitos eleitorais, se espalhará. E Donald Trump, mesmo que viole de novo a Constituição e busque um terceiro mandato, perderá novamente a reeleição!


Publicado originalmente na Tribuna da Imprensa online.

*J. Carlos de Assis é jornalista, economista, doutor em Engenharia de Produção, professor aposentado de Economia Política da UEPB, e atualmente economista chefe do Grupo Videirainvest-Agroviva e editor chefe do jornal online “Tribuna da Imprensa”, a ser relançado brevemente.

Foto de capa: Donald Trump (Foto: REUTERS/Kevin Lamarque)

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