Teologia da Prosperidade 2.0: como igrejas e coaches disputam a população

De ADRIANO VIARO*

Coaches e pastores neopentecostais (neopenteCOACHalismo) dividem dois elementos fundamentais de suas retóricas transformando-as em commodities: felicidade e fé. A primeira, deixa de ser estado de comemoração pelo objetivo alcançado, passando a ser o próprio objetivo: ser feliz. A segunda, por sua vez, inverte a razão primeira da instituição igreja – produzir significados -, passando a vendê-los (por isso commodity). E é deste modo que a reorganização do conceito de esperança passa a assumir o papel de alienação constante e ininterrupta.

Existem dois tipos de neopenteCOACHalismo: 1) pastores que lançam mão da retórica coach; 2) coaches que lançam mão da liturgia neopentecostal.

No primeiro caso, pastores neopentecostais, mas não só eles (existindo também os médiuns espíritas adentrando ao discurso coach – algo que batizei de “espiritismo kardeCOACHista”), utilizam-se de discursos breves e de centralização do sucesso no “eu”, ao invés do nós. Dentro da metodologia, aparece o fomento ao empreendedorismo uberizado e uberizante como promessa de independência e “lugar ao sol”. Todas as possibilidades de falência e insucesso são envernizadas pela imprudência do crente como forma de absolvição do criador e do representante dele na terra – não à toa, motoristas de aplicativo são proselitistas da fé, sobretudo na imposição do canto gospel em seus carros.

Os pastores passam a escrever seus próprios livros usando linguagem e estética do coachismo à brasileira: letras grandes, frases curtas, parágrafos breves, linguagem simples para o que deve ser entendido e hermética para o que deve gerar capital intelectual ao autor. Colorem as gôndolas de livrarias de rodoviária e aeroportos, são campeões de vendas através de lobbies com editoras e lançam seus próprios manuais. Um bom exemplo é o livro “Jesus, o maior coach que já existiu”, dos autores Pantin Filho e Ronald Dennis. Na apresentação, os autores escrevem: “a partir das palavras e atitudes de Jesus Cristo descritas no Novo Testamento, é estabelecida uma intensa conexão com a metodologia do Coaching e com as habilidades exigidas de um profissional desta área, segundo a Federação Internacional de Coaching ICF. Ao final da leitura, fica comprovado que o Homem de Nazaré, em toda a sua humildade, foi o melhor e maior Coach de todos os tempos, mesmo que o termo ainda não existisse na época em que viveu entre nós”.

O que fica claro é a tentativa de captura do líder maior da fé cristã por parte de líderes de auditório, crentes ou laicos, no afã de esquentar seus saberes dando legitimidade à ausência de diplomas sérios e instituições idem. A junção dos coaches com os pastores configura-se em verdadeira pororoca cultural de raiz teórico-litúrgica. Não chega a surpreender, pois utilizam-se da liquidez das redes como forma de pregar a autoajuda como solução para a insuficiência de likes, seguidores e compartilhamentos. Em um mundo onde todos a todo instante querem o sucesso – que Jorge Forbes chamou de Terra2 – torna-se óbvio e didático o entendimento de que coaches e pastores, em se tratando de uma união oficiosa e extraoficial, ganham multidões de medíocres atrás de um sucesso sem esforço ou compreensão.

No segundo caso, os coaches de toda ordem, mas, sobretudo, os de auditório, encontram na liturgia neopentecostal as técnicas necessárias para o engajamento e a concentração de pessoas de toda ordem, sobretudo de base laica, no afã de recolherem seus “dízimos” com a promessa de venderem lugares de sucesso. A competência e destreza de tais igrejas em angariar recursos humanos e monetários era o que faltava para a “terapia breve” alavancar resultados transformando os coaches em verdadeiros profetas sem fé – ou gurus sem turbante.

Elementos de retórica crente, como a utilização de jargões e frases como “amém, irmãos?”, são substituídos em exato instante da palestra (em substituição ao culto), por “isso faz sentido para você?”. Em outros casos e momentos do discurso, coaches falam em deus como energia ou como categoria panteísta. Não se comprometem com única linha religiosa, mas personalizam o “universo” fazendo dele um ente pronto a conspirar em favor daquele que segue os ensinamentos do coach. Paulo Coelho devia sentir vergonha de ter eternizado “O Alquimista” por uma simples e pobre frase de efeito.

Por fim, o crente torna-se coachee, e o coachee torna-se crente, mudando apenas a natureza do objeto de fé e de liderança dela. Para o crente-coachee, a natureza da fé é deísta, e a liderança pastoral, porém, com recursos catárticos de ordem breve (discursos vazios desconectados de hermenêutica e exegese bíblica), diferindo-se das igrejas históricas pela possibilidade de atualização constante dos preceitos religiosos, exceto os de natureza moral (neste caso mais rígidos). Já no caso do coachee-crente, percebe-se a inversão em relação ao primeiro: a fé é laico-exotérica, e a liderança no formato de “guru da autoajuda”, ou coach. Ambos os tipos de crentes se encontram na crista da pororoca – onde líderes de um lado e de outro brigam por espaços e plateias, utilizando-se de mesmas ferramentas.

Há deste modo uma descredibilização dos estudos acadêmicos, dos estudos teológicos, da constituição de valores e virtudes e, sobretudo, das relações de trabalho. A uberização é a base da pregação laboral, visto que é de natureza breve (combinando com o coachismo) e de redenção do eu em detrimento do nós (teologia da prosperidade). O neopenteCOACHismo é cancro mole de uma sociedade embrutecida, “analfabetizada” e medíocre.


*Licenciado e Mestre em História, com especialização na área de História e Sociologia.

Foto: Pixabay.

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