Por JORGE ALBERTO BENITZ*
Esta questão das agências reguladoras como moeda de troca política em uma base, composta pela esquerda e direita, é a maior gelada para um governo que se pretende de esquerda, progressista e democrático. O governo pode até́ aceitar uma que outra indicação, mas ficar com o controle hegemônico na composição da Diretoria, sob pena de ser prejudicado no seu governo.
O caso da ANS (Agência Nacional de Saúde) demonstra isso de modo exemplar ao iniciar uma manobra para autorizar a comercialização de planos de saúde sem cobertura; isto é, tentando conter ou neutralizar avanços sociais ou até buscando revertê-los quando já existentes e consolidados, como no caso. Uma demonstração de como um governo de esquerda busca avançar via ministérios sob o qual são gestores e a agência de regulação atuando em sentido contrário, desconstruindo o trabalho do governo. Suponho que a composição da referida agência reguladora que apresentou esta proposta seja ainda a indicada pelo governo anterior. As gestões das agências reguladoras são defasadas das do governo. Avançam 2 anos no governo que sucede o que o indicou.
Como diz Ligia Bahia e Mario Scheffer no artigo “Embuste de Alto Impacto”, em 01/03/25, na FSP:
“Em consulta pública, o embuste é pressão antiga de empresas do setor, que miram o bolso da população de baixa renda e sem emprego permanente.
Um plano regulamentado custa em média R$ 850 por mês e tem restrições. O “semiplano”, precificado por vendedores em R$ 100, é uma falsa promessa —só faria aumentar a insegurança financeira de indivíduos e famílias.
Considerando 10 milhões de novos clientes pretendidos, entrariam R$ 12 bilhões a mais por ano no caixa das operadoras. Soma considerável para quem vende, mas muitíssimo inferior ao que o sistema público já gasta. Portanto, é troncho o argumento de que planos rudimentares beneficiarão o Sistema Único de Saúde (SUS).
Nos últimos 20 anos, os clientes de planos passaram de 32 milhões para 52 milhões, enquanto a receita anual das operadoras foi de R$ 32,6 bilhões para R$ 233,8 bilhões. No mesmo período, o SUS não desafogou. O número de tomografias computadorizadas na rede pública ambulatorial, por exemplo, saltou de aproximadamente 91 mil para 864 mil.”
Não sejamos ingênuos, não é só na agência reguladora de saúde ANS que existe cooptação por grupos empresariais. Nos governos de direita anteriores, comprometidos até a medula com os grupos empresariais, até se justifica mesmo que discordemos, uma composição pró interesses empresariais. O questionável é a entrega, em governos do campo de esquerda, progressista e democrático, da hegemonia das agências reguladoras via indicações de Diretores ligados, ou com visão ideológica, pró grupos empresariais que agirão em sentido contrário e com autonomia, para minarem as ações governamentais buscando avanços sociais, políticos e econômicos.
Um indicativo de provável comprometimento de Diretores de Agencia Reguladoras é o comportamento deles após sua saída do cargo. Mal termina a fase de quarentena muitos se bandeiam para um dos grupos antes regulados por ele, como Diretor. Não que seja algo ilegal e todos que usam desta prerrogativa sejam suspeitos de prevaricação. Somente deveria haver um procedimento de análise, para o bem público, dos seus antecedentes para ver se há algum indício ou prova capaz de configurar atuação na agência reguladora visando benefícios futuros.
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